Ainda não é possível estimar danos dos crimes de Cabral, diz MPF
São R$ 144,8 milhões, pagos em 197 repasses feitos por empresas de transportes de passageiros que atuam no Estado entre 2010 e 2016
Estadão Conteúdo
Publicado em 8 de agosto de 2017 às 13h51.
Rio - Os procuradores que investigam o esquema de corrupção do ex-governador Sergio Cabral (PMDB) afirmaram nesta terça-feira, 8, terem descoberto a propina mais vultosa recebida individualmente por ele até agora, desde que se iniciaram as investigações, ano passado. São R$ 144,8 milhões, pagos em 197 repasses feitos por empresas de transportes de passageiros que atuam no Estado entre 2010 e 2016.
O dado consta de uma "contabilidade incontestável" a que o MPF teve acesso. O esquema desvelado também incluiu os setores de obras e da saúde, pelo menos, conforme os procuradores já levantaram.
"Nos contratos de obras públicas a regra era de 5% (do valor das obras para Cabral), e pode haver propinas maiores do que a que a gente está imputando hoje. Só que essa (R$ 144,8 milhões) está bastante delineada numa contabilidade incontestável", disse o procurador da República José Augusto Vagos, ao apresentar duas novas denúncias contra o ex-governador e o ex-presidente do Departamento de Transportes do Estado (Detro) Rogério Onofre. O órgão é responsável pela fiscalização do setor de transportes. Os crimes: corrupção, lavagem de dinheiro, crime contra o sistema financeiro e organização criminosa.
"É importante que fique claro que essa propina (a Cabral) era mensal, às vezes, até quinzenal, independentemente de época de eleição, e que ele continuou a receber depois do fim do seu mandato (em 2014). Em época de campanha tinha aportes diferenciados", ressaltou Vagos.
Cabral recebia também "bônus" quando tomava medidas consideradas muito importantes pelos empresários de ônibus: em janeiro de 2014, a redução de 50% do IPVA dos coletivos lhe rendeu R$ 13 milhões.
Os investigadores acreditam que, passados nove meses da prisão do ex-governador, ainda não é possível ter a dimensão final do que foi recebido por ele e seus comparsas. "Sem dúvida (o volume de propina) pode ser maior. Desde a Operação Calicute (que prendeu Cabral, em novembro), avançamos muito na definição da extensão do dano causado pela organização criminosa chefiada por Sergio Cabral. Mas de fato fica difícil imaginar o final ainda. Basta ver no organograma da administração pública, quantas secretarias tem", apontou o procurador Leonardo Freitas.
O ex-governador já responde a 12 processos e foi condenado num deles pelo juiz Sergio Moro, da 13ª Vara Federal Criminal de Curitiba, a 14 anos e dois meses de prisão.
Os procuradores apontaram nas denúncias o papel central da Federação das Empresas de Transportes de Passageiros do Estado (Fetranspor), que reúne sindicatos, no esquema. Eles levantaram provas de que a uma "caixinha de propina" foram destinados repasses de 26 empresas de ônibus, destinados a agentes públicos e políticos, num total de R$ 250 milhões (no período 2013-2016).
As denúncias foram protocoladas na segunda-feira, 7, na 7ª Vara Federal Criminal do Rio. Os procuradores detalharam seu conteúdo a jornalistas na manhã de terça-feira. Eles pediram o bloqueio de pelo menos R$ 520 milhões de membros da organização para reparação dos danos causados ao erário. A propina era lavada e enviada ao exterior, segundo o MPF.
Outros 23 investigados da Operação Ponto Final da Polícia Federal, desencadeada em julho, também foram denunciados, entre empresários de ônibus e servidores do Estado coniventes. Cabral teria recebido propina ao menos entre julho de 2010 a outubro de 2016. O ex-presidente do Detro ficou, conforme o MPF, com R$ 43,4 milhões, também entre 2010 e 2016. Rogério Onofre também está preso.
Os pagamentos ilícitos garantiam a liderança de empresários nos transportes no Rio, além de benefícios na política tarifária e benesses tributárias. As denúncias citam o aumento de 7% das passagens de ônibus intermunicipais em dezembro de 2009, por decisão de Cabral e de Onofre como contrapartida do Estado às contribuições para a "caixinha".
As informações foram levantadas graças às colaborações premiadas do doleiro Álvaro Novis e do ex-presidente do Tribunal de Contas do Estado Jonas Lopes, alvos de operações anteriores da PF, e ainda com a quebra do sigilo telefônico e de e-mails dos envolvidos e material arrecadado em buscas da polícia.