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É hora da reforma política?

A Lista de Fachin fez ressurgir, em Brasília, os ecos por mudanças na legislação eleitoral

PALÁCIO DO PLANALTO: os debates sobre a reforma política voltaram a ganhar força em Brasília  / Paulo Whitaker/ Reuters (Paulo Whitaker/Reuters)

PALÁCIO DO PLANALTO: os debates sobre a reforma política voltaram a ganhar força em Brasília / Paulo Whitaker/ Reuters (Paulo Whitaker/Reuters)

GK

Gian Kojikovski

Publicado em 12 de abril de 2017 às 17h59.

Última atualização em 22 de junho de 2017 às 18h34.

Avalanches como a lista de 76 inquéritos aceitos pelo ministro Edson Fachin trazem consequências primárias e secundárias. Uma das mais óbvias é o impacto na reforma da Previdência, a mais importante pauta em discussão no Congresso. Mas um efeito secundário, que ganha força em Brasília, é reavivar os debates sobre a reforma política. O objetivo, claro, é defender a classe dos estragos que a Lava-Jato está trazendo.

As mobilizações para mudanças nas regras atuais do jogo eleitoral entraram em pauta desde que os efeitos da delação premiada feita pelo Grupo Odebrecht passaram a ser tangíveis para políticos de Brasília. Em outubro do ano passado, foi criada a Comissão Especial para discutir a reforma da Câmara. De lá pra cá, os debates avançavam em ritmo lento. Até que, por uma dessas coincidências do destino, chegaram a um momento decisivo nesta terça-feira.

Pouco antes de os inquéritos serem divulgados na imprensa, o relator da reforma, deputado Vicente Cândido (PT-SP), começava a discutir com colegas alguns dos projetos de mudança na legislação eleitoral que ele apresentou em seu parecer, na semana passada. Cândido estava na lista de Fachin: é investigado por ter recebido 50.000 reais para a campanha de 2010 oriundos de propina pela construção do estádio do Corinthians, o Itaquerão.

Dos projetos levados à discussão, os dois que devem ganhar relevância são a possibilidade de votação por lista fechada para deputados estaduais e federais nas eleições de 2018 e a criação de um fundo público para financiamento eleitoral.

A lista fechada, na teoria dos parlamentares, blindaria nomes que tiveram sua popularidade mais abalada por citações ao colocá-los sob junto com outros nomes não envolvidos. Como, em sua maioria, os políticos mais abalados pelo escândalo são os caciques partidários, eles ainda manteriam o controle sobre a estrutura partidária ao ter poder sobre a ordem da lista. “Mantido o sistema atual, a expectativa que temos é que a renovação no Congresso em 2018 será superior à de 1990, que foi de 61% dos parlamentares. Isso assusta muitos deles, porque quem não se reeleger vai responder sem foro privilegiado por eventuais práticas irregulares de financiamento de campanha e corrupção”, diz Antônio Queiroz, diretor do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (DIAP).

A desculpa oficial, por sua vez, é que a lista fechada tornaria as eleições mais baratas, algo necessário após o fim da possibilidade de doações empresariais para campanhas. Especialistas consultados por EXAME Hoje não acreditam que exista possibilidades de essa medida ser aprovada e vir a valer para as próximas eleições. “Do jeito que está apresentada, a reforma política não passa. Mesmo em condições ideais, já seria difícil conciliar interesses individuais. Agora, existe a quebra de confiança da população nos políticos, que retirou legitimidade de mudanças”, diz André Pereira César, responsável pela cobertura de Congresso da CAC Consultoria Política.

A outra medida de interesse dos parlamentares que vem sendo mais discutida na comissão da reforma política é a criação de um fundo público para financiamento. O parecer apresentado por Vicente Cândido aponta um fundo público de 2 bilhões de reais para financiar as eleições de 2018, caso o sistema mude para lista fechada. Caso o sistema permaneça como o atual, estima-se que o valor necessário para o financiamento seja de cerca de 6 bilhões. Na prática, os valores terão que ser rediscutidos. “O financiamento de campanha terá que ser resolvido de alguma forma, ele não pode ficar como está agora porque inviabiliza a eleição”, diz Queiroz, do DIAP.

Para ele, o financiamento público é uma das medidas que podem ser aprovadas a tempo de valerem para 2018 porque ela é a única opção para que a eleição não seja um caos completo. A outra é algum tipo de regulação nas coligações para aumentar a afinidade de programas ideológicos entre os partidos ou, ao menos, impedir a troca de cargos e fundos por tempo de exposição na televisão.

A dúvida é quais os coelhos que os parlamentares vão tirar da cartola para tentar se blindar. “Os parlamentares vão buscar algum tipo de proteção em relação ao passado, se blindar de eventuais condenações, etc. Eles não só vão tentar arrumar a situação de caixa dois, mas vão tentar diferenciar o que caracteriza propina no caixa um e o que é doação legal”, diz Queiroz, do DIAP.

De qualquer forma, por onde se olhe, a situação dos parlamentares – e do mundo político como um todo no país – é periclitante. As chances de pautas em benefício próprio passarem portanto, caem. Isso faz com que, cada vez mais, especialistas defendam a convocação de uma assembleia constituinte que seja responsável especificamente por repensar a democracia representativa no país.

“A reforma não vai sair desse jeito, e se sair algo, não será benéfica para o futuro do país. O país tem que avançar em outras questões maiores. Esse seria o caminho, seria uma nova constituinte”, diz André Pereira César, da CAC Consultoria Política. Essa assembleia trabalharia em paralelo ao Congresso, mas sem interferência de parlamentares. Para isso, o próprio Congresso teria que convocá-la. Aí que entra a dificuldade. “Tirando os parlamentares envolvidos na investigação da Lava-Jato, sobram outros 450 que em tese poderiam ter essa medida altruísta de convocar a constituinte. Mas, sinceramente, não creio que eles tenham esse tipo de visão”. As próximas semanas vão mostrar o que sobrou do compromisso dos parlamentares com o futuro do país. Se é que sobrou.

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