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Aragão, da Arko: julgamento é problema de Lula, não da democracia

Cientista político explica as nuances da decisão dos desembargadores do TRF-4 para cada um dos três resultados possíveis

LUCAS DE ARAGÃO:  “Lula mantém um pedaço do seu patrimônio político, mas está longe de ser o mesmo que saiu da Presidência em 2010” / Lucas de Aragão/Divulgação

LUCAS DE ARAGÃO: “Lula mantém um pedaço do seu patrimônio político, mas está longe de ser o mesmo que saiu da Presidência em 2010” / Lucas de Aragão/Divulgação

Raphael Martins

Raphael Martins

Publicado em 23 de janeiro de 2018 às 18h00.

Última atualização em 23 de janeiro de 2018 às 18h13.

Os prognósticos de consultorias políticas e econômicas para o principal evento político do ano são pouco animadores para o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. De um lado e de outro, os agentes acreditam que o ex-presidente Lula terá sua condenação a nove anos e meio de prisão confirmada nesta quarta-feira pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região.

O petista, caso condenado em segunda instância, pode perder os direitos de se candidatar à Presidência da República. Por isso, cada um dos três resultados possíveis tem contornos diferentes para a estratégia política do PT e seus adversários. Em entrevista a EXAME, Lucas de Aragão, cientista político e sócio da consultoria Arko Advice, explica quais são as nuances da decisão dos desembargadores a ser anunciada amanhã. “Uma condenação por 3 a 0 enfraquece muito o discurso de perseguição política”, diz.

Há, porém, o outro lado. “Se ele for absolvido, cria uma história muito poderosa, que pode cativar também o centro, que está órfão de um nome”, afirma Aragão. “Não existe um craque, camisa 10, na centro-direita, que empolgue. Lula se torna uma opção muito sedutora pelo poder que representa”.

Veja abaixo os melhores trechos da entrevista.

Lula está em primeiro nas pesquisas e com rejeição em queda. A narrativa de perseguição jurídica pegou?

Os mandatos do Lula tiveram temperaturas econômicas e sociais muito favoráveis à população, principalmente a de baixa renda. De certa forma, existem boas lembranças dessa época. Isso, muitas vezes, acaba sendo um fator mais importante que a própria questão ética e jurídica do candidato. Se olharmos para o passado recente, existem inúmeros exemplos de políticos que foram perdoados nas urnas apesar de suas condenações nos tribunais. Fernando Collor de Mello hoje é um senador da República. Em Brasília, uma cidade com altíssima concentração de renda, grande poder de consumo e de informação, tivemos o José Roberto Arruda sendo pego em vídeo entregando dinheiro. Ele sofreu o impeachment, chegou a ser preso, mas estava prestes a ser eleito novamente quando foi enquadrado na Lei da Ficha Limpa. O brasileiro se acostumou com a dobradinha política/corrupção, de forma que, às vezes, pensa apenas no ambiente econômico individual em vez do que um político vai trazer para o país. É um voto muito pessoal. Lula tem essa carta na manga. Outro ponto: Lula também se beneficia dos exageros dos outros. Há pouquíssimo tempo tivemos apartamento com 51 milhões de reais em dinheiro vivo, políticos como Sérgio Cabral que estão envolvidos em situações de corrupção extremamente extravagantes, um assessor da Presidência correndo com mala de dinheiro e áudios vazados tratando de propina de forma aberta. Tivemos casos muito peculiares, muito visuais, nos últimos anos. Então, todo esse conjunto ainda dá ao Lula um estofo de votos. Não é porque a população acredita que há uma perseguição. Há pesquisas que mostram que a maioria acredita que Lula cometeu crimes, que é corrupto, não é honesto, mas o Brasil é tolerante com isso.

É possível dissociar Lula da gestão de Dilma Rousseff, quando a crise se instalou?

Não dá. Lula mantém um pedaço do seu patrimônio político, mas está longe de ser o mesmo, que saiu da Presidência em 2010. Lula perdeu a capacidade de atrair o voto “não-petista”, o voto da classe média urbana. São múltiplos escândalos de corrupção, uma abundância de fatos que comprovam uma atuação como líder extremamente opaca e pouco transparente e pela situação econômica em que Dilma Rousseff deixou no país. Não existe uma verdade absoluta sobre Lula. Um pedaço da população vê nele uma solução para o país, por conta do que ele fez do ponto de vista econômico e social enquanto presidente, mas boa parte da população vê no Lula alguém desonesto, que cometeu atos de corrupção, que merece ser condenado.

Qual a consequência dessa indefinição a respeito da candidatura de Lula no processo eleitoral?

Eu vejo problemas para o Lula, não para a democracia no país. Não vejo problema algum em um líder de pesquisa ser proibido de concorrer. A lei é muito clara: a ficha suja vale para todos. Não dá margem a um candidato popular que cometa crimes e possa concorrer. Tem quem diga que é uma afronta à vontade do povo, tirar um líder de pesquisa da eleição, mas acho que não. É uma afronta ao Estado Democrático de Direito permitir que um ficha suja concorra. As leis garantem o que pode e o que não pode ser feito. A população escolhe dentro desse conjunto de regras. A condenação traz a ele um constrangimento político enorme. Ficará reduzido à narrativa de perseguição, batendo na mesma tecla de que não há provas e que o julgamento foi político, discurso que só funciona para a base política dele. Não é uma narrativa suficiente para que o povo o defenda nas ruas. Há quanto tempo não vemos Lula e o PT dizendo nas redes sociais e na grande imprensa que iriam paralisar o país, caso algo aconteça?

Depois de todo o desgaste à agenda do PT e do mau desempenho nas eleições de 2016, a centro-esquerda tem força para voltar ao poder? Em que circunstância?

Uma condenação por 3 a 0 enfraquece muito o discurso de perseguição política. Dois dos três desembargadores do TRF foram indicados por governos petistas. É recomendável que o PT busque outras alternativas, pois será difícil que a esquerda embarque no conto da perseguição, afinal a política é muito mais pragmática do que isso e não vão defender a história de Lula a todo custo. O mundo político quer manter poder, manter base, manter voto, deputado eleito, cadeiras. Isso é mais importante para a esquerda do que entrar no devaneio coletivo de que tudo é uma perseguição política. O PT vai ficar dividido entre insistir no nome de Lula e tentar outra alternativa. Os caciques vão bater na tecla de perseguição, mas cederão. Com o Lula, vão até os 40 minutos do segundo tempo, mas têm que pensar na própria chance de candidatura. Nessa confusão, o PT vai sofrer fortes desgaste na eleição, com redução de número de eleitos, como aconteceu nas eleições de 2016. Foi o partido que mais perdeu prefeitos. Deve perder um número expressivo de senadores, principalmente. Entre os partidos grandes é o que mais tem cadeiras em disputa no Senado Federal e o Congresso Nacional, historicamente, tem uma taxa de renovação muito alta, às vezes perto de 50%. O PT sofre com isso e por ter um líder tão centralizado, diferente de outros partidos. Quando se pensa em PMDB, não se pensa necessariamente em Michel Temer. Para o PSDB, não se pensa no Aécio Neves ou Geraldo Alckmin. Foram anos de caciques diferentes. Nos últimos 15 anos, o PT é Lula e Lula é o PT. O enfraquecimento em um 3 a 0 é um enfraquecimento direto do PT nas urnas. Se for por 2 a 1, tem mais espaço para dizer que foi uma condenação política. Será possível constranger um pouco os aliados a apoiar outros nomes, o que ajuda a reverter o impacto negativo nas eleições. Agora, se for absolvido, Lula vira um fortíssimo candidato, com grandes chances de segundo turno. Junta a temperatura econômica que as pessoas têm na memória com a perseguição política agora embasada, já que ele é inocente. Isso também reduz a chance de alavancar os outros candidatos de esquerda, como Ciro Gomes, e centraliza de volta as atenções no PT.

Como saem os partidos de esquerda, caso não seja possível a candidatura de Lula? É possível outro nome agregar as legendas?

A esquerda não estava preparada para a corrosão do Lula. Com uma eventual condenação e inelegibilidade de oito anos, a esquerda deve desenhar outro plano. Seja de maneira pró-ativa, achando outro líder, ou de maneira mais reativa, tentando bater na direita em forma uma oposição muito forte, como ocorreu em outros anos. No primeiro turno, acho impossível o PT não ter uma candidatura própria, até pela boa estrutura que tem. Apesar de ter perdido 60% das prefeituras em 2016, ainda tem boa capilaridade, uma bancada forte na Câmara e no Senado, o que dá acesso ao fundo partidário e bom tempo de televisão. Não vejo motivos para o partido entregar essa estrutura para uma candidatura de esquerda logo no primeiro turno.

Lula se sairia melhor em que situação?

Não vejo a candidatura do Lula engrenar caso ele seja condenado mas chegue ao pleito por meio dos recursos na Justiça. A Lei da Ficha Limpa é muito clara, até uma criança pode entender. Se ele for absolvido, cria uma história muito poderosa. Depois de meses de batalha na Justiça, em que teve que aumentar o tom para engajar os aliados, vê a chance de suavizar o discurso e criar novamente uma narrativa que não assuste o mercado e nosso empresariado. Isso já começou, como vemos declarações dele e de aliados dizendo que voltou o “Lulinha Paz e Amor”. São estratégias que buscam conquistar o centrão, que ainda não foi seduzido por um projeto governista, e para convencer o eleitor que ainda representa um projeto político vitorioso. Como esse cenário é pouco provável, o futuro de Lula deve ser de bater na tecla de perseguição política, que não vai ter efeito prático, mas manterá um pedaço da esquerda mobilizado. Sem ele, abrem-se as portas para que a esquerda tente encontrar um novo líder e para a centro-direita se organizar com mais calma para 2018. Obviamente, uma condenação daria tranquilidade ao governo e ao grupo governista, que deve perder o medo de uma eventual batalha eleitoral com Lula, alguém que é sempre forte.

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