Brasil

As próximas batalhas judiciais de Lula

Além da possibilidade de candidatura do ex-presidente, defesa quer contestar ritos processuais da Lava-Jato, que poderiam anular uma porção de processos

LULA: Durante os diversos recursos a que a defesa do ex-presidente deve lançar mão, a tendência é de acirramento do discurso de perseguição jurídica (Ueslei Marcelino/Reuters)

LULA: Durante os diversos recursos a que a defesa do ex-presidente deve lançar mão, a tendência é de acirramento do discurso de perseguição jurídica (Ueslei Marcelino/Reuters)

Raphael Martins

Raphael Martins

Publicado em 25 de janeiro de 2018 às 06h01.

Última atualização em 25 de janeiro de 2018 às 06h01.

O julgamento mais esperado da história recente do país chegou a um veredito nesta quarta-feira. Mas as batalhas, e as polêmicas, judiciais em torno do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva estão longe do fim. Lula foi condenado por unanimidade pela 8ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, que revisa as decisões de primeira instância da Operação Lava-Jato. A pena de Lula, por corrupção passiva e lavagem de dinheiro, foi unânime, fixada em 12 anos e um mês de prisão. A defesa deve recorrer da decisão ao Superior Tribunal de Justiça e ao Supremo Tribunal Federal, mas a condenação no tribunal colegiado de Porto Alegre já reúne condições para enquadrá-lo na Lei da Ficha Limpa. No ato do registro de candidatura, em agosto, a Justiça Eleitoral vai decidir se o ex-presidente, que lidera as pesquisas de intenção de voto, fica inelegível.

O tom dos três desembargadores, Leandro Paulsen, João Pedro Gebran Neto e Victor Laus, foi o mesmo: Lula sabia dos ilícitos relacionados ao tríplex de Guarujá, nada fez como figura influente da política brasileira para reverter e se beneficiou do esquema. “Há prova acima do razoável de que o ex-presidente foi um dos principais articuladores, se não o principal, do esquema na Petrobras”, disse o relator Gebran Neto. Na lista de provas nos autos estão fotos do ex-presidente no apartamento e mensagens de texto do ex-presidente da OAS Léo Pinheiro tratando das reformas com executivos do grupo e combinando encontros com o filho de Lula, Fábio Luis Lula da Silva. “As provas resistiram às críticas e, se resistiram, refletem a sua substância”, disse Laus, último a votar.

Este é apenas um aperitivo do debate que se segue ao julgamento de Lula. Enquanto críticos acreditam que o conceito de Justiça se esfacela, outros comemoram a mudança de rumos na impunidade de crimes de corrupção. De uma forma ou de outra, as rusgas entre órgãos acusatórios e advogados de defesa devem esquentar dia a dia. O novo ponto alto será a impugnação ou não da candidatura de Lula, entre agosto e setembro.

A pressão popular em relação a Lula sai momentaneamente das costas do TRF-4 e recai sobre o Tribunal Superior Eleitoral. No plano de fundo, a Corte passa por mudanças. Em 2018, sai o garantista e pró-réu Gilmar Mendes e entra na presidência até agosto o ministro Luiz Fux. Em seguida, a ministra Rosa Weber ocupa o cargo. As novidades são os ministros do Supremo Tribunal Federal, Roberto Barroso e Edson Fachin. As pistas começam a surgir: segundo a GloboNews, a composição atual do tribunal considera “inevitável” que a candidatura seja impugnada.

Não adiantou

Para quem concorda com os desembargadores, o discurso sobre a mesa, de que há todo um sistema montado para perseguição e exclusão de Lula das eleições, vai de encontro a todo o histórico recente de apuração e punição de crimes de colarinho branco no país. Fernanda de Almeida Carneiro, criminalista e professora de Direito Penal do IDP-São Paulo, entende que a pressão é clara no Judiciário em um caso como esse porque todos têm uma opinião formada, mesmo sem conhecer a prova dos autos. “Isso vai dos apoiadores do presidente até os contrários, e polariza muito as opiniões. O Direito tem fundamento técnicos, mas não é uma ciência exata, então os julgadores estão lá para interpretar as provas. Acredito que o tribunal conseguiu fazer uma análise técnica imparcial dos elementos dos autos”, afirma. “Casos de corrupção e lavagem de dinheiro são difíceis realmente de se ter uma prova cabal, sem margem de dúvida. Mas nesse processo a somatória de provas indiretas, testemunhais e documentais permite concluir a responsabilização do ex-presidente”.

A ação de desacreditar a Justiça havia começado antes da sessão. Nem havia começado o voto do relator e Lula discursava nesta manhã no Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo. “Estou extremamente tranquilo e com consciência do que está acontecendo no Brasil. Tenho certeza absoluta que não cometi nenhum crime. A única decisão que espero é um 3 a 0, dizendo que o juiz Moro errou a dar a sentença”, disse o ex-presidente. “A única coisa certa e justa que poderia acontecer no país seria isso. Se não acontecer temos muito tempo pela frente para mostrar o equívoco e as mentiras contadas sobre o PT e sobre o Lula nesses últimos anos”.

Os protestos da defesa de Lula contra as autoridades fazem parte da narrativa de perseguição jurídica comandada pelo presidente, uma estratégia de sobrevivência do PT. Com Lula virtualmente excluído da eleição, o partido perde a capacidade de aglutinar partidos em uma aliança e pulveriza candidatos da esquerda em diferentes coligações. O menor poder de fogo reduz o número de cadeiras no Congresso nas eleições de 2018. Daqui em diante, portanto, o ex-presidente vai em bisca de uma liminar nos tribunais superiores para que possa disputar a eleição, usando como argumento que a chance de ser absolvido em Brasília é um respaldo para que não se torne inelegível. Um dos caminhos é o artigo 26-C da Lei Complementar de 64/1990, que pode suspender a condenação em segunda instância caso um possível candidato tenha chance de não ser culpado.

Apoiadores do ex-presidente lançaram a campanha “Cadê a prova contra Lula?”. Em vídeo publicado nesta quarta-feira, com apoio de artistas simpáticos ao partido, o PT coloca em cheque pontos da investigação. A primeira foi a divulgação das conversas entre Lula e a ex-presidente Dilma Rousseff, em que combinavam a entrega do termo de posse ao cargo de ministro-chefe da Casa Civil, mas extrapolava a competência do juiz federal Sergio Moro por conta do foro privilegiado da então presidente. Cita-se também a negativa à perícia dos recibos de pagamento de aluguel do apartamento vizinho ao de Lula, em São Bernardo do Campo. O dono do imóvel, Glauco da Costamarques, afirma que assinou os comprovantes todos em uma mesma data, a pedido do amigo e advogado do ex-presidente, Roberto Teixeira, enquanto estava internado. A concessão do espaço seria mais um “agrado” da Odebrecht em troca de influência de Lula em contratos públicos. São, porém, casos paralelos ao tríplex.

No caso do tríplex, a defesa põe o processo como passível de anulação por uma violação da regra de correlação e sentença. Em suma, dizem que os recursos para o pagamento da vantagem indevida não foram valores desviados diretamente da Petrobras e que o “rastro do dinheiro” não chega a Lula. Para resolver a situação, dizem, o MPF deveria ter aditado a denúncia antes da sentença, o que não ocorreu. “Quem está atento ao processo penal e sua garantias está denunciando essa catástrofe desde o começo. É um atropelo de processo que não se restringe a Lula. O TRF-4 foi coerente em se manter no erro, que começou quando todo mundo começou a aplaudir tudo o que a Lava-Jato fazia”, afirma Gustavo Badaró, professor de Direito Penal da Universidade de São Paulo. “Se qualquer ato sem ato de ofício for caracterizado como corrupção, ninguém que recebeu doações em campanha escapará de denúncia. Só tem como mudar isso nos tribunais superiores”.

Por essa linha de pensamento, um mundaréu de decisões da Lava-Jato, acorrentadas umas nas outras, poderiam ser revistas — junto com os outros processos envolvendo o ex-presidente, como o sítio de Atibaia, o terreno para o Instituto Lula e outros sete casos em andamento. Não há pista de que postura o Supremo adotaria em um questionamento como esse, pois, nunca é demais lembrar, que não há condenados pela Suprema Corte na operação. A dúvida, porém, só se manterá se Lula não for diplomado presidente e seus processos não forem arquivados por ao menos quatro anos.

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