Brasil investiga Pasadena, mas Nordeste é problema maior
Mesmo que a Petrobras tenha pago caro, a refinaria de Pasadena, com capacidade para processar 100 mil barris por dia, pode ter sido ótimo negócio de refino
Da Redação
Publicado em 11 de abril de 2014 às 14h41.
São Paulo - A compra de uma refinaria nos Estados Unidos pela Petrobras por 1,2 bilhão de dólares virou tema de campanha eleitoral, com a oposição afirmando que a estatal pagou 20 vezes mais que o valor justo pela unidade no Texas e que Dilma Rousseff errou ao aprovar o negócio quando era presidente do Conselho da empresa em 2006.
A investigação, porém, está provavelmente mirando na refinaria errada: mesmo que a Petrobras tenha pago caro, a refinaria de Pasadena, com capacidade para processar 100 mil barris por dia, pode ter sido o melhor negócio em refino que a petroleira já fez em pelo menos três décadas.
A Petrobras está pagando bem mais por novas refinarias no Brasil. É o caso da Refinaria do Nordeste (Rnest), perto do Recife, a primeira a ser construída no Brasil desde 1980. Com capacidade de 230 mil barris por dia, deverá custar 20 bilhões de dólares até ser inaugurada, dentro de alguns meses.
Cada barril de nova capacidade de refino da Rnest custará cerca de 87 mil dólares à Petrobras, sete vezes mais do que em Pasadena, e duas a três vezes mais do que em refinarias modernas semelhantes que estão sendo construídas em outras partes do mundo.
Desde que Dilma aprovou a construção da refinaria no Nordeste, no período em que foi presidente do Conselho da empresa (2003-2010), seu custo mais do que quadruplicou.
"Nunca ouvi falar de uma refinaria que custasse mais do que isso", disse Sam Margolin, analista de refino na empresa Cowan and Company, em Nova York.
"As refinarias são caras, e estouros de custos e (interferências) políticas são comuns, mas isso ainda está bem além de qualquer coisa que eu já tenha visto em qualquer lugar." A Petrobras, incapaz de atender à demanda doméstica por combustíveis com as refinarias locais, precisa importar derivados de petróleo e sofre prejuízos com isso por causa dos controles de preços no mercado interno.
Por isso, é essencial para a empresa obter mais capacidade de refino a custo baixo, especialmente porque seu plano quinquenal de expansão, num valor de 221 bilhões de dólares, está mais focado na exploração de petróleo.
Os custos elevados contribuem para fazer da Petrobras a mais endividada e menos lucrativa entre todas as grandes companhias petrolíferas mundiais.
Dilma alega que não recebeu dados completos para a compra de Pasadena, e que por isso não pôde tomar uma decisão embasada.
A Petrobras já demitiu o diretor responsável pelo relatório que recomendou a compra, e o ex-diretor de operações de refino foi detido no mês passado em uma investigação sobre lavagem de dinheiro.
Críticos da compra afirmam que funcionários da Petrobras podem ter sido subornados para aprovar a transação.
A Petrobras não quis comentar sobre Pasadena, pois está conduzindo sua própria investigação, mas José Sergio Gabrielli, que era presidente da Petrobras na época da aquisição, disse nesta semana que a compra de Pasadena foi "um grande investimento".
Dilma até recentemente era vista como franca favorita para conseguir a reeleição em outubro, mas sua taxa de aprovação nas últimas semanas caiu de 42 para 36 por cento, e os escândalos do tempo da presidente na Petrobras podem prejudicá-la ainda mais.
Custos altos
É difícil comparar refinarias. A de Pasadena é uma instalação antiga, que precisava de modernizações, ao passo que a Rnest é uma refinaria nova e "limpa", com equipamentos tecnologicamente avançados e eficientes. Mas ainda assim é cara, mesmo em comparação a unidades novas.
O governo de Dilma Rousseff continua usando imagens da refinaria, uma vez chamada de Abreu e Lima, nos comerciais de TV que elogiam seus feitos, e a Petrobras atribuiu os estouros orçamentários à dificuldade de prever os preços e prazos para equipamentos, instalações e alvarás.
Para efeito de comparação, a saudita Aramco e a francesa Total construíram em Jubail (Arábia Saudita) uma refinaria para 400 mil barris diários por 10 bilhões de dólares, ou 25 mil dólares por barril --menos de um terço do custo da Rnest.
A chinesa Sinopec planeja concluir no ano que vem em Guangdong uma refinaria para 200 mil barris diários ao preço de 9 bilhões de dólares (45 mil dólares por barril), quase metade do custo da refinaria no Nordeste.
Em Port Arthur (Texas), a Aramco e a anglo-holandesa Royal Dutch Shell gastaram 10 bilhões de dólares por uma refinaria para 350 mil barris/dia, o que também equivale a um terço do valor em Pernambuco.
Em nível mundial, refinarias novas para o processamento de petróleo pesado estão custando "no máximo" 38 a 45 mil dólares por barril, segundo um consultor de refino dos EUA que trabalhou em refinarias da América do Norte, Oriente Médio, América Latina e Ásia.
Esse consultor, que pediu anonimato, considerou "exorbitante" o preço da refinaria nordestina, mesmo levando em conta os atrasos habituais em projetos na América Latina. Uma refinaria semelhante da Ecopetrol na Colômbia teve um a dois anos de atraso e um aumento de quase 50 por cento no preço, mas mesmo assim não chegou a custar 35 mil dólares por barril/dia, o que ainda é menos da metade da Rnest.
No fim das contas, a refinaria de Pasadena tem uma boa chance de dar lucro, ao passo que a Rnest provavelmente nunca cobrirá seus custos.
As refinarias na costa norte-americana do Golfo do México, onde fica Pasadena, geralmente lucram cerca de 10 dólares por barril refinado, segundo Margolin, da Cowan and Company, e Alen Good, analista de ações de empresas de petróleo e refino na Morningstar, em Chicago.
Se a Petrobras conseguir reproduzir essa margem de lucro em Pernambuco, levará mais de 20 anos para cobrir os custos da refinaria. No entanto, a divisão de refino da Petrobras perdeu quase 11 dólares por barril refinado no Brasil em 2013 e quase 16 dólares por barril em 2012, segundo o balanço de 2013.
Com base no desembolso de 1,2 bilhão de dólares, a Petrobras provavelmente conseguiria reaver o investimento de Pasadena em cinco anos, segundo Good.
Isso pode se dever mais à sorte do que a um investimento inteligente. Quando a compra foi aprovada, em 2006, a Petrobras estava procurando formas de refinar seu petróleo nos EUA, pois havia a expectativa de que esse país passaria a comprar mais petróleo bruto do Brasil.
Desde então, o boom do petróleo de xisto nos EUA aumentou a demanda pelo refino de petróleo, tornando mais valiosas as refinarias na costa do Golfo.
A cifra de 1,2 bilhão de dólares também pode representar um valor superestimado em relação ao verdadeiro custo de Pasadena, já que o total incluía 595 milhões de dólares em outros itens, como uma parte do estoque de petróleo da empresa Astra já presente na unidade, além de multas e taxas legais. Good e Margolin disseram que esses custos deveriam ser excluídos da avaliação da refinaria.
Quando isso é feito, chega-se ao valor de 486 milhões de dólares pela refinaria propriamente dita, ou 4.860 dólares por barril --valor que pode ser recuperado em um ano de operação a plena capacidade. Ainda para efeito de comparação, 18 vezes menos que a Rnest.
"Faz pouco sentido se comover com Pasadena quando você considera o que a Petrobras está pagando mais pela capacidade de refino no Brasil", disse Good. "Com esses preços, faz mais sentido para a Petrobras comprar refinarias nos EUA do que construí-las no Brasil." Gabrielli também questionou a cifra de 1,2 bilhão de dólares, alegando que na verdade a refinaria texana custou menos de 500 milhões de dólares.
Gasolina política
Pedro Galdi, analista-chefe da SLW Corretora, de São Paulo, disse que os investigadores deveriam se voltar muito mais para a Rnest do que para Pasadena.
"Todas as refinarias da Petrobras são, de alguma forma, fora da norma, e tenho poucas dúvidas de que, se uma CPI for realmente instalada, isso vai aparecer muito claramente", disse ele. "Houve uma séria má gestão." A refinaria Rnest surgiu de um acordo entre os ex-presidentes Luiz Inácio Lula da Silva e Hugo Chávez, da Venezuela.
A ideia inicial era que a unidade recebesse 60 por cento do petróleo do Brasil e 40 por cento da Venezuela, numa demonstração de amizade internacional e como forma de impulsionar a indústria regional.
Mas para lidar com petróleo venezuelano, que é mais pesado e com poluentes tóxicos do que o produto brasileiro, a Petrobras precisava de duas linhas de refino separadas, e por isso foi preciso acrescentar instalações adicionais.
Funcionários do governo já alertaram aos críticos de Pasadena que uma investigação mais ampla poderá respingar sobre eles próprios. Pernambuco, afinal, é um Estado que já foi governado por Eduardo Campos, ex-aliado e hoje rival eleitoral de Dilma.
"A investigação sobre Pasadena deve continuar, mas Pasadena é apenas a ponta do iceberg", disse Adriano Pires, diretor do Centro Brasileiro de Infraestrutura, uma consultoria energética com sede no Rio.
São Paulo - A compra de uma refinaria nos Estados Unidos pela Petrobras por 1,2 bilhão de dólares virou tema de campanha eleitoral, com a oposição afirmando que a estatal pagou 20 vezes mais que o valor justo pela unidade no Texas e que Dilma Rousseff errou ao aprovar o negócio quando era presidente do Conselho da empresa em 2006.
A investigação, porém, está provavelmente mirando na refinaria errada: mesmo que a Petrobras tenha pago caro, a refinaria de Pasadena, com capacidade para processar 100 mil barris por dia, pode ter sido o melhor negócio em refino que a petroleira já fez em pelo menos três décadas.
A Petrobras está pagando bem mais por novas refinarias no Brasil. É o caso da Refinaria do Nordeste (Rnest), perto do Recife, a primeira a ser construída no Brasil desde 1980. Com capacidade de 230 mil barris por dia, deverá custar 20 bilhões de dólares até ser inaugurada, dentro de alguns meses.
Cada barril de nova capacidade de refino da Rnest custará cerca de 87 mil dólares à Petrobras, sete vezes mais do que em Pasadena, e duas a três vezes mais do que em refinarias modernas semelhantes que estão sendo construídas em outras partes do mundo.
Desde que Dilma aprovou a construção da refinaria no Nordeste, no período em que foi presidente do Conselho da empresa (2003-2010), seu custo mais do que quadruplicou.
"Nunca ouvi falar de uma refinaria que custasse mais do que isso", disse Sam Margolin, analista de refino na empresa Cowan and Company, em Nova York.
"As refinarias são caras, e estouros de custos e (interferências) políticas são comuns, mas isso ainda está bem além de qualquer coisa que eu já tenha visto em qualquer lugar." A Petrobras, incapaz de atender à demanda doméstica por combustíveis com as refinarias locais, precisa importar derivados de petróleo e sofre prejuízos com isso por causa dos controles de preços no mercado interno.
Por isso, é essencial para a empresa obter mais capacidade de refino a custo baixo, especialmente porque seu plano quinquenal de expansão, num valor de 221 bilhões de dólares, está mais focado na exploração de petróleo.
Os custos elevados contribuem para fazer da Petrobras a mais endividada e menos lucrativa entre todas as grandes companhias petrolíferas mundiais.
Dilma alega que não recebeu dados completos para a compra de Pasadena, e que por isso não pôde tomar uma decisão embasada.
A Petrobras já demitiu o diretor responsável pelo relatório que recomendou a compra, e o ex-diretor de operações de refino foi detido no mês passado em uma investigação sobre lavagem de dinheiro.
Críticos da compra afirmam que funcionários da Petrobras podem ter sido subornados para aprovar a transação.
A Petrobras não quis comentar sobre Pasadena, pois está conduzindo sua própria investigação, mas José Sergio Gabrielli, que era presidente da Petrobras na época da aquisição, disse nesta semana que a compra de Pasadena foi "um grande investimento".
Dilma até recentemente era vista como franca favorita para conseguir a reeleição em outubro, mas sua taxa de aprovação nas últimas semanas caiu de 42 para 36 por cento, e os escândalos do tempo da presidente na Petrobras podem prejudicá-la ainda mais.
Custos altos
É difícil comparar refinarias. A de Pasadena é uma instalação antiga, que precisava de modernizações, ao passo que a Rnest é uma refinaria nova e "limpa", com equipamentos tecnologicamente avançados e eficientes. Mas ainda assim é cara, mesmo em comparação a unidades novas.
O governo de Dilma Rousseff continua usando imagens da refinaria, uma vez chamada de Abreu e Lima, nos comerciais de TV que elogiam seus feitos, e a Petrobras atribuiu os estouros orçamentários à dificuldade de prever os preços e prazos para equipamentos, instalações e alvarás.
Para efeito de comparação, a saudita Aramco e a francesa Total construíram em Jubail (Arábia Saudita) uma refinaria para 400 mil barris diários por 10 bilhões de dólares, ou 25 mil dólares por barril --menos de um terço do custo da Rnest.
A chinesa Sinopec planeja concluir no ano que vem em Guangdong uma refinaria para 200 mil barris diários ao preço de 9 bilhões de dólares (45 mil dólares por barril), quase metade do custo da refinaria no Nordeste.
Em Port Arthur (Texas), a Aramco e a anglo-holandesa Royal Dutch Shell gastaram 10 bilhões de dólares por uma refinaria para 350 mil barris/dia, o que também equivale a um terço do valor em Pernambuco.
Em nível mundial, refinarias novas para o processamento de petróleo pesado estão custando "no máximo" 38 a 45 mil dólares por barril, segundo um consultor de refino dos EUA que trabalhou em refinarias da América do Norte, Oriente Médio, América Latina e Ásia.
Esse consultor, que pediu anonimato, considerou "exorbitante" o preço da refinaria nordestina, mesmo levando em conta os atrasos habituais em projetos na América Latina. Uma refinaria semelhante da Ecopetrol na Colômbia teve um a dois anos de atraso e um aumento de quase 50 por cento no preço, mas mesmo assim não chegou a custar 35 mil dólares por barril/dia, o que ainda é menos da metade da Rnest.
No fim das contas, a refinaria de Pasadena tem uma boa chance de dar lucro, ao passo que a Rnest provavelmente nunca cobrirá seus custos.
As refinarias na costa norte-americana do Golfo do México, onde fica Pasadena, geralmente lucram cerca de 10 dólares por barril refinado, segundo Margolin, da Cowan and Company, e Alen Good, analista de ações de empresas de petróleo e refino na Morningstar, em Chicago.
Se a Petrobras conseguir reproduzir essa margem de lucro em Pernambuco, levará mais de 20 anos para cobrir os custos da refinaria. No entanto, a divisão de refino da Petrobras perdeu quase 11 dólares por barril refinado no Brasil em 2013 e quase 16 dólares por barril em 2012, segundo o balanço de 2013.
Com base no desembolso de 1,2 bilhão de dólares, a Petrobras provavelmente conseguiria reaver o investimento de Pasadena em cinco anos, segundo Good.
Isso pode se dever mais à sorte do que a um investimento inteligente. Quando a compra foi aprovada, em 2006, a Petrobras estava procurando formas de refinar seu petróleo nos EUA, pois havia a expectativa de que esse país passaria a comprar mais petróleo bruto do Brasil.
Desde então, o boom do petróleo de xisto nos EUA aumentou a demanda pelo refino de petróleo, tornando mais valiosas as refinarias na costa do Golfo.
A cifra de 1,2 bilhão de dólares também pode representar um valor superestimado em relação ao verdadeiro custo de Pasadena, já que o total incluía 595 milhões de dólares em outros itens, como uma parte do estoque de petróleo da empresa Astra já presente na unidade, além de multas e taxas legais. Good e Margolin disseram que esses custos deveriam ser excluídos da avaliação da refinaria.
Quando isso é feito, chega-se ao valor de 486 milhões de dólares pela refinaria propriamente dita, ou 4.860 dólares por barril --valor que pode ser recuperado em um ano de operação a plena capacidade. Ainda para efeito de comparação, 18 vezes menos que a Rnest.
"Faz pouco sentido se comover com Pasadena quando você considera o que a Petrobras está pagando mais pela capacidade de refino no Brasil", disse Good. "Com esses preços, faz mais sentido para a Petrobras comprar refinarias nos EUA do que construí-las no Brasil." Gabrielli também questionou a cifra de 1,2 bilhão de dólares, alegando que na verdade a refinaria texana custou menos de 500 milhões de dólares.
Gasolina política
Pedro Galdi, analista-chefe da SLW Corretora, de São Paulo, disse que os investigadores deveriam se voltar muito mais para a Rnest do que para Pasadena.
"Todas as refinarias da Petrobras são, de alguma forma, fora da norma, e tenho poucas dúvidas de que, se uma CPI for realmente instalada, isso vai aparecer muito claramente", disse ele. "Houve uma séria má gestão." A refinaria Rnest surgiu de um acordo entre os ex-presidentes Luiz Inácio Lula da Silva e Hugo Chávez, da Venezuela.
A ideia inicial era que a unidade recebesse 60 por cento do petróleo do Brasil e 40 por cento da Venezuela, numa demonstração de amizade internacional e como forma de impulsionar a indústria regional.
Mas para lidar com petróleo venezuelano, que é mais pesado e com poluentes tóxicos do que o produto brasileiro, a Petrobras precisava de duas linhas de refino separadas, e por isso foi preciso acrescentar instalações adicionais.
Funcionários do governo já alertaram aos críticos de Pasadena que uma investigação mais ampla poderá respingar sobre eles próprios. Pernambuco, afinal, é um Estado que já foi governado por Eduardo Campos, ex-aliado e hoje rival eleitoral de Dilma.
"A investigação sobre Pasadena deve continuar, mas Pasadena é apenas a ponta do iceberg", disse Adriano Pires, diretor do Centro Brasileiro de Infraestrutura, uma consultoria energética com sede no Rio.