Arcabouço é o 1º passo, mas Brasil precisa repensar suas prioridades, diz Armínio Fraga
Ex-presidente do BC considera arcabouço fiscal e reforma tributária como avanços, mas diz que Brasil tem grande dificuldade em não repetir erros do passado
Repórter de macroeconomia
Publicado em 30 de agosto de 2023 às 06h05.
Última atualização em 30 de agosto de 2023 às 18h22.
A aprovação do arcabouço fiscal e a tramitação da reforma tributária são bons sinais para a economia brasileira, mas o governo ainda precisa lidar com as consequências de atos do passado recente, avalia Armínio Fraga, ex-presidente do Banco Central. Ele critica os excessos de gastos no ano final da gestão do presidente Jair Bolsonaro, quando ele buscava a reeleição, e a PEC da Transição, que liberou verbas para o começo do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Na terça, 29, o governo Lula confirmou que enviará proposta de Orçamento para 2024 com resultado primário zero, ou seja, a perspectiva de não aumentar a dívida, mas sem fazer superávit para ajudar a baixá-la."É difícil apontar responsáveis pela situação atual. Isso foi produto de erros do governo passado, que chutou o pau da barraca no final, e do governo atual, que chutou ainda mais na transição", diz Fraga, em entrevista à EXAME.
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"Por que o Brasil insiste em ideias que deram errado, como um excessivo dirigismo [do governo], um certo fetiche por ideias como o uso político de estatais? Não quero dizer que eu privatizaria o Banco do Brasil ou a Petrobras, jamais venderia uma dessas para uma empresa chinesa. Mas são ideias que ficam no ar", disse.
Fraga chefiou o BC de 1999 a 2002, no governo do presidente Fernando Henrique Cardoso. Na conversa, ele também comentou sobre os avanços e crises da economia brasileira nos últimos 50 anos. Em setembro, a EXAME publica sua 50ª edição do especial Melhores e Maiores.
Como avalia a decisão do governo de manter oOrçamento de 2024 com déficit primário zero?
Está havendo uma certa confusão. O déficit público não será zerado. O Brasil vai seguir com déficit público a perder de vista, mas melhor ter um primário zerado do que um déficit e um orçamento que lance mão de receitas não recorrentes. É melhor do que o que tínhamos até recentemente. É difícil apontar responsáveis pela situação atual. Isso foi produto de erros do governo passado, que chutou o pau da barraca no final, e do governo atual, que chutou ainda mais na transição.
Como vê as perspectivas para o Brasil nos próximos anos? O arcabouço fiscal e a reforma tributária podem fazer o país retomar o crescimento?
A reforma tributária é uma ideia que falamos há décadas. Vejo a possibilidade de aprovação, que é alta, com muitos bons olhos. Do ponto de vista mais macro, o arcabouço representa uma guinada importante ao que parecia ser uma atitude pouco comprometida do governo com a responsabilidade fiscal, que não é um objetivo em si. O Brasil sofre de um problema crônico e o ajuste necessário vai além da geração de superávit primário. O Brasil precisa repensar suas prioridades. É um desafio maior do que a questão fiscal pura e simples. O arcabouço é um primeiro passo. Não é suficiente, mas é positivo.
Analisando esse quadro com um pouco mais de cuidado, ainda se vê sinais de uma certa obsessão com algumas coisas que deram errado no passado, e isso é fonte de muita incerteza. Quando se fala em fazer uma revisão da reforma da previdência, que é um buraco fiscal enorme, não na direção de corrigir essa situação que é insustentável, mas na direção oposta, é uma loucura. Uma nostalgia do modelo [do presidente Ernesto] Geisel é loucura. Ajuste fiscal pelo lado da receita? Cabe reflexão. São itens que a gente tem que levar com cuidado. Quando se ataca a independência do Banco Central, quando se volta com uma política de preços da Petrobras que foge aos limites do mercado, que parece equivocada. O governo quase quebrou a Petrobras no passado, quando ameaça a governança das estatais, são sinais qualitativos de que muitas lições não foram aprendidas. Há setores que sinalizam uma certa dificuldade em aprender com erros do passado.
Como analisa a trajetória da economia brasileira nos últimos 50 anos?
Em 1973, houve um pico da taxa de crescimento, mas não muito tempo depois a economia começou a perder dinamismo, o motor começou a falhar. Veio um período muito difícil, houve de fato um colapso nos anos 1980, o Brasil entrou em moratória. Houve avanços em várias frentes, mas o Brasil cresceu menos do que os Estados Unidos, que deveriam crescer mais devagar, porque a economia dos EUA já está mais perto da fronteira da produtividade.
A despeito de bons momentos, como o Plano Real, mudanças de prioridades do Estado, que passou a focar mais em saúde e educação e nas desigualdades, o Brasil cresceu pouco. O que faltou? Por que não aprendemos? Por que o Brasil insiste em ideias que deram errado, como um excessivo dirigismo [do governo], um certo fetiche por ideias como o uso político de estatais?
Não quero dizer que eu privatizaria o Banco do Brasil ou a Petrobras, jamais venderia uma dessas [estatais] para uma empresa chinesa. Mas são ideias que ficam no ar. Eu me formei em 1979, no fim do período de crescimento acelerado, tive duas vezes a chance de estar no governo. Foram momentos de grandes desafios e de satisfação, tentando fazer alguma coisa pelo país, mas, ao mesmo tempo, sinto uma certa frustração de que não conseguimos fazer mais.
Outro tema é que, embora o mundo todo veja uma redução na fatia da indústria no PIB, a queda dela no Brasil foi muito extraordinária. Essa indústria, como a automobilística, foi protegida, subsidiada, mas teve como consequência o oposto do que se queria. Ela está afastada das cadeias mais produtivas. E a indústria teve subsídios, mas é a área que mais paga imposto. É um modelo esquizofrênico.
Como vê a posição do Brasil no exterior hoje?
O fato de o Brasil ser um grande exportador de commodities é positivo. O agro é sofisticado, agrega valor de muitas formas. É difícil dizer o que é agro e o que é indústria. A percepção econômica do Brasil é essa. Mas, quando alguém fala do Brasil lá fora, com frequência vem à mente Amazônia, desmatamento, baixo crescimento. Colocando isso de forma mais positiva, o Brasil tem muito espaço para melhorar. E a percepção da América Latina não é boa. A região é cheia de problemas, com desempenho medíocre. O Chile foi o principal sucesso da região por muito tempo, mas todos os países grandes apanharam bastante.