Em ofício, Dodge diz que arquivou inquérito sobre fake news contra STF
PGR alega que medidas já autorizadas sobre a investigação não foram acompanhadas pelo Ministério Público Federal
Clara Cerioni
Publicado em 16 de abril de 2019 às 14h36.
Última atualização em 16 de abril de 2019 às 19h21.
São Paulo — A Procuradora Geral da República, Raquel Dodge , determinou nesta terça-feira (16) o arquivamento do inquérito sobre fake news direcionadas a ministros do Supremo Tribunal Federal (STF).A informação foi publicada no site da Procuradoria-geral da República.
Em manifestação enviada ao ministro Alexandre de Moraes, que foi designado como o responsável pela investigação, Dodge alega que as medidas já autorizadas não foram acompanhadas pelo Ministério Público.
"A providência tem como fundamento o respeito ao devido processo legal e ao sistemapenalacusatório estabelecidona Constituiçãode 1988,segundo o qual oMinistério Público é o titular exclusivo da ação penal,fato queprovocaefeitosdiretos na forma enacondução da investigação criminal", diz nota publicada no site do MPF.
No âmbito do inquérito sigiloso, Moraes determinou a retirada do ar de matéria da revista Crusoé que mostra uma suposta ligação entre Toffoli e a Odebrecht. A reportagem não cita nenhuma suposta atitude ilícita do presidente do STF.
Moraes também determinou nesta terça a realização de operações de busca e apreensão pela Polícia Federal no âmbito do mesmo inquérito.
No documento, a PGR sustenta que, embora os autos ainda não tenham sido enviados ao MPF, notícias sobre ações relacionadas à investigação já estão sendo veiculadas.
"Notícias publicadas em diferentes meios de comunicação, inclusive hoje, anunciam o cumprimento de medidas cautelares penais sujeitas a reserva de jurisdição, sem prévio requerimento nem manifestação determinada por lei desta titular constitucional da ação penal", afirma Dodge no ofício.
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Para justificar sua decisão, Dodge cita uma jurisprudência do próprio STF, proferida pelo ministro Celso de Mello, que determinou o poder da PGR por decidir pelo arquivamento de uma investigação.
"Registra-se que, conforme histórica jurisprudência da Corte Constitucional, o arquivamento promovido pela PGR é irrecusável na hipótese em exame. Nas palavras do seu decano, ministro Celso de Mello: 'Como se sabe, a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal tem ressaltado a impossibilidade de esta Corte recusar o pedido de arquivamento, quando deduzido pelo Ministério Público'", cita a procuradora.
O anúncio de Dodge sobre o arquivamento de inquérito tem o potencial de tensionar a relação entre o Supremo e o Ministério Público, já que não está claro como Moraes responderá e se aceitará o arquivamento da investigação.
Procurada, a assessoria de imprensa do STF não se manifestou de imediato sobre a petição encaminhada por Dodge a Moraes.
Dois advogados constitucionais ouvidos por EXAME classificam a decisão da PGR como "inédita", mas discordam em relação a sua postura.
"A justiça tem o poder de requisitar para a polícia a apuração de fatos, para que só então a investigação comece. Foi isso que o Moraes fez. A investigação, de fato, ainda não começou. Na minha visão, Dodge tomou uma decisão precitada", diz Eduardo Reale Ferrari, do escritório Reale Advogados Associados.
Já Vera Chemim avalia como "corajosa" a postura da PGR. "O STF está fazendo um acumulo ilegal de funções, investigando e julgando um inquérito, e a PGR pode determinar por seu arquivamento", afirma.
Entenda a investigação
Em 14 de março, o presidente do STF, Dias Toffoli, anunciou a abertura de um inquérito para apurar fatos relacionados a notícias “falsas, caluniosas, difamantes e injuriantes” que atinjam os ministros.
Na ocasião, ele destinou o ministro Alexandre de Moraes para cuidar das investigações. Determinou, ainda, que o inquérito tramitasse sob sigilo.
No dia seguinte, Dodge já havia pedido esclarecimentos sobre as investigações, alegando que cabe ao Ministério Público realizar tais operações, e não ao Judiciário.
“Os fatos ilícitos, por mais graves que sejam, devem ser processados segundo a Constituição. Os delitos que atingem vítimas importantes também devem ser investigados segundo as regras constitucionais, para a validade da prova e para isenção no julgamento”, argumentou Dodge.