Jair e Michelle Bolsonaro em evento quando ainda ocupavam o Palácio do Planalto Foto: EVARISTO SA/AFP via Getty Images (EVARISTO SA/AFP/Getty Images)
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Publicado em 3 de dezembro de 2025 às 06h01.
Os desdobramentos políticos após a prisão do ex-presidente Jair Bolsonaro expuseram a dificuldade que a direita enfrentará para atuar unida nas eleições de 2026 e tornaram ainda mais complexo o cenário para a formação de uma aliança ampla do bolsonarismo com partidos de centro como PSD, Republicanos, União Brasil e PP.
As divergências começam na própria família e foram evidenciadas no ataque coordenado dos três filhos à madrasta e ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro. Os herdeiros, que já viveram sérias animosidades entre si, uniram-se após a detenção do pai para tentar manter o poder de decisão sobre o destino da direita.
Os potenciais aliados de centro, que dariam corpo a uma coligação forte, no entanto, já sinalizaram que só aceitam se unir ao projeto caso o candidato seja o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos). Nesse cenário, Michelle afirmou a aliados ouvidos sob reserva pela EXAME que toparia ser a vice.
O cientista político da Universidade de Brasília Murilo Medeiros considera difícil a união dos partidos mais ao centro com o bolsonarismo e aposta numa fragmentação do campo conservador no enfrentamento ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) em 2026.
“Tudo indica que vamos ter várias frentes do bolsonarismo disputando eleição, tal como vimos em grandes capitais na última eleição municipal, com um candidato da base de esquerda apoiado por Lula e franjas da direita fragmentados, mas unidas em um eventual segundo turno”, afirma
Os movimentos nos bastidores apontam que a previsão do cientista político tem chance de se confirmar. Os filhos de Bolsonaro têm se articulado para fortalecer o nome do senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ) na briga pela presidência como forma de assegurar o espólio político do ex-presidente, o que não conta com a simpatia das legendas de centro.
Sem citar nominalmente o parlamentar, o presidente do PSD, Gilberto Kassab (PSD), foi o primeiro a descartar a ideia. Ele afirmou em entrevista nesta segunda-feira, 2, que seu partido só integrará a aliança caso o candidato seja Tarcísio e que, em cenário diferente desse, lançará na disputa o governador do Paraná, Ratinho Júnior, ou o do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite.
Ele também fez críticas à postura de Tarcísio de se aproximar do bolsonarismo, o que deixou a família do ex-presidente ainda mais irritada e distante das siglas de centro, segundo apurou a EXAME.
"O meu partido, e já discutimos isso internamente, nós vamos apoiá-lo [Tarcísio]. Mas ele tem errado. Daqui para trás, ele exagerou um pouco. Ele não pode se apresentar como bolsonarista. Ele tem que ser um líder acima de tudo, e vai se apresentar", declarou Kassab durante evento promovido pela Arko Advice e Galapagos Capital.
No PP, o clima é parecido. Pouco antes da prisão, o presidente da legenda, Ciro Nogueira (PP-PI), já havia exposto a insatisfação ao criticar uma “falta de bom senso e de estratégia” da direita e defendido que a federação de seu partido com o União Brasil trabalhe em 2026 focado apenas nas disputas estaduais.
Na família Bolsonaro, porém, há uma tentativa de união após as rusgas entre os filhos e a madrasta. A crise começou após Michelle criticar o apoio do PL à candidatura de Ciro Gomes (PSDB) ao governo do Ceará. Os filhos afirmaram que a aliança foi avalizada pelo pai e que a ex-primeira-dama foi “autoritária” neste episódio”.
Nesta terça-feira, 2, entretanto, Flávio afirmou que pediu desculpas à Michelle e que terá uma reunião no PL para “estabelecer uma rotina de decisões tomadas em conjunto”.
Medeiros, da UnB, afirma que a disputa enfraquece a família Bolsonaro e não é estrategicamente inteligente. “Quando há comando dividido, a coesão da base se fragiliza muito. A minha leitura é que o racha familiar, se mal gerido, pode enfraquecer o projeto bolsonarista enquanto legado centralizador do campo da direita e gerar dispersão, perda de protagonismo e abrir espaço para reconfigurações”, diz.
Segundo ele, o racha na família pode ser um “combustível para reorganização do campo conservador”.
“O bolsonarismo é uma força política muito considerável e certamente o Flávio, tendo aval do pai, vai ser um candidato competitivo e com chance real de chegar ao segundo turno, mas não desprezo capacidade das legendas de centro de investir em um nome que represente o antipetismo apegado a valores e que sinalize mudança”, afirma.
O cientista político não descarta que um nome como o de Ratinho Júnior “suplante” o candidato abençoado por Bolsonaro. “Acho que o jogo está muito aberto. Quem tiver estrutura manda no jogo. Então legendas de centro-direita, que têm forte capilaridade regional, estrutura financeira e partidária, tempo de TV e recurso eleitoral, têm ativos decisivos que podem impulsionar candidatura para além da família Bolsonaro”, afirma.