Militares pedem cautela, mas Bolsonaro estimula celebração do golpe de 64
Ainda que sem um decreto ou portaria para formalizá-la, a efeméride volta ao calendário de comemorações das Forças Armadas após oito anos
Estadão Conteúdo
Publicado em 25 de março de 2019 às 11h35.
Última atualização em 26 de março de 2019 às 08h05.
Brasília — O presidente Jair Bolsonaro orientou os quartéis a comemorarem a "data histórica" do aniversário do dia 31 de março de 1964, quando um golpe militar derrubou o governo João Goulart e iniciou um regime ditatorial que durou 21 anos.
Generais da reserva que integram o primeiro escalão do Executivo, porém, pedem cautela no tom para evitar ruídos desnecessários diante do clima político acirrado e dos riscos de polêmicas em meio aos debates da reforma da Previdência.
Em um governo que reúne o maior número de militares na Esplanada dos Ministérios desde o período da ditadura (1964-1985) — o que já gerou insatisfação de parlamentares —, a comemoração da data deixou de ser uma agenda "proibida".
Ainda que sem um decreto ou portaria para formalizá-la, a efeméride volta ao calendário de comemorações das Forças Armadas após oito anos.
Em 2011, a então presidente Dilma Rousseff, ex-militante torturada no regime ditatorial, orientou aos comandantes da Aeronáutica, do Exército e da Marinha a suspensão de qualquer atividade para lembrar a data nas unidades militares.
O Planalto pretende unificar as ordens do dia, textos preparados e lidos separadamente pelos comandantes militares. Pelos primeiros esboços que estão sendo feitos pelo ministro da Defesa, Fernando Azevedo e Silva, o texto único ressaltará as "lições aprendidas" no período, mas sem qualquer autocrítica aos militares. O período ficou marcado pela morte e tortura de dezenas de militantes políticos que se opuseram ao regime.
O texto também deve destacar o papel das Forças Armadas no contexto atual. De volta ao protagonismo no País, militares são os principais pilares de sustentação do governo Bolsonaro.
Por isso, generais da reserva disseram à reportagem que no entendimento da cúpula das Forças Armadas e do próprio presidente, a mensagem precisa ser "suave".
Eles afirmam que não querem nenhum gesto que gere tumulto porque não é hora de fazer alarde e/ou levantar a poeira. O momento, dizem, é de acalmar e focar em reverter os problemas econômicos, como reduzir o número de desempregados.
Investigações
A suspensão da festa em comemoração a 1964 por Dilma coincidiu com a criação da Comissão Nacional da Verdade. O grupo foi criado pela presidente em meio à pressão da Organização dos Estados Americanos (OEA), que condenou o Estado brasileiro pelo desaparecimento de guerrilheiros na região do Araguaia, e da Justiça Federal, que cobrava a entrega de restos mortais a familiares de vítimas da ditadura.
Embora não tenha avançado nos esclarecimentos dos episódios mais emblemáticos do período, a comissão desagradou aos militares.
Na época, segundo relato de oficiais, ficou estabelecido uma espécie de acordo informal com o Exército - comandado à época pelo general Enzo Peri — de que não haveria "perseguição". Oficiais afirmam que Dilma, na ocasião, chegou a dizer: "Não farei perseguição, mas em compensação não quero exaltação".
Do outro lado, integrantes da comissão chegaram a demonstrar desconforto com a postura do então ministro da Defesa, Celso Amorim, e dos comandantes das Forças Armadas de, segundo eles, não se esforçarem na busca de informações.
O relatório final do grupo foi entregue em dezembro de 2014 e considerado um fiasco por pesquisadores e parentes de desaparecidos políticos.
A partir daí, as comemorações nas unidades militares minguaram. A lembrança da passagem do 31 de março ficou limitada às atividades do Clube Militar, com sede no Rio, formado por oficiais da reserva.
Em janeiro de 2016, o então chefe do Comando Militar do Sul, o atual vice-presidente Hamilton Mourão, deixou o posto com um discurso em que citava a derrubada de Goulart.
Ele lembrou que assumiu o cargo em 31 de março de 2014. "31 de março, grande data", disse. Ao lado dele estava o substituto, general Edson Pujol, hoje comandante do Exército.
Cabeceira
O próprio Bolsonaro já declarou ter como ídolo um dos símbolos do regime militar, o coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, morto em 2015. Ustra foi comandante do DOI-Codi do II Exército, em São Paulo, onde teriam morrido 45 prisioneiros.
Durante a campanha, o presidente disse que seu livro de cabeceira é A verdade sufocada, uma versão de Ustra para os assassinatos de opositores do regime. Na época da campanha eleitoral, generais chegaram a sugerir que Bolsonaro não repetisse a afirmação.
Ao votar pelo impeachment de Dilma, Bolsonaro citou Ustra no discurso, causando polêmica. "Perderam em 64, perderam agora em 2016.
Pela família, pela inocência das crianças em sala de aula, que o PT nunca teve, contra o comunismo, pela nossa liberdade, contra o Foro de São Paulo, pela memória do coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, o pavor de Dilma Rousseff, pelo Exército de Caxias, pelas Forças Armadas, pelo Brasil acima de tudo e por Deus acima de tudo, o meu voto é sim", declarou na ocasião em plenário. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.