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Por que o decreto de armas de Bolsonaro está sendo tão questionado

Especialistas ouvidos por EXAME afirmam que o decreto altera uma lei federal sem passar pelo Legislativo e que podem

Bolsonaro: o presidente garantiu que atuou "no limite da lei" (Ricardo Moraes/Reuters)

Bolsonaro: o presidente garantiu que atuou "no limite da lei" (Ricardo Moraes/Reuters)

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Clara Cerioni

Publicado em 8 de maio de 2019 às 18h23.

Última atualização em 8 de maio de 2019 às 18h32.

São Paulo — Ao assinar o decreto que liberou o porte de armas para uma série de categorias de trabalhadores, o presidente Jair Bolsonaro garantiu que atuou "no limite da lei". Sua legalidade, no entanto, tem sido questionada por organizações que atuam na área da segurança pública no Brasil.

O decreto de nº 9.785, ratificado pelo presidente nesta terça-feira (7) e publicado no Diário Oficial da União nesta quarta-feira (8), alterou a regulamentação anterior do Estatuto do Desarmamento, em vigor desde 2003.

A princípio, Bolsonaro destacou que essa nova flexibilização do porte seria destinada para caçadores, atiradores esportivos, colecionadores (CACs) e praças das Forças Armadas.

Contudo, o texto ampliou a permissão para políticos, caminhoneiros, advogados, pessoas que vivem em área rural, profissionais da imprensa que atuem na cobertura policial, conselheiros tutelares e profissionais do sistema socioeducativo.

"Com esse decreto, o presidente está burlando a legislação. Ele está contornando o Estatuto do Desarmamento, que estabelecia que, até mesmo os profissionais que teriam direito de andar armado, deveriam justificar a efetiva necessidade para a Polícia Federal", explica Melina Risso, diretora de Programas do Instituto Igarapé, think tank do Rio de Janeiro especializado em políticas públicas de combate à criminalidade.

Isso significa que os profissionais citados não precisam mais comprovar efetiva necessidade para obter o porte, que anteriormente era submetida à aprovação da Polícia Federal.

Essa foi a mesma estratégia adotada no decreto que flexibilizou o posse de armas, assinado em fevereiro deste ano, que liberou o registro para todos que morarem em estado com taxa de homicídios superior a 10 para cada 100 mil habitantes de acordo com os dados do Atlas de Violência de 2017.

O Estatuto do Desarmamento liberava o porte para apenas 11 categorias, a maioria delas ligada à segurança pública e privada. O novo decreto assinado ontem amplia este número para 20.

Isso significa que o governo está modificando o Estatuto, que é uma lei federal, e isso só poderia ser feito pelo Congresso.  

"A Constituição Federal prevê que, quando o Executivo quiser fazer mudanças significativas em uma lei federal, como é o Estatuto do Desarmamento, só uma outra lei federal pode substituí-la. Sendo assim, o debate necessariamente precisa ser feito no Congresso", afirma João Paulo Martinelli, advogado criminalista e professor da Escola de Direito do Brasil (EDB).

Questionamentos em torno da legalidade do ato do governo já estão em curso. Nesta tarde, o partido Rede Sustentabilidade já entrou com uma ação no Supremo Tribunal Federal (STF) contra o decreto.

Para a sigla, o texto é um "verdadeiro libera geral" e "põe em risco a segurança de toda a sociedade e a vida das pessoas". O partido acusa de o Palácio do Planalto anunciar a medida sem haver "amparo científico", além de usurpar o poder de legislar do Congresso Nacional, "violando, desta forma, garantias básicas do Estado Democrático de Direito.

"Vale destacar que o Decreto não foi divulgado à imprensa nem por ocasião da cerimônia de assinatura. O texto aparentemente nem mesmo passou por revisão, tendo em vista as diversas falhas de formatação do texto publicado. Não houve discussão com a sociedade, consulta pública do Decreto ou qualquer outra medida afim", diz o partido.

O PSOL já anunciou que vai entrar no STF com uma Ação Direta de Inconstitucionalidade. A sigla também apresentou um Projeto de Decreto Legislativo (nº 227) para sustar o decreto. “Ao facilitar amplamente a posse, porte, registro e comercialização dessas armas, tenderá a agravar ainda mais o quadro de violência que assola o país”, afirma o projeto do PSOL.

Aumento da violência

Tanto Bolsonaro quanto o ministro Sérgio Moro destacaram que o decreto não é uma medida de segurança pública.

No entanto, isso envolve, principalmente, o risco de aumento dos números alarmantes da violência no Brasil, que tem uma média de 60 mil assassinatos no ano.

Uma análise de Thomas Conti, professor auxiliar no Insper e doutorando em Economia, que compilou dezenas de pesquisas acadêmicas sobre o tema entre 2013 e 2017, mostra que a esmagadora maioria dos estudos apresentam resultados contrários à “Mais Armas, Menos Crimes”.

Outro motivo é que o grupo dos chamados CACs, que agora terão porte liberado, é cada vez mais amplo no Brasil.

Em 2003, havia apenas 203 CACs registrados no país e hoje são 250 mil. O número de novos registros explodiu 879% só entre 2014 e 2018, segundo dados do Sou da Paz.

"Como os CACs têm benefícios legais para armas de fogo, com permissão do Exército brasileiro, quem queria se armar, mas não tinha aprovação da Polícia Federal, começou a buscar esses clubes de tiros. Além disso, despachantes começaram a se especializar nesse tipo de registro", diz Felippe Angeli.

Também há levantamentos apontando que uma parte das armas que caem na mão de criminosos têm origem legal neste grupo.

De acordo com o Sou da Paz, os CACs reportaram ao Exército o furto, roubo ou perda de 5.808 armas de fogo só entre 2010 e 2016.

"O que esse decreto faz, além de usurpar o poder, cria mais uma fonte de armas para os criminosos", diz Felippe Angeli, assessor de advocacy do Instituto Sou da Paz.

Em 2016, a Comissão Parlamentar de Inquérito da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro criada para investigar o desvio de armamentos no Estado revelou que, entre 2005 e 2015, 17 mil armas foram roubadas de empresas de segurança, número que representa 30% de todo o arsenal disponível no estado.

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