STF: decisão foi tomada pela maioria da Corte (Carlos Moura/SCO/STF/Divulgação)
São Paulo - O Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu a favor do compartilhamento irrestrito de informações de órgãos de controle financeiro como a Unidade de Inteligência Financeira (UIF), antigo Coaf, e a Receita Federal para instruir investigações criminais do Ministério Público e das polícias civil e federal.
O julgamento da matéria no STF foi retomado no início da tarde desta quinta-feira (28) com o voto da ministra Cármen Lúcia, que compôs maioria. Até a noite de ontem, o placar se mantinha em 5 votos a 1 em favor da tese. Os ministros Alexandre de Moraes, Luís Roberto Barroso, Edson Fachin, Rosa Weber, Luiz Fux, Carmen Lúcia e Ricardo Lewandowski votaram a favor da tese majoritária. Dias Toffoli, presidente da Corte, Gilmar Mendes, concordaram, mas com diferentes teses restritivas.
Os ministros Celso de Mello e Marco Aurélio Mello se declararam contra o compartilhamento dos dados.
Na semana passada, o presidente da Corte, ministro Dias Toffoli, relator do caso, votou a favor da liberação das informações sigilosas dos órgãos de controle financeiro. Estabeleceu, porém, restrições.
Ao contrário dos ministros que votaram pelo compartilhamento irrestrito de dados, Toffoli declarou em seu voto que o Ministério Público e a Polícia só podem requisitar informações caso exista uma investigação contra os suspeitos em andamento. Por outro lado, não é preciso prévia autorização judicial se a UIF e a Receita Federal quiserem fazer "comunicações espontâneas" sobre movimentações suspeitas.
Em relação a Receita Federal, o presidente da Corte estabeleceu que dados protegidos pelo sigilo bancário e fiscal não podem ser compartilhados, como por exemplo declarações de importo de renda e extratos bancários. Disse ainda quo o MP deve comunicar a Justiça todas as vezes que receber informações da Receita.
Gilmar Mendes, começou seu voto discordando da posição de Toffoli, ao se colocar favorável ao compartilhamento de dados detalhados como cópias de declarações de imposto de renda e extratos bancários com o MP, para embasar investigações. "Ressalto no entanto que tais documentos só poderão ser objeto de compartilhamento na medida em que forem estritamente necessários para compor indícios de materialidade nas infrações apuradas", ponderou.
Sobre o compartilhamento de dados da UIF com o MP, Gilmar concordou com o presidente da Corte, e indicou que somente poderão ser compartilhadas informações de suspeitos que já estiverem sob mira de investigações em andamento.
A ministra Carmen Lúcia começou a sessão proferindo um voto favorável à matéria. "É dever do agente público, ao deparar com indícios de pratica criminosa, comunicar ao Ministério Público", afirmou. Na leitura de seu voto, ela se deteve ao dever constitucional dos órgãos de fiscalização financeira de comunicar administrativamente indícios de crimes tributários.
A magistrada destacou também que é obrigatório também o repasse de informações do Coaf ao MP, embora ela tenha ressalvado que essa questão não constava inicialmente no recurso que chegou ao STF. "Não cogito, pois, de ilegalidade ao encaminhar todas as informações que tenham sido obtidas legalmente", disse.
Ricardo Lewandowski, segundo ministro a votar, também se declarou à favor do compartilhamento irrestrito de dados. O ministro, citando o caso debatido no tribunal, disse que em momento algum "houve prova obtida ilegalmente", sem se referir aos dados do Coaf.
Gilmar Mendes foi o último a votar antes da pausa regimental. O ministro também foi favor do repasse de informações sigilosas. Ele dispensou o uso de prévia autorização judicial para relatórios de inteligência financeira, mas disse que estes relatórios não poderão ser encomendados pelo MP, seguindo uma das restrições do presidente da casa.
"O MP e a autoridade policial não podem requisitar ao Coaf detalhamento de contas bancárias que não tiverem sido informados previamente pelos bancos”, declarou.
Na volta da sessão votou o ministro Marco Aurélio Mello. O ministro foi o primeiro a votar contra o compartilhamento dos dados sem autorização judicial. O ministro considerou contraditório o Ministério Público não poder quebrar sigilo, enquanto a Receita tem autorização para acessar os dados.
"Surge uma ironia. A Receita, parte na relação tributária, pode quebrar o sigilo de dados bancários, mas o Ministério Público não pode. Daí o surgimento desse vocábulo que passou a ser polivalente, que é o vocábulo 'compartilhamento'", disse.
O ministro Celso de Mello também se declarou contrário. Para ele, a própria Constituição determina que a administração tributária deve respeitar os direitos dos contribuintes e que não são absolutos os poderes dos agentes estatais.
"A quebra do sigilo bancário conduz a consequências nefastas, e a efetividade da ordem jurídica não pode ficar comprometida com a devassa da vida privada das pessoas", disse .
O julgamento pode ter impacto na investigação suspensa em julho por Toffoli referente ao senador Flávio Bolsonaro (RJ), filho do presidente Jair Bolsonaro, e em outros 900 casos, conforme levantamento divulgado pela Procuradoria-Geral da República na semana passada.
Hoje, a praxe é que órgãos de controle enviem ao MPF relatórios sobre movimentações atípicas, que podem indicar atividade ilícita e são usadas para investigar casos de corrupção, lavagem de dinheiro, tráfico de drogas e movimentações financeiras de organizações criminosas.
No caso concreto, os ministros julgam o recurso do MPF contra a anulação, pela segunda instância da Justiça, de uma condenação por sonegação fiscal do dono de um posto de gasolina em São Paulo. A investigação teve início em um relatório do Fisco repassado diretamente aos procuradores.