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Anvisa autoriza a distribuição da Sputnik V e Covaxin, mas faz ressalvas

Estados poderão importar e distribuir imunizantes com base na aprovação de agências regulatórias internacionais. Nem Sputnik, nem Covaxin atendem aos critérios da Anvisa para aprovação de uso

(Reuters/Agência Brasil)
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Da Redação

Publicado em 4 de junho de 2021 às 21h19.

Última atualização em 4 de junho de 2021 às 21h50.

Em reunião extraordinária nesta sexta-feira, 4, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária ( Anvisa ) decidiu aprovar a importação e distribuição das vacinas Sputnik V e Covaxin contra a covid-19. Ambos os imunizantes poderão ser aplicados na população dos estados que pediram por isso junto ao órgão, porém nenhum desses imunizantes conta com a aprovação de uso por parte da Anvisa (mesmo em caráter emergencial).

Isso quer dizer que: as vacinas serão aplicadas com base na aprovação delas em agências estrangeiras -- e, consequentemente, sob a avaliação estrangeira de critérios como eficácia, vigilância sanitária,  processos de fabricação, entre outros -- mas os imunizantes não atendem completamente às especificações da agência brasileira desses mesmos critérios de forma completa. Por isso, haverá uma série de processos a serem seguidos por parte da União (no caso da Covaxin) e dos Estados (no caso da Sputnik V) para prestar contas acerca da aplicação dessas doses nos brasileiros.

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Depois de mais de sete horas de reunião, a votação iniciou pela vacina Covaxin, que foi aprovada por maioria. Dos cinco diretores, diretor Rômison Rodrigues, a diretora Meiruse Freitas e o presidente da Anvisa, Antonio Barra Torres, votaram a favor da aprovação, considerando as condicionantes apresentadas pela área técnica, e a diretora Cristiane Rose Jourdan Gomes votou contra a aprovação da solicitação apresentada pelo Ministério de Saúde, de importação de 20 milhões de doses do imunizante. "A agência poderá a qualquer momento suspender os termos da importação, além de outras medidas que entender cabíveis, em caso do descumprimento de regras sanitárias", disse Torres.

A importação em caráter excepcional da Sputnik V também foi aprovada por maioria, seguindo a mesma formação de votos aplicada na Covaxin, reforçando a responsabilidade dos estados nessa distribuição e aplicação das doses. Novamente, a única exceção foi a diretora Cristiane Rose Jourdan Gomes, que votou contra. "Ainda existem incertezas quanto aos critérios de qualidade, eficácia e segurança", afirmou.

De acordo com a Reuters, o número de doses a ser importada será limitado ao equivalente de 1% da população de cada Estado que apresentou o pedido de importação, no caso da Sputnik V, e 1% da população do país, no caso da Covaxin. Esse número limitado de doses será usado como estudo clínico e os governos terão que fazer um acompanhamento de eficácia, segurança, e eventuais eventos adversos do imunizante. Os dados desse acompanhamento poderá ser usado pela Anvisa para avaliar uma ampliação da importação das duas vacinas.

Em março, a agência havia rejeitado a solicitação feita pelo Ministério da Saúde para autorizar a importação e distribuição da vacina indiana Covaxin. Na decisão, a direção da Anvisa afirmou que os dados apresentados não cumpriram os requisitos de lei para atestar a qualidade e eficácia da vacina indiana. O Ministério da Saúde tem contrato para compra do imunizante, produzido pela Bharat Biotech, da Índia.

Já o imunizante russo Sputnik V teve a importação negada em abril pela Anvisa por falta de dados básicos para análise do produto e em falhas identificadas pela área técnica da agência que podem comprometer eficácia, segurança e qualidade do imunizante.

Na primeira parte da reunião, o gerente-geral de Medicamentos e Produtos Biológicos da Anvisa, Gustavo Mendes Lima Santos, afirmou que ainda há "incertezas técnicas" com relação à vacina russa Sputnik V, e recomendou uma série de condicionantes caso a importação do imunizante seja aprovada pela diretoria do órgão."Essa vacina não possui avaliação da ANVISA quando ao critérios de avaliação de qualidade e eficácia", disse.

Ainda assim, o gerente-geral de Medicamentos e Produtos Biológicos do órgão, Gustavo Mendes, afirmou que a vacina pode ser administrada no Brasil, sob algumas condições:

As orientações do especialista foram similares para a vacina Covaxin, fabricada pelo laboratório Bharat Biotech.

Parecer do gerente-geral de Medicamentos e Produtos Biológicos do órgão, Gustavo Mendes. (YouTube/Reprodução)

Na sequência, Ana Carolina Moreira, gerente geral de Monitoramento e Fiscalização Sanitária da Anvisa recomendou a aprovação da vacina fabricada pelo laboratório Bharat Biotech. Em sua fala, a especialista afirmou que a empresa promoveu esforços para consertar o que não estava de acordo com as normas da agência reguladora e chegou a um ponto em que conseguiu comprovar as boas práticas de fabricação.

A terceira a emitir seu parecer foi Suzie Marie Gomes, gerente-geral de Monitoramento de Produtos sujeitos à Vigilância Sanitária. A especialista também defendeu a aprovação com restrições. "Os estados que optarem pela distribuição da vacina Sputnik V devem informar aos pacientes que a vacina não possui registro e nem autorização temporária para uso emergencial concedido pela Anvisa e que o referido produto possui apenas aprovação em agência sanitária estrangeira regulatória", afirmou.

Em relação à Covaxin, a especialista reconheceu os mesmos pontos mencionados por Ana Carolina Moreira com relação à fabricação da vacina e também defendeu a aprovação do imunizante com condicionantes -- ou seja, distribuição e uso em condições controlados pelo Ministério da Saúde. Entre eles, estão: uso mediante resultado satisfatório emitido por laboratório oficial, restringir o uso a centros de saúde específicos e encaminhar à Anvisa o mapa de distribuição de cada lote.

O gerente da área também apontou como condicionante que as vacinas enviadas ao Brasil sejam proveniente das plantas produtivas russas inspecionadas pela Anvisa, entre outros pontos.

Ao todo, os governadores que pediram a aprovação da importação à Anvisa têm pré-contratos para aquisição de 65 milhões de doses da Sputnik, enquanto o governo federal planeja comprar outras 10 milhões de doses.

Voto dos diretores

O primeiro diretor a votar foi o relator Alex Machado Campos, que deu aval aos pedidos de importação da Sputnik V e Covaxin, desde que esteja nos termos condicionantes apresentados pela área técnica.O voto do relator foi pela aprovação da importação de um quantitativo reduzido para que possa ser monitorada a qualidade e eficácia dos imunizantes.

Entre as condicionantes para as duas vacinas, expressas no voto do relator, há a recomendação para uso tanto da Sputnik V quanto Covaxin em adultos de 18 a 60 anos. No caso da Covaxin, há ainda a ressalva para que ela seja administrada apenas em adultos saudáveis. Além disso, há uma lista de outras condicionantes, como condução de estudo de efetividade; bulas em português inclusive com as restrições adotadas no voto; que os lotes importados sejam aprovados por laboratórios certificados; que a importação seja precedida de termo de compromisso a ser celebrado com a Anvisa; implantação de programa de monitoramento de eventos adversos; entre outros.

Em relação à Sputnik V, o diretor ressaltou também pontos relacionados à incerteza do imunizante, apresentados em relatório pelo fabricante -- como as incertezas no relatório que mostra a capacidade de o vírus contido na vacina se replicar no corpo humano. Destacou, ainda, que o próprio Fórum de Governadores entregou à Anvisa um conjunto de propostas de condicionantes que podem ser admitidas no caso da Sputnik V.

Já em relação à Covaxin, foi ressaltado que a maior parte dos aspectos críticos apontados inicialmente foi superada -- com o esfoço do laboratório e várias reuniões junto à Anvisa -- e afirmou que o voto está relacionado à mitigação da pandemia no Brasil, com a redução de casos e do esgotamento de profissionais da Saúde. Ainda assim, o imunizante deve ser aplicado somente em adultos saudáveis.

Para embasar sua decisão de aprovação, ele citou a Lei 14.124, que dispõe sobre a autorização de importação de vacinas."Ampliar a imunização é a maneira mais eficiente (de enfrentamento da pandemia). O momento é de crise sanitária sem precedentes", afirmou. "Sabemos que ainda existem lacunas de informações sobre as vacinas. Mas precisamos enxergar o dramático quadro sanitário que estamos vivendo", completou.

Os argumentos foram defendidos pelos demais diretores da Anvisa, que, em maior ou menor grau, reforçaram a necessidade de segurança dos imunizantes e de prestação de contas por parte dos estados que pediram pela Sputnik V(Bahia, Maranhão, Sergipe, Ceará, Pernambuco e Piauí)e do Ministério da Saúde, no caso da Covaxin.

A exceção foi a diretora Cristiane Rose Jourdan Gomes, que votou contra a importação e distribuição tanto da Sputnik V quanto da Covaxin, por acreditar que as informações disponibilizadas até o momento superam o benefício oferecido pelo risco de tomar a vacina. Em ambos os casos, ela destacou a ausência de dados que permitam à Anvisa concluir que os imunizante têm qualidade e segurança suficientes para serem aplicados nos brasileiros.

"Continuo aceditando que a carência de informações sera superada pelo laboratório russo, de modo que seja viabilizada a importação da vacina a partir da aprovação da anvisa [...] Não ha a aprovação de vacinas sem segurança e sem eficácia. Os efeitos do vírus não são mais danosos do que a aprovação de uma vacina sem a análise correta", disse.

Por fim, Antonio Barra Torres, presidente da Anvisa, começou sua fala esclarecendo o que são autorização de uso emergencial, autorização definitiva e aval para importação -- reforçando, neste último tópico, que a importação em caráter excepcional está condicionada a situações em que "os benefícios podem superar os riscos". E, nesses casos, cabe ao importador (Ministério da Saúde e estados, respectivamente) deixar público que não foram feitas todas as análises necessárias acerca daquele produto.

Citou, ainda, os números de óbitos causados pela covid-19 no país, a possibilidade de uma terceira onda e de surgimento de variantes, que levam a um cenário de incertezas, principalmente em relação ao número de doses disponíveis no país. Ainda assim, frisou que é necessário constatar que as vacinas não têm uma relação risco-benefício satisfatória, segundo a Anvisa.

Histórico da Sputnik V

A pressão sobre a Anvisa para uma autorização para importação excepcional da Sputnik se apoiou na lei 14.124/2021. A norma prevê que Estados e municípios podem importar e utilizar vacinas em caráter excepcional contanto que o imunizante tenha recebido aprovação dos órgãos regulatórios de um dos seguintes países/regiões: EUA, União Europeia, Japão, China, Reino Unido, Rússia, Índia, Coreia, Canadá, Austrália e Argentina. Pela norma, a Anvisa tem 30 dias para se posicionar sobre a importação. Caso não o faça, a autorização é automática.

A partir de um pedido do governo do Maranhão para importação de doses, o ministro Ricardo Lewandowski, do STF, confirmou esse prazo de 30 dias, que venceria no final de abril. A Anvisa chegou a entrar com recurso dia 20 de abril, pedindo a suspensão do prazo sob a alegação de que faltam dados que atestem a segurança e eficácia do imunizante, mas Lewandovski negou o pedido.

Na avaliação do ministro, não cabia prorrogação, uma vez que a lei em questão foi desenhada justamente para acelerar os procedimentos de aprovação das vacinas no contexto da "gravíssima" pandemia.

A pressão sobre a Anvisa pela aprovação do imunizante foi intensa também por parte do Congresso. Em fevereiro, o líder do governo na Câmara, Ricardo Barros (PP-PR), afirmou ao jornal O Estado de S. Paulo que iria “enquadrar” a Anvisa, numa declaração que foi entendida por integrantes da agência como pressão política no órgão técnico.

No mesmo dia, o Congresso chegou a aprovar projeto de lei para que a agência autorizasse, em cinco dias, o uso emergencial de vacinas já aprovadas em outros países, como Rússia e Argentina. O trecho que estabelecia o prazo foi vetado pelo presidente da República, Jair Bolsonaro.

O lobby no Congresso teve como um dos líderes o ex-deputado federal Rogério Rosso, ex-líder do Centrão na Câmara que se tornou em 2019 diretor de negócios da farmacêutica União Química parceira do governo russo na produção do imunizante no Brasil.

Apesar da pressão, a Sputnik vem despertando desconfiança e insegurança em outras agências regulatórias. Na segunda-feira, a chanceler da Alemanha, Angela Merkel, declarou que a Agência Europeia de Medicamentos (EMA) ainda não recebeu dados suficientes dos estudos da vacina que permitam uma aprovação do produto no continente.

Histórico da Covaxin

O governo federal comprou 20 milhões de doses da Covaxin, por cerca de US$ 14 cada unidade. No total, o negócio é de R$ 1,6 bilhão, mas o pagamento só será feito caso a Anvisa libere o uso do produto, segundo a Saúde. Trata-se de valor superior ao de cada dose da vacina de Oxford/AstraZeneca, fabricada na Índia (US$ 5,25 por unidade), e os US$ 10 pagos pela Coronavac.

A expectativa do ministério era de que 8 milhões de unidades desembarcassem no País ainda em março. No mês seguinte, o mesmo volume.

Em maio, outras 4 milhões de doses. Na época, a Anvisa afirmou que os lotes já feitos desta vacina poderiam estar comprometidos pois “não teriam a garantia de reprodutibilidade com os lotes clínicos e da segurança do produto”.

Em fevereiro, o deputado Ricardo Barros também apresentou emenda à Medida Provisória 1.026/2021 para que a Anvisa liberasse imunizantes aprovados na Índia, ação que facilitava a entrada da Covaxin.

DOSES DA SPUTNIK NEGOCIADAS NO PAÍS

Ministério da Saúde - 10 milhões

Consórcio Nordeste - 37 milhões

Consórcio Brasil Central (GO, MS, MT, DF, TO, MA E RO) - 28 milhões

Niterói (RJ) - 800 mil

Maricá (RJ) - 500 mil

TOTAL: 76,3 milhões

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(Com informações do Estado de S. Paulo e Reuters)

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