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Dias, da FGV: Renan não devia ficar

Professor de Direito Constitucional explica as consequências da guerra travada entre Renan e o Judiciário e os próximos passos do processo

ROBERTO DIAS: Especialista fala sobre fatiamento da decisão do STF, que permite a Renan Calheiros permanecer à frente do Senado, mas sem entrar na linha sucessória da presidência / Divulgação

Raphael Martins

Publicado em 7 de dezembro de 2016 às 19h05.

Última atualização em 22 de junho de 2017 às 18h03.

O presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), tem motivos para sorrir. Em julgamento no plenário do Supremo Tribunal Federal, os ministros decidiram que o peemedebista permanece no cargo, mas não pode entrar na linha sucessória da presidência. O STF derrubou, por seis votos a três, a liminar do ministro Marco Aurélio Mello que o afastava do posto por ser réu em uma ação penal por peculato. O ministro entendia que Renan não podia ser o líder no Legislativo com base no julgamento — não concluído por pedido de vista do ministro Dias Toffoli, mas com maioria estabelecida — que proíbe denunciados de assumir a linha sucessória da presidência. Para ele, a decisão de manter Renan no cargo, mas sem poder exercer com plenitude as funções é “meia sola constitucional”.

Para comentar o imbróglio, EXAME Hoje conversou com o professor de Direito Constitucional e coordenador da graduação em Direito da FGV de São Paulo, Roberto Dias, que explica as consequências da guerra travada entre Renan e o Judiciário e os próximos passos do processo. Dias é presidente da Comissão de Direito Constitucional da OAB/SP e doutor na área pela PUC-SP.

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O presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), tem motivos para sorrir. Em julgamento no plenário do Supremo Tribunal Federal, os ministros decidiram que o peemedebista permanece no cargo, mas não pode entrar na linha sucessória da presidência. O STF derrubou, por seis votos a três, a liminar do ministro Marco Aurélio Mello que o afastava do posto por ser réu em uma ação penal por peculato. O ministro entendia que Renan não podia ser o líder no Legislativo com base no julgamento — não concluído por pedido de vista do ministro Dias Toffoli, mas com maioria estabelecida — que proíbe denunciados de assumir a linha sucessória da presidência. Para ele, a decisão de manter Renan no cargo, mas sem poder exercer com plenitude as funções é “meia sola constitucional”.

Para comentar o imbróglio, EXAME Hoje conversou com o professor de Direito Constitucional e coordenador da graduação em Direito da FGV de São Paulo, Roberto Dias, que explica as consequências da guerra travada entre Renan e o Judiciário e os próximos passos do processo. Dias é presidente da Comissão de Direito Constitucional da OAB/SP e doutor na área pela PUC-SP.

Qual a conclusão final do julgamento desta quarta?
A decisão final mostra dois pontos. Primeiro, um entendimento unânime de que réu em processo criminal não pode se manter na linha sucessória. Mas o Supremo demonstrou uma deferência ao Legislativo e entendeu que, por enquanto, o Judiciário não deve interferir na possibilidade de que os parlamentares escolham o presidente da sua Casa e que a maioria entende que o réu não impede a presidência legislativa. É algo que não está explícito na Constituição. Foram cautelosos. Hoje, votou-se a liminar. Os conceitos vão ser mais esmiuçados quando Dias Toffoli devolver a ação que baseou a liminar.

Há como separar o cargo de presidente do Senado da atribuição de fazer parte da linha sucessória do presidente da República? Como?
Toda e qualquer análise é passível de interpretação. É da essência do Direito. O que mostra a consistência é o ônus argumentativo que o jurista utiliza para concluir. Eu entendo que temos uma previsão expressa na Constituição de que a linha sucessória está definida. A Constituição Federal não dá margem para essa cisão, de tirar um presidente Legislativo da linha sem tirá-lo do cargo. Mas foi usada uma argumentação mais alargada de outros dispositivos para achar um meio termo. Creio que esse é um argumento mais fraco. Deve-se levar em consideração a concepção de pensar na probidade administrativa, na moralidade dos exercícios de cargos públicos que também estão na Constituição. Uma pessoa sob esse tipo de acusação não poderia ser presidente.

Isso vale também para o réu que cometeu crime fora do exercício de sua função?
Aí é um debate mais complexo. Mas se um presidente da República, quando vira réu, torna-se automaticamente suspenso das funções por 180 dias, é esse o caminho para os outros. Seria o mais adequado, para mim.

Qual o balanço dessa guerra que Renan deflagrou nos últimos tempos com o Judiciário?
Nesse caso, há uma a série de atores envolvidos nessa polêmica, que estava contribuindo para que a crise não fosse solucionada e se agravasse. É algo que passa tanto por Renan como pelo ministro Marco Aurélio Mello. Alguém está certo? A mim, parece que ambos agiram de modo equivocado. Por um lado, erra o ministro Marco Aurélio ao decidir uma questão tão sensível, que envolve o chefe de uma das Casas do Legislativo, sem submeter ao plenário. E, por outro, erra Renan, buscando confrontar a decisão do Supremo e desrespeitando a ordem judicial. Até mesmo o pedido de vista do ministro Toffoli, em momento em que já havia seis votos a zero para a ação que baseia a liminar, tem parcela de culpa nos problemas que estamos vivendo agora.

Qual seria o caminho correto?
Ao ser acionado, caso não concordasse com a decisão, Renan deveria cumpri-la e recorrer em seguida. Marco Aurélio, por sua vez, deveria ter pedido urgência para pautar a matéria, submetido a plenário e discutido de forma colegiada.

Abre-se precedente para que a classe política passe a negar decisões judiciais da mesma forma?
O ato de desrespeitar a decisão judicial é gravíssimo, ainda mais apoiado por membros diretivos da Casa. Mas não acredito que abra precedente ao desrespeito generalizado das ordens judiciais. Foi uma atitude equivocada, mas tem caráter muito excepcional. Dificilmente haverá outra atitude próxima. Ainda mais porque, com certeza, isso vai gerar consequência. Não só relacionadas a críticas do mundo político e jurídico à atitude do presidente do Senado, mas com o encaminhamento que o próprio ministro Marco Aurélio fez ao MPF para que apure a prática do crime. Haverá resposta e é prudente que seja uma reação forte de reprovação.

Condena-se muito o fato de a decisão do ministro Marco Aurélio Mello ter sido monocrática. A decisão de um ministro sozinho é menos importante nesse caso?
Não. Mas pelo fato de ser uma questão que envolve a cúpula de um poder, não é prudente que um ministro decida sozinho sobre o destino de um chefe de outro poder, mesmo que provisoriamente. Cria-se uma chance enorme de um conflito mais forte. Se há um parecer do colegiado do Supremo decidindo sobre a matéria, a conclusão ganha mais peso institucional do que a decisão isolada de um único ministro. Ainda mais pensando no desenho de tomada de decisão do Supremo, que é bastante peculiar. São 11 ministros deliberando de forma díspare. Parecem 11 ilhas. Muitas vezes não há consenso. Então decidir isoladamente gera um risco ainda maior de colocar toda a instituição em xeque.

O ministro Marco Aurélio Mello falou em “desprestígio” do Supremo. Essa ideia faz sentido?
Não acredito que haverá. A meu ver, a crise não se perpetuará. A partir da decisão de hoje, no campo da linha sucessória e da presidência, os problemas institucionais serão superados. Com uma decisão majoritária, não acredito que Renan ou Marco Aurélio vão continuar em embate. Agora falamos do plenário do Supremo tomando uma decisão.

Mas o ministro também diz que “receia” pelo futuro com a permanência de Renan na presidência do Senado. Estamos à beira de uma crise institucional?
Fazer previsões num momento como esse, em que vivemos constantes solavancos há dois anos, não é muito prudente. Mas se pensarmos no que aconteceu daqui para trás, temos passado pelos problemas com alguma turbulência — umas mais graves, outras menos —, mas as instituições têm conseguido dar uma resposta. Chegamos em uma situação bastante séria, assim como foi o impeachment e o fatiamento da sua decisão final, mas a tendência é que os ânimos se estabilizem e a crise não chegue a uma ruptura. Acredito que temos mecanismos para essa segurança. Por mais que os atores tenham contribuído fortemente para que problemas se agravem.

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