As mentiras podem ferir a democracia, diz autor de PL sobre fake news
"O problema não é a existência das fake news, o problema é a forma com a qual ela é disseminada", afirma Felipe Rigoni (PSB-ES) em entrevista à EXAME
Tamires Vitorio
Publicado em 15 de junho de 2020 às 10h22.
Última atualização em 20 de junho de 2020 às 22h16.
Tramita no Senado e na Câmara, ao mesmo tempo, um projeto de lei sobre fake news . De autoria dos deputados Tabata Amaral (PDT-SP) e Felipe Rigoni (PSB-ES), a legislação não pretende responsabilizar as redes sociais, como o Facebook e o Twitter, pela publicação de conteúdos falsos, e nem os indivíduos que os compartilharem, mas sim as grandes empresas financiadas por figuras públicas e políticos e que trabalhem com a criação e liberação desse tipo de conteúdo.
O tema está na ordem do dia, já que a disseminação e financiamento de desinformação é alvo de um inquérito no Supremo Tribunal Federal (STF) que atinge aliados de Jair Bolsonaro. No entanto, a redação do projeto do Rigoni foi alvo de críticas, inclusive de agências de checagem de conteúdo falso, por dar margem para restrições à liberdade de expressão.
O deputado Rigoni falou à EXAME sobre as polêmicas em torno da questão. "A fake news está para a liberdade de expressão e para a democracia assim como a corda está para o pescoço de um enforcado", disse ele. Confira a entrevista na íntegra.
No que consiste o PL das fake news?
Fizemos uma primeira proposta que era o PL 1429 de 2020 e fomos conversando com a sociedade civil e com vários especialistas, foram mais de 70 organizações consultadas e o texto está na terceira versão. Ele era o 1429, agora é o 3063 de 2020, justamente por conta dessa necessidade de dialogar com a sociedade, e é essa a versão atualizada que mais acreditamos.
O PL tem três grandes eixos: transparência, combate a robôs e contas falsas e um de facilitar e empoderar as investigações sobre as organizações criminosas que produzem e disseminam as fake news. Não colocamos, nem definimos o que é a desinformação, não tratamos de checagem de fatos, falamos de transparência e proteção de usuários.
O que dizem tais eixos?
Sobre transparência, as plataformas já fazem um monte de coisa com os conteúdos, como derrubá-los ou moderá-los por uma série de razões, mas eles não são transparentes quanto aos parâmetros que os levam a isso. Nosso objetivo é o de impor a transparência. Será preciso relatórios trimestrais justificando quais foram os conteúdos que foram derrubados, e isso nos ajuda a entender o fenômeno.
O segundo eixo toca no enfrentamento das fake news porque trata das ferramentas que são utilizadas para disseminar a desinformação de forma intensa, como robôs e contas falsas. No PL, vedamos as contas falsas, com exceção dos pseudônimos, e os robôs terão de ser identificados. Vedamos também apossibilidade de contas automatizadas não identificadas, algo que as próprias plataformas investigam, se já não tiverem derrubado esse robô.
O terceiro eixo é um eixo quase penal e que dá um empoderamento para o MP e para a PF investigarem com mais capacidade essas organizações que produzem e disseminam fake news. O problema não é uma fake news produzida por uma pessoa qualquer, mas sim a profissional, que é distribuída de uma maneira intensa, com financiamento. E isso exige investigação.
Em que pé está esse projeto no Congresso?
O projeto está no Senado e na Câmara. No Senado, parece que vai andar mais rápido, mas estamos esperando o relatório do Angelo Coronel (PSD-BA) para ver se teremos alguma alteração. Tudo isso será votado na semana e aí seguirá para a Câmara.
Quando se trata de lei no parlamento, a gente não tem como dar perspectiva, mas acho que será um processo relativamente rápido, até o fim de julho ou agosto.
Qual a importância de regular as redes sociais no Brasil?
A mentira, quando espalhada, tem o poder de ferir a democracia, de matar pessoas. Não é problema alguém publicar algo que é equivocado, o problema é você divulgar fake news feitas de forma profissional.
No momento em que estamos vivendo, esses conteúdos influenciam que as pessoas façam coisas que não deveriam. Um caso famoso, agora na pandemia do coronavírus, foi o das pessoas que tomaram desinfetante porque achavam que poderia protegê-las, quando era mentira.
Fake news também afetam a democracia. A democracia é baseada no debate, mas é preciso ter uma base mínima da realidade, não de mentira, não de uma percepção totalmente distorcida do mundo.
Alguns críticos afirmam que isso essa lei poderia ser uma forma de censura, mas há exemplos que têm funcionado em outros países, como a França e a Alemanha. O que o senhor acha disso?
A parte mais crítica, sobre checagem de fatos, tiramos do texto. Só mantivemos só traz transparência para a moderação das plataformas, combate aos robôs e contas falsas e sobre o poder de investigação para fake news profissional. Não existe mais essa discussão sobre liberdade de expressão.
A Alemanha está insatisfeita com a lei existente porque ela não foi tão eficaz, e a União Europeia está discutindo fazer mudanças parecidas com a que estamos fazendo.
Em outros países, como nos EUA, o Twitter e o Snapchat reduziram ou removeram conteúdos de Donald Trump do ar. A lei brasileira englobaria todas as redes sociais?
Sim. O disparo de notícias falsas entra em todas as redes. Dentro da lei, temos o lado investigativo, para a Polícia Federal encontrar e enquadrar as pessoas de forma mais rápida. E o outro lado é a rede social, que terá de agir com transparência.
Qual será a punição para pessoas e empresas que espalharem fake news?
A rede social não é responsabilizada pelo conteúdo em momento nenhum, nem pode porque o Marco Civil prevê isso, a não ser que a Justiça mande. As punições, que são duras, estão reservadas para as organizações que financiam essas práticas: elas serão tratadas como "organizações criminosas" e o seu financiamento será enquadrado na lei de lavagem de dinheiro.
Quais as consequências das fake news?
A mentira estrangula a liberdade de expressão. Quanto mais fake news existirem em uma sociedade, menos liberdade de expressão as pessoas têm. As mentiras calam as pessoas. E quando são disseminadas da forma que são no mundo e no Brasil, você cala as vozes de pessoas importantes.
A chuva de mentiras é tão grande que uma pessoa falando a verdade passa a falar sozinha. A fake news está para a liberdade de expressão e para a democracia assim como a corda está para o pescoço de uma pessoa prestes a ser enforcada. Mais mentiras, menos democracia.