Brasil, país dos rios, transporta grãos por rodovias
O Brasil tem historicamente fracassado em conseguir fazer uso de sua rede fluvial extensa, razão pela qual os custos de transporte são até quatro vezes maiores
Da Redação
Publicado em 5 de setembro de 2012 às 22h58.
São Paulo - O Mato Grosso tem todas as condições para ser o paraíso dos agricultores de soja: chuvas abundantes, terras férteis e a preços acessíveis e um rio potencialmente navegável, o Teles Pires, que segue o seu caminho rumo ao norte para a Amazônia e desemboca no mar.
No entanto, os agricultores não podem usar o Teles Pires e, em vez disso, têm que carregar suas colheitas em caminhões em uma jornada de dois dias e 1.300 quilômetros por estrada para os portos do sul superlotados, onde muitas vezes esperam semanas antes do carregamento.
O Brasil tem historicamente fracassado em conseguir fazer uso de sua rede fluvial extensa, razão pela qual os custos de transporte são até quatro vezes maiores do que nos Estados Unidos ou na vizinha Argentina.
Isso pode mudar nos próximos anos, à medida que autoridades, pressionadas pelo crescente lobby agrícola em fronteiras de soja como o Mato Grosso, estão prometendo tomar as duras medidas necessárias para que o escoamento por rio se torne mais generalizado.
"O transporte fluvial é algo que estamos olhando com muito cuidado enquanto conversamos", disse o ministro dos Transportes, Paulo Passos, à Reuters em uma entrevista.
"Há desafios, mas isso iria beneficiar muitas pessoas." Os numerosos gargalos de transportes do Brasil estão no centro das atenções depois que a presidente Dilma Rousseff anunciou este mês um plano de 133 bilhões de reais para impulsionar o investimento em infraestrutura.
O plano visa melhorar cerca de 16 mil quilômetros de malha rodoviária e ferroviária, e outro pacote envolvendo portos e aeroportos provavelmente sairá em setembro.
Passos disse que o transporte fluvial não seria abordado de forma tão dramática no curto prazo, porque os projetos estão "menos maduros" do que em outros setores. Mas ele afirmou que o clamor crescente de agricultores e outros está surtindo efeito, e técnicos estão estudando atentamente as dificuldades logísticas para o transporte por rios.
Isso geralmente significa barragens hidrelétricas -- e o caso do Teles Pires é emblemático.
Embora o rio não seja navegável atualmente, uma série de barragens planejadas ao longo de seu curso poderia elevar os níveis de água o suficiente para permitir a passagem de barcaças. O problema é que o governo do Brasil não incluiu a exigência de eclusas no processo de licitação, o que significa que o desejo de longa data para usar o rio para transportar colheitas pode ter que esperar.
Os agricultores estão enfurecidos, dizendo que as empresas de energia elétrica estão monopolizando o uso de um recurso público às suas custas. O Instituto Mato-grossense de Economia Agropecuária argumenta que uma hidrovia funcional sobre o Teles Pires pode reduzir os custos de frete na região em até 55 por cento.
"Estamos jogando fora 3 bilhões de reais (em despesas com transporte) a cada ano e isso só vai piorar", disse Leonildo Bares, um agricultor de soja e presidente de um sindicato agrícola local.
Luis Siqueira, presidente do sindicato de transporte hidroviário de São Paulo, disse que a hora de agir é agora, à medida que os políticos ficam cada vez mais atentos às queixas dos agricultores. "É um momento em que precisamos aproveitar o entusiasmo, porque enquanto todas essas discussões estão acontecendo, hidrelétricas estão sendo construídas sem eclusas. É um absurdo." A política energética do Brasil, no entanto, pode estar atrapalhando o caminho.
Dilma Rousseff tornou uma prioridade baixar os preços de energia --atualmente o terceiro mais alto do mundo-- oferecendo incentivos fiscais para empresas de energia elétrica e aumentando a oferta. O país planeja construir até 48 novas usinas hidrelétricas até 2020, mas a maioria delas não incluirá eclusas, o que aumentaria os custos e potencialmente adiaria a construção.
Passos reconheceu que as autoridades do Ministério de Minas e Energia estão "preocupadas" com a possibilidade de hidrelétricas mais caras se traduzirem em custos mais elevados de energia.
Algumas empresas dizem que não se oporiam à construção de provisões para navegação, tais como eclusas e canais, desde que o governo do Brasil incluísse esses requisitos como parte do processo de licitação, o que raramente é o caso.
"A responsabilidade da empresa é seguir todas as condições que foram impostas quando venceu o leilão", disse Luiz Ramires, diretor financeiro da Hidrelétrica Teles Pires, o grupo que está construindo a hidrelétrica.
Para os agricultores brasileiros, os benefícios de exigir eclusas e desenvolver hidrovias são claros. De acordo com a Associação Nacional dos Exportadores de Cereais, custa em média 85 dólares por tonelada para enviar grãos para fora do Brasil, ante apenas 23 dólares nos Estados Unidos e 20 dólares na Argentina. Embora o frete represente 13,3 por cento do custo final da soja nos Estados Unidos, responde por 30,6 por cento no Brasil.
Outra questão que poderia ajudar os proponentes das hidrovias a prevalecerem é o meio ambiente. Nos últimos anos, o Ministério dos Transportes tem cada vez mais se alinhado com o movimento pelo transporte hidroviário, destacando não só a redução de custos, mas também os benefícios ambientais. As barcaças lançam seis vezes menos dióxido de carbono e 18 vezes menos óxido nitroso do que um caminhão, e são 29 vezes mais eficientes energeticamente.
Ainda assim, novas hidrovias em áreas como o Mato Grosso representam um dilema para os conservacionistas. Enquanto elas contribuiriam significativamente para a redução de gases de efeito de estufa, o aumento no valor da terra causado pelos custos de frete mais baixos da região poderia estimular o desmatamento.
Os agricultores, no entanto, veem isso de forma diferente.
"Se não tivéssemos que lidar com os altos custos de frete, os agricultores de Mato Grosso estariam investindo em tecnologia para que pudéssemos produzir mais dentro do espaço que temos, o que reduziria a pressão para expandir para terra com floresta", afirmou Bares. "Se tivéssemos mais máquinas, por exemplo, poderíamos dobrar a produção sem derrubar uma única árvore." EM CURSO Desdobramentos recentes sugerem que o governo do Brasil está começando a ouvir. O mais recente plano logístico do país pede que as hidrovias representem 29 por cento da malha de transporte até 2025, acima dos 13 por cento atuais, e que a representatividade das estradas caia para 33 por cento, de 58 por cento hoje.
O Ministério dos Transportes deu um passo adiante em abril, quando disse que iria financiar a construção de eclusas em hidrelétricas, e os técnicos estão trabalhando para estabelecer um plano hidroviário estratégico nacional.
"Eu admito que é um absurdo que este assunto tenha levado tantos anos para ser resolvido, mas agora estamos chegando a uma conclusão", disse Nilson Leitão, deputado federal pelo Mato Grosso. "Agora eu quero ver a construção de hidrelétricas parada até termos uma garantia de que os projetos serão construídos com eclusas."
São Paulo - O Mato Grosso tem todas as condições para ser o paraíso dos agricultores de soja: chuvas abundantes, terras férteis e a preços acessíveis e um rio potencialmente navegável, o Teles Pires, que segue o seu caminho rumo ao norte para a Amazônia e desemboca no mar.
No entanto, os agricultores não podem usar o Teles Pires e, em vez disso, têm que carregar suas colheitas em caminhões em uma jornada de dois dias e 1.300 quilômetros por estrada para os portos do sul superlotados, onde muitas vezes esperam semanas antes do carregamento.
O Brasil tem historicamente fracassado em conseguir fazer uso de sua rede fluvial extensa, razão pela qual os custos de transporte são até quatro vezes maiores do que nos Estados Unidos ou na vizinha Argentina.
Isso pode mudar nos próximos anos, à medida que autoridades, pressionadas pelo crescente lobby agrícola em fronteiras de soja como o Mato Grosso, estão prometendo tomar as duras medidas necessárias para que o escoamento por rio se torne mais generalizado.
"O transporte fluvial é algo que estamos olhando com muito cuidado enquanto conversamos", disse o ministro dos Transportes, Paulo Passos, à Reuters em uma entrevista.
"Há desafios, mas isso iria beneficiar muitas pessoas." Os numerosos gargalos de transportes do Brasil estão no centro das atenções depois que a presidente Dilma Rousseff anunciou este mês um plano de 133 bilhões de reais para impulsionar o investimento em infraestrutura.
O plano visa melhorar cerca de 16 mil quilômetros de malha rodoviária e ferroviária, e outro pacote envolvendo portos e aeroportos provavelmente sairá em setembro.
Passos disse que o transporte fluvial não seria abordado de forma tão dramática no curto prazo, porque os projetos estão "menos maduros" do que em outros setores. Mas ele afirmou que o clamor crescente de agricultores e outros está surtindo efeito, e técnicos estão estudando atentamente as dificuldades logísticas para o transporte por rios.
Isso geralmente significa barragens hidrelétricas -- e o caso do Teles Pires é emblemático.
Embora o rio não seja navegável atualmente, uma série de barragens planejadas ao longo de seu curso poderia elevar os níveis de água o suficiente para permitir a passagem de barcaças. O problema é que o governo do Brasil não incluiu a exigência de eclusas no processo de licitação, o que significa que o desejo de longa data para usar o rio para transportar colheitas pode ter que esperar.
Os agricultores estão enfurecidos, dizendo que as empresas de energia elétrica estão monopolizando o uso de um recurso público às suas custas. O Instituto Mato-grossense de Economia Agropecuária argumenta que uma hidrovia funcional sobre o Teles Pires pode reduzir os custos de frete na região em até 55 por cento.
"Estamos jogando fora 3 bilhões de reais (em despesas com transporte) a cada ano e isso só vai piorar", disse Leonildo Bares, um agricultor de soja e presidente de um sindicato agrícola local.
Luis Siqueira, presidente do sindicato de transporte hidroviário de São Paulo, disse que a hora de agir é agora, à medida que os políticos ficam cada vez mais atentos às queixas dos agricultores. "É um momento em que precisamos aproveitar o entusiasmo, porque enquanto todas essas discussões estão acontecendo, hidrelétricas estão sendo construídas sem eclusas. É um absurdo." A política energética do Brasil, no entanto, pode estar atrapalhando o caminho.
Dilma Rousseff tornou uma prioridade baixar os preços de energia --atualmente o terceiro mais alto do mundo-- oferecendo incentivos fiscais para empresas de energia elétrica e aumentando a oferta. O país planeja construir até 48 novas usinas hidrelétricas até 2020, mas a maioria delas não incluirá eclusas, o que aumentaria os custos e potencialmente adiaria a construção.
Passos reconheceu que as autoridades do Ministério de Minas e Energia estão "preocupadas" com a possibilidade de hidrelétricas mais caras se traduzirem em custos mais elevados de energia.
Algumas empresas dizem que não se oporiam à construção de provisões para navegação, tais como eclusas e canais, desde que o governo do Brasil incluísse esses requisitos como parte do processo de licitação, o que raramente é o caso.
"A responsabilidade da empresa é seguir todas as condições que foram impostas quando venceu o leilão", disse Luiz Ramires, diretor financeiro da Hidrelétrica Teles Pires, o grupo que está construindo a hidrelétrica.
Para os agricultores brasileiros, os benefícios de exigir eclusas e desenvolver hidrovias são claros. De acordo com a Associação Nacional dos Exportadores de Cereais, custa em média 85 dólares por tonelada para enviar grãos para fora do Brasil, ante apenas 23 dólares nos Estados Unidos e 20 dólares na Argentina. Embora o frete represente 13,3 por cento do custo final da soja nos Estados Unidos, responde por 30,6 por cento no Brasil.
Outra questão que poderia ajudar os proponentes das hidrovias a prevalecerem é o meio ambiente. Nos últimos anos, o Ministério dos Transportes tem cada vez mais se alinhado com o movimento pelo transporte hidroviário, destacando não só a redução de custos, mas também os benefícios ambientais. As barcaças lançam seis vezes menos dióxido de carbono e 18 vezes menos óxido nitroso do que um caminhão, e são 29 vezes mais eficientes energeticamente.
Ainda assim, novas hidrovias em áreas como o Mato Grosso representam um dilema para os conservacionistas. Enquanto elas contribuiriam significativamente para a redução de gases de efeito de estufa, o aumento no valor da terra causado pelos custos de frete mais baixos da região poderia estimular o desmatamento.
Os agricultores, no entanto, veem isso de forma diferente.
"Se não tivéssemos que lidar com os altos custos de frete, os agricultores de Mato Grosso estariam investindo em tecnologia para que pudéssemos produzir mais dentro do espaço que temos, o que reduziria a pressão para expandir para terra com floresta", afirmou Bares. "Se tivéssemos mais máquinas, por exemplo, poderíamos dobrar a produção sem derrubar uma única árvore." EM CURSO Desdobramentos recentes sugerem que o governo do Brasil está começando a ouvir. O mais recente plano logístico do país pede que as hidrovias representem 29 por cento da malha de transporte até 2025, acima dos 13 por cento atuais, e que a representatividade das estradas caia para 33 por cento, de 58 por cento hoje.
O Ministério dos Transportes deu um passo adiante em abril, quando disse que iria financiar a construção de eclusas em hidrelétricas, e os técnicos estão trabalhando para estabelecer um plano hidroviário estratégico nacional.
"Eu admito que é um absurdo que este assunto tenha levado tantos anos para ser resolvido, mas agora estamos chegando a uma conclusão", disse Nilson Leitão, deputado federal pelo Mato Grosso. "Agora eu quero ver a construção de hidrelétricas parada até termos uma garantia de que os projetos serão construídos com eclusas."