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Análise: maioria dos que falaram sobre Lula no Twitter não são da esquerda partidária

O analista Pedro Barciela, que mede debates políticos em redes sociais, aponta que um grande contingente de usuários se engajou na discussão sobre Lula nesta segunda-feira. Já o bolsonarismo ficou menor

Gráfico de conexões no Twitter após a anulação das acusações contra Lula: além das duas polarizações (esquerda, lilás, e direita bolsonarista, laranja), um grande grupo de novos entrantes participou do debate (Pedro Barciela/Reprodução)
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Carolina Riveira

Publicado em 9 de março de 2021 às 12h52.

Última atualização em 9 de março de 2021 às 20h54.

As redes sociais foram palco de um verdadeiro frenesi nesta segunda-feira, 8. A notícia de que o ministro do Supremo Tribunal Federal, Edson Fachin, anulou as condenações referentes ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva rapidamente se tornou o principal assunto do dia na internet e engajou uma série de usuários — à esquerda, à direita, liberais, progressistas e muitos sem posicionamento definido.

O analista Pedro Barciela, que mede os debates em redes sociais nos últimos cinco anos, avalia que a movimentação na tarde de ontem foi "fora do normal" e dominada por grupos que geralmente não falam diretamente sobre política.

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Das milhões de postagens sobre o tema, foram mais de 900.000 conexões mapeadas (isto é, menções, retuítes, respostas ou interações com outros usuários) citando o caso Lula em quatro horas.

Gráfico de conexões no Twitter após a anulação das acusações contra Lula: além das duas polarizações (esquerda, lilás, e direita bolsonarista, laranja), um grande grupo de novos entrantes participou do debate (Pedro Barciela/Reprodução)

Cerca de 70% desses usuários não citam Lula ou debates políticos regularmente ( grupo verde na imagem acima ), mas se engajaram na temática de ontem, em sua maioria, com menções mais favoráveis ao ex-presidente, ou distantes de algum apoio à Lava Jato e ao bolsonarismo. Já o grupo de apoio forte ao bolsonarismo teve somente 14% dos atores envolvidos no debate sobre Lula ( laranja na imagem ).

O grupo restante — o que Barciela chama de uma esquerda "partidária" ( lilás na imagem ) — incluiu nomes como Guilherme Boulos (PSOL-SP), o próprio perfil oficial de Lula e perfis militantes desse campo, mas ontem teve também "reforço" no Twitter por parte de figuras de esquerda no exterior, como o presidente argentino Alberto Fernández e o líder do partido espanhol de esquerda Podemos, Julio Iglesias.

"O grupo bolsonarista tem uma proporção alta de ator por conexão, isto é, eles compartilham muito entre si, conversam muito, o que gera sempre um barulho. No dia de ontem, isso não aconteceu. Eles tiveram alguma dificuldade em alinhar qual foi o discurso", diz Barciela.

O grupo tradicionalmente mais favorável ao presidente Jair Bolsonaro inclui nomes como o presidente da Câmara, Arthur Lira, que disse sobre a decisão do STF que "Lula pode até merecer. Moro, jamais!". A postagem foi compartilhada também por grupos mais ligados à esquerda, o que é um dos momentos que explica a ligação entre os três grandes blocos na imagem. Já os blocos lilás e laranja ficaram majoritariamente mais afastados, sem grande engajamento entre si.

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Se o grande bloco verde da imagem vai se refletir em apoio efetivo ao ex-presidente numa possível eleição em 2022, ainda é um mistério. O Twitter, por si só, é um pequeno microcosmo que pode dar o tom dos apoios no momento, mas está longe de representar a totalidade da população brasileira. "É um cenário muito diferente, por exemplo, de pequenos grupos políticos de Facebook no interior", diz Barciela, que é fundador do site Essa Tal de Rede Social e trabalha como consultor sobre o tema.

Há ainda quem ganhe eleições sem conquistar as redes, caso de nomes como o prefeito Bruno Covas (PSDB) em São Paulo, que tinha menos presença online do que o oponente Guilherme Boulos. Mesmo assim, sobretudo desde 2018, olhar para as redes sociais virou imperativo para discutir política. Veja abaixo os principais trechos da entrevista com Barciela.

Barciela: "não vejo espaço para uma terceira via nas redes" (Pedro Barciela)

O que houve de diferente ontem em relação a outros dias?

A primeira coisa é o volume. A gente tem no Brasil, no Twitter, um processo de polarização. Isso é fomentado pela própria plataforma. Não existe um termo "furar a bolha", até porque, quando você faz isso, a bolha acaba. Você tem, na verdade, a expansão do universo de quem está debatendo aquele tema. Quando isso acontece na política, significa dialogar com outros agrupamentos que não estão no dia-dia do debate político.

Ontem houve um número grande de usuários que passaram a engajar com o tema Lula e se engajar com a esquerda política. Também houve um universo de atores que desde o ápice da Lava Jato não se manifestavam com tanta veemência sobre a operação, nem sobre o Lula. Aqui temos um elemento que corrobora a tese de que a Vaza Jato [ vazamento de mensagens sobre a operação Lava Jato ] cacifa uma série de atores — que até então não participavam do debate — com argumentos que reforçam a suspeição de Moro. Não é que eles acham que "agora é Lula". É quase como uma reparação histórica na fala de alguns grupos, que passaram a argumentar que houve problemas na Lava Jato.

Qual foi o papel do bolsonarismo ontem?

Vimos um isolamento do bolsonarismo. O grupo bolsonarista tem uma proporção alta de ator por conexão, isto é, eles compartilham muito entre si, conversam muito, geram muito engajamento entre si, o que gera sempre um barulho. No dia de ontem, isso não aconteceu. Eles tiveram alguma dificuldade em alinhar qual foi o discurso.

Mesmo dentro do bolsonarismo houve uma diferença grande de posicionamento. Tem desde um ator como Arthur Lira que disse que "o Lula merece, o Moro, não" até olavistas que estão bravos com o Fachin, o STF e a decisão.

Esse bloco bolsonarista esteve mais desunido?

Desde o começo, a Lava Jato representou setores da direita brasileira que não dialogavam tanto. Sempre que eles falavam de Lula, aí sim, era como um retirar de tropas, eles se uniam novamente, tanto o lavajatista quanto o bolsonarista voltavam a se aproximar. Ontem isso não aconteceu.

Talvez porque o lavajatista arrefeceu de forma absurda. E em algumas postagem acusam o bolsonarismo de ter enfraquecido a Lava Jato de forma a permitir essa ação do Fachin.

É um momento da história em que acaba essa aliança fraca formada entre esses dois grupos, o que no Twitter seria um "antipetismo ferrenho". Há essa quebra do que unia o lavajatismo e o bolsonarismo. O lavajatismo está um pouco perdido, também não tem base de sustentação mínima. Ninguém mais sai em defesa de Moro ou Dallagnol no Twitter.

Quem faz parte desse grande bloco verde na imagem?

Vai ter alguns perfis ligados a uma rede mais progressista, mas que não necessariamente são ferrenhos na esquerda partidária. Nomes como Felipe Castanhari, Felipe Neto, Rene Silva. É um agrupamento que até fala sobre política mas dificilmente se engaja tanto com atores específicos da esquerda. Algo que se mostrou, além da Vaza Jato, foi a insatisfação com a gestão do Bolsonaro na pandemia. Logo ali há também algumas pontas azuis, que são, por exemplo, Rennan da Penha [ DJ carioca ]. Como eu faço essencialmente monitoramento político, são nomes que nunca apareciam aí, mostram que o grupo extrapolou mesmo.

Claro, tem uma diferença entre o Twitter e quando pegamos pra monitorar, por exemplo, páginas de Facebook do interior de São Paulo. Pode ser que na base, os cidadãos têm ainda uma dificuldade muito maior em entender a diferenciação dos entes federativos, reclamam com o prefeito quando há algo errado.

É comum ouvir que o debate está dividido entre os polos de esquerda e bolsonarista, mas a imagem mostra que a conversa foi, na verdade, dominada por um outro grupo menos partidário. O que isso tem a dizer sobre a polarização?

Eu analiso polarização em redes com base em uma teoria chamada perspectiva de ameríndio. É uma análise de como indígenas da América do Sul viam o mundo, e um dos que falam sobre isso é o antropólogo Eduardo Viveiros. De forma bem resumida, ele fala que a antropofagia existia pela rivalidade das tribos. As tribos dependiam dessa rivalidade e vingança eterna para sobreviver e contar sua história.

Nas redes, a gente tem um processo em que ambos os polos, para existirem, dependem um pouco da polêmica com o outro polo. Só que tem esse movimento, que acontece pouquíssimas vezes, que é uma pauta depender não só da polarização. Fica nítido que não foi a polarização que gerou esse volume absurdo ontem. Tanto que o volume de interações dentro do bolsonarismo foi quase mais baixo do que o regular.

Esse grande grupo verde poderia se direcionar para uma terceira via? Há tempo para construí-la?

Parece não existir espaço nas redes sociais para uma terceira via hoje. Não se trata de polarização, mas é uma questão de que, por mais que haja alguns setores que tentam colocar dois polos no debate político e engajar na busca por uma outra opção, não há grupos fortes e organizados de apoio a outras frentes por enquanto. Mas é difícil comparar 2022 com 2018, muita coisa mudou e muito ainda pode acontecer.


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