Derrubar Dilma pode custar caro ao Brasil, dizem analistas
Os apelos pela saída da presidente podem custar caro ao Brasil, que conquistou com dificuldade a estabilidade nos últimos 20 anos
Da Redação
Publicado em 17 de agosto de 2015 às 18h49.
Rio de Janeiro - Cuidado com os desejos porque podem eles podem se tornar realidade, alertam especialistas: os apelos pela saída da presidente Dilma Rousseff podem custar caro ao Brasil, um país que conquistou com dificuldade a estabilidade nos últimos 20 anos.
Pela terceira vez em seis meses, quase um milhão de brasileiros foram às ruas no domingo repetindo palavras de ordem como "Fora Dilma!", pedindo sua renúncia, novas eleições ou o ' impeachment ' da ex-guerrilheira de 67 anos, que iniciou seu segundo mandato há menos de oito meses.
São várias as razões para este pedido: há quatro anos a economia está em decadência - 2015 fecharia com uma recessão de 2%, que se estenderia até 2016, segundo as últimas previsões dos analistas -, a inflação beira os 10%, o desemprego aumentou, os salários caíram, o real perdeu um quarto do valor frente ao dólar.
Muitos brasileiros sentem que Dilma mentiu durante sua campanha eleitoral, prometendo gastos sociais e criticando a agenda conservadora de seus adversários para, imediatamente depois de eleita, começar a implementar um duro ajuste.
"Que as pessoas saiam a questionar, peçam impeachment, tudo bem, mas tirar a presidente para colocar quem? O presidente do Congresso está sendo investigado por corrupção e contra a presidente Dilma propriamente não tem nada de concreto", disse à AFP André Perfeito, economista-chefe da consultoria Gradual Investimentos, de São Paulo, mencionando o presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha.
Cunha é o inimigo mais poderoso de Dilma no Congresso e, como presidente da Câmara dos Deputados, tem a chave para dar luz verde a um eventual processo de impeachment.
"Um remédio muito amargo"
O clima político e social também está fortemente contaminado pelo gigantesco escândalo de corrupção na Petrobras - o maior da história do país -, que respinga no governista Partido dos Trabalhadores (PT, esquerda) e vários de seus aliados na coalizão do governo.
Embora Dilma tenha chefiado o conselho administrativo da Petrobras entre 2003 e 2010, ela não foi acusada de nenhum crime.
Por outro lado, a presidente é acusada de manipular as contas públicas e financiar sua campanha eleitoral com recursos ilegais, dois temas que são investigados e que poderiam levar à abertura do 'impeachment'. Mas o mesmo precisa ser aprovado por dois terços da Câmara dos Deputados e requer um processo especial no Senado.
A presidente foi eleita com 52% dos votos, mas hoje, sua gestão é aprovada por apenas 8% da população. De acordo com o instituto de pesquisas Datafolha, 66% dizem apoiar um impeachment.
Mas cuidado, advertem analistas. Às vezes o remédio pode ser pior do que a doença.
"O impeachment pode ser um remédio muito amargo e os efeitos colaterais, muito danosos" e "traumáticos", disse à AFP Michael Mohallem, especialista em política e direito da Fundação Getúlio Vargas (FGV).
"A classe média está indignada e quer tirá-la de qualquer jeito. Tudo bem, mas para que? O que vai fazer, vai chamar outras eleições? Só que para as pessoas, a elite econômica, política, se a coisa está ruim, tirando ela, ficará pior", avaliou Perfeito.
A imprensa brasileira parece ter agora a mesma opinião: depois de ter publicado uma fotomontagem com a cabeça de Dilma em uma bandeja, agora defende em editoriais que a presidente chegue ao final do mandato.
Alternativas ruins
Em editorial publicado nesta segunda-feira, o jornal britânico Financial Times estimou que Dilma deveria permanecer no cargo, apesar dos protestos de domingo pedindo o seu impeachment.
"Mesmo que Dilma seja removida, ela provavelmente seria substituída por um outro político medíocre - que, em seguida, tentaria implementar a mesma estabilização econômica que ela está tentando", destacou o editorial, intitulado 'O descontentamento crescente no Brasil com Dilma Rousseff'.
Os analistas comemoram que Dilma tenha permitido à justiça e à Polícia Federal avançar em uma inédita investigação da corrupção na Petrobras, que já resultou na prisão do tesoureiro do PT, João Vaccari Neto; do ex-chefe de gabinete do ex-presidente Lula, José Dirceu, e vários dos principais empresários do Brasil.
"Embora que seja um governo fragilizado e que seu governo seja responsável por parte da corrupção que vem assolando o país, ela própria [a presidente Dilma] tem mostrado muita independência, garantindo a independência das instituições. Estes são traços de uma democracia sólida", disse Mohallem, da FGV.
Ironicamente, a presidente que comanda o Brasil durante sua pior crise em duas décadas pode acabar fortalecendo o país.
Ocupação: economista aposentado“Na minha concepção, tanto o Sérgio Moro, quanto a Polícia Federal estão fazendo um trabalho muito bom com a chamada delação premiada. Com esse recurso, eles fazem as pessoas abrirem o bico - e isso é incrível.E penso assim: o Eduardo Cunha é o inimigo do meu inimigo. Sendo assim, enquanto ele manter essa posição, ele não será um problema. Eu votei no Lula (na eleição de seu primeiro mandato), pois acreditava que o PT traria uma ética para a política brasileira. Essa é uma decisão da qual me arrependo amargamente. Mas, também não sou a favor do impeachment da Dilma - o que seria maravilhoso é se ela renunciasse à presidência”
Ocupação: aposentado“Isso daqui é uma verdadeira palhaçada. A Dilma não vai sair do poder, pois o povo a elegeu. Quando houve um protesto a favor do voto nulo, ninguém deu a mínimaAgora, a população tem que aguentar aquilo que, no passado,escolheu para o país”.
Ocupação: aposentada “Eu quero é que o PT saia do poder. Não acredito também, que com o PMDB na liderança, a situação do Brasil melhore. Porém, com todos esses casos de corrupção, não dá. Precisamos de uma reforma política”
Ocupação: engenheiro“Para mim, o juiz Sérgio Moro é o nosso herói político. Ele foi o único que conseguiu colocar esses bandidos da operação Lava Jato na cadeia e dar início ao combate contra a corrupção.Muitos diziam também, que o Eduardo Cunha seria alvo dos protestos de hoje, mas ele é tão insignificante que ninguém nem faz questão de falar sobre ele aqui”.
Ocupação: gerente comercial “Acho difícil a atual situação política do Brasil piorar. O PT precisa sair do governo e acho que, mesmo que o Temer assuma, não fica pior. Eu vim nos dois últimos protestos e vou continuar lutando até que esse partido saia do poder”.
Ocupação: coordenador do Fórum do Voto Eletrônico “Eu acho que o modelo atual de computação de votos é extremamente ultrapassado. O ideal é que as urnas eletrônicas não sejam a única opção nas eleições. Em outros países, esse modelo já foi extinto por conta da falta de confiabiliadade que o equipamento passa. Como é que vamos ter certeza da veracidade do resultado da última eleição?"
Ocupação: gerente comercial e dona de casa "Ficamos pouco mais de uma hora nos protestos na Avenida Paulista", diz Débora. "Tem um pra cada uma das nossas reclamações. É muita roubalheira, muita corrupção".