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Aliados querem que Bolsonaro desmonte "bunker" olavista no Itamaraty

Permanência de Ernesto Araújo no governo tem sido questionada, já que o presidente quer melhorar a péssima imagem que o mundo tem hoje do Brasil

Ernesto Araújo: ministro tem sido criticado por não manter relações diplomáticas e comerciais com importantes parceiros do Brasil, como a China (Adriano Machado/Reuters)

Ernesto Araújo: ministro tem sido criticado por não manter relações diplomáticas e comerciais com importantes parceiros do Brasil, como a China (Adriano Machado/Reuters)

EC

Estadão Conteúdo

Publicado em 5 de julho de 2020 às 16h12.

Última atualização em 5 de julho de 2020 às 23h49.

Mais de duas toneladas de materiais de combate ao coronavírus foram doadas pelo embaixador chinês Yang Wanming ao Brasil, na última quinta-feira. A cerimônia online contou com a presença de parlamentares e assessores do governo.

A ausência do chanceler Ernesto Araújo, porém, provocou incômodo, especialmente por se tratar de um parceiro comercial importante para o país.

Essa postura do chanceler tem desagradado a políticos aliados e a integrantes do próprio governo, que buscam convencer Jair Bolsonaro a desmontar um dos últimos bunkers ideológicos da sua gestão como saída para melhorar a péssima imagem que o mundo tem hoje do seu governo.

O presidente da Frente Parlamentar Brasil-China, deputado Fausto Pinato (PP-SP), não perdoou a falta de Araújo no encontro organizado há dois meses. O chanceler foi representado pelo diretor da Agência Brasileira de Cooperação, embaixador Ruy Pereira.

“Apareceram três diplomatas. Um representando o Itamaraty; outro, o Ministério da Saúde e um terceiro, a Vice-Presidência. O senhor Ernesto Araújo não foi”, contou Pinato, que participou da videoconferência.

“Esse cara vai quebrar o país. A Europa e até Israel já o criticaram. Estamos sendo mal vistos na questão do meio ambiente e ele não tenta ajudar. Tem que buscar investimentos fora, botar esses embaixadores para trabalhar, mas ele só fica preso na parte ideológica.”

Em março, o chanceler já havia se envolvido em uma polêmica diplomática com o próprio Wanming, ao exigir retratação do embaixador, que publicou texto rebatendo declarações do deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP).

O imbróglio ocorreu porque o filho do presidente acusou a China de ter omitido informações sobre a covid-19. Wanming reagiu dizendo que Eduardo tinha contraído “vírus mental” ao voltar de Miami, nos Estados Unidos.

A falta de interlocução do Itamaraty com o parceiro chinês também ocorre com outro país asiático. Desde que recebeu as credenciais do presidente Jair Bolsonaro no Palácio do Planalto, em 6 de abril, o embaixador do Irã no Brasil, Hossein Gharibi, já teve videoconferências com a ministra da Agricultura, Tereza Cristina, e o vice-presidente, Hamilton Mourão. Ainda não pediu encontro com Ernesto Araújo, devido à sintonia do chanceler com o olavismo-trumpismo.

Não faltou oportunidade. No dia 7 de junho, por exemplo, ele organizou uma festa para comemorar 60 anos de abertura da embaixada, a primeira representação estrangeira a se instalar em Brasília. O evento foi prestigiado apenas por políticos locais.

Nos bastidores, Mourão e Tereza Cristina são vistos como chanceleres paralelos. Tanto é assim que a ministra da Agricultura procurou o embaixador chinês na quarta-feira, assumindo uma interlocução direta para resolver o problema de frigoríficos que tiveram a venda suspensa para a China.

A pressão para a substituição do chanceler não é de hoje, mas se intensificou com a demissão de Abraham Weintraub do Ministério da Educação. A avaliação de parlamentares e da ala mais moderada do governo, que vê seu trabalho prejudicado pelas ações do Itamaraty, é que seria o momento oportuno para Bolsonaro se livrar dos representantes do olavismo.

Prestação de contas

Após o Estadão revelar o movimento na última semana, o deputado bolsonarista Filipe Barros (PSL-PR) respondeu assim a um internauta que o censurou por compartilhar a notícia.

“Se eu estou dando crédito é porque estou em Brasília e sei que a história é verdadeira. Simples assim.” Ciente da ameaça ao seu cargo, o chanceler solicitou a todas as chefias do Itamaraty, em caráter de urgência, a prestação de contas de sua gestão.

O embaixador Paulo Roberto de Almeida publicou em um site na internet que a urgência em preparar o relatório mostra a preocupação do ministro em não ser defenestrado. Almeida afirmou que, entre as “realizações” do chanceler, está a promoção de uma “revolução hierárquica e gerencial” no Itamaraty, que afastou dos postos de chefia experientes embaixadores, colocados sob as ordens de ministros de segunda classe. Procurado pela reportagem o Itamaraty não se pronunciou.

Por enquanto, Bolsonaro ainda resiste em trocar o auxiliar. A empresa AP Exata, que analisa as redes sociais, identificou que parte dos eleitores do presidente o acusa de abandonar a pauta ideológica. Os que o escolheram apenas por rejeitar o PT, porém, acham que Ernesto prejudica as exportações do País e deve ser substituído.

Palestras

O ministro tem aberto as portas do Itamaraty para blogueiros que hoje são investigados no Supremo Tribunal Federal (STF) no inquérito das fake news.

Allan dos Santos e Bernardo Küster, além de outros 16 ícones do olavismo, passaram a ocupar as mesas de debate da Fundação Alexandre de Gusmão (Funag), vinculada ao Itamaraty. Antes, o espaço só recebia diplomatas, acadêmicos e observadores com larga experiência em relações internacionais.

Nas palestras, os blogueiros apresentam visões positivas sobre o conservadorismo, o nacionalismo e os Estados Unidos.

Um dos investigados pelo STF, o youtuber Bernardo Küster chegou a prever em sua palestra que, em breve, os brasileiros passariam a comer morcegos, cachorros, pombos, gatos e até ratazanas, segundo ele, por falta do que comer, uma consequência do “comunismo”.

Nos bastidores do Itamaraty, diplomatas demonstram constrangimento com o nível das discussões, consideradas “medíocres”. A palestra de Allan dos Santos fez corar funcionários experientes.

Santos chamou a atenção para uma “contradição” entre medidas de combate à pandemia do novo coronavírus e a política de imigração. E comparou o grupo de blogueiros bolsonaristas aos jornais alternativos de resistência ao regime militar.

Os blogueiros não receberam cachê da Funag. Os eventos fazem parte de um ciclo de seminários e conferências intitulado “A conjuntura internacional no pós-coronavírus”. Na prática, quase não há debate, mas, sim, concordância entre os participantes, sem pluralidade. Um seminário sobre “globalismo”, com participação do chanceler, será transformado em livro, editado também em inglês.

3 perguntas para...

Bernardo Küster, jornalista e youtuber

1.O que o senhor acha sobre o espaço aberto na Funag para conservadores?

Finalmente a diplomacia brasileira está dando voz à maioria da população brasileira, que é conservadora.

2.O sr. tem formação ou desempenha atividade de relações internacionais?

Estudei política internacional na Universidade de Ferrara (Unife), na Itália, e, como jornalista, produzo análises para colegas no exterior, para meu canal no YouTube e para o jornal Brasil Sem Medo (site de notícias criado por Olavo de Carvalho).

3.O senhor é citado no inquérito do STF sobre fake news. Tem alguma consideração a fazer?

Não tive acesso à íntegra do processo, o que cria uma série de embaraços na defesa e não me permite concluir do que sou supostamente acusado. Minha assessoria jurídica reputa ilegal e inconstitucional o inquérito.

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