Pedido da Câmara, que tem o apoio de todos os partidos políticos, foi entregue na semana passada ao Executivo pelo representante da Frente Polisário no Brasil (Luis Macedo/Câmara dos Deputados)
Da Redação
Publicado em 3 de setembro de 2014 às 16h24.
Rio de Janeiro - O governo brasileiro terá que se posicionar em relação ao conflito do Saara Ocidental, no norte da África, depois de receber uma solicitação da Câmara dos Deputados para que reconheça a República do Saharaui e condene as violações de direitos humanos na antiga colônia espanhola, que atualmente é ocupada pelo Marrocos, informaram nesta quarta-feira fontes diplomáticas.
O pedido da Câmara, que tem o apoio de todos os partidos políticos, foi entregue na semana passada ao Executivo pelo representante da Frente Polisário no Brasil, Mohammed Zrug, que aproveitou a ocasião para conversar sobre o assunto com o vice-ministro para o Oriente Médio e África do Ministério das Relações Exteriores, Paulo Cordeiro.
"O Brasil defende uma solução justa, pacífica e mutuamente aceitável para o território, baseada no princípio da autodeterminação", disseram fontes do Itamaraty consultadas pela Agência Efe sobre o pedido, mas os mesmos não esclareceram se o Brasil reconhecerá a República Árabe Saharaui Democrática (RASD).
Em seu pedido, os deputados querem que o Brasil estabeleça relações diplomáticas com a República do Saharaui e o apoio do governo de Dilma Rousseff para que a missão da ONU encarregada de organizar o referendo de autodeterminação (MINURSO) inclua em seu mandato a observação dos direitos humanos no Saara Ocidental.
O deputado Alfredo Sirkis, do PSB, autor do pedido aprovado pela Câmara, reconheceu que "existe uma pressão muito forte por parte do Marrocos" para que o governo brasileiro não reconheça a República do Saharaui.
"Até agora, o Brasil não se pronunciou sobre as violações de direitos humanos no Saara Ocidental. Existem grandes interesses do Brasil no Marrocos", disse Sirkis à Efe.
Nos últimos dez anos, o Brasil multiplicou por seis as suas importações de fosfato do Marrocos, de acordo com dados da Organização Mundial do Comércio (OMC).
O território saaráui controlado pelo Marrocos possui a maior reserva mundial de fosfato, matéria-prima para a produção de adubos agrícolas.
Organizações como a Anistia Internacional e a Human Rights Watch vêm denunciando há vários anos a "sistemática violação dos direitos humanos no território do Saara Ocidental e o espólio dos recursos naturais por parte do Marrocos".
Mohammed Zrug explicou que a Frente Polisário quer que o Brasil tome uma posição semelhante a do México e da África do Sul, que reconhecem a República do Saharaui e mantêm boas relações com o Marrocos.
"Existe consenso no parlamento e não há motivos para que o Brasil não estabeleça relações com a República do Saharaui, assim como fez com a Palestina", disse à Efe o diplomata saaráui.
Zrug afirmou que a Frente Polisário mantém "relações muito cordiais e um diálogo fluído" com o governo brasileiro e explicou que o reconhecimento do Brasil "pressionaria o Marrocos para que não bloqueie as negociações".
Nenhum representante do Reino do Marrocos no Brasil quis comentar para a Efe a decisão da Câmara.
O Saara Ocidental é o último território pendente de descolonização segundo a ONU. Após a retirada das tropas espanholas em 1975, o Marrocos ocupou o território e construiu um muro de 2.720 quilômetros que, até o momento, separa a população saaráui que se refugiou no sul da Argélia daqueles que permaneceram no Saara Ocidental.
Em 1991, após 16 anos de guerra, a ONU iniciou um processo de paz entre saaráuis e marroquinos para organizar um referendo de autodeterminação que não chegou a acontecer.
Desde então, os saaráuis tentam obter apoio internacional para pressionar o governo do Marrocos, que é contrário à consulta.
Brasil, Argentina e Chile são os únicos países da América Latina que ainda não reconhecem a República do Saharaui.