Descriminalização do aborto tem apoio de maioria das mulheres da geração Z
Entre os jovens de 16 a 24 anos, pauta da descriminalização do aborto é rejeitada por evangélicos, gera divisão entre católicos e é mais apoiada por mulheres, mostra pesquisa EXAME/IDEIA
Carolina Riveira
Publicado em 19 de abril de 2022 às 06h00.
A temática da descriminalização do aborto gera divisão entre os jovens no Brasil, mas menos entre as mulheres.
É o que mostra nova pesquisa EXAME/IDEIA, feita com jovens entre 16 e 24 anos e divulgada nesta semana.
Ao todo, incluindo ambos os gêneros, há empate técnico na visão sobre o tema: 48% dos jovens são contrários a que o aborto deixe de ser crime no Brasil, enquanto 46% disseram ser favoráveis. Outros 6% não souberam responder.
Já entre as mulheres nessa faixa etária, 53% se disseram favoráveis à descriminalização do aborto, enquanto 42% foram contra — uma diferença de 11 pontos percentuais. Outras 5% não souberam responder.
Entre os homens, a situação se inverte, e a maioria se disse contrária à descriminalização.
As respostas fazem parte de pesquisa feita pela EXAME em parceria com o instituto especializado em opinião pública IDEIA, somente com respondentes entre 16 e 24 anos, membros brasileiros da chamada “geração Z”. Foram ouvidas 1.000 pessoas de todo o Brasil nesta faixa etária, entre os dias 4 e 13 de abril. A margem de erro é de três pontos percentuais, para mais ou para menos ( veja aqui o relatório completo ).
No Brasil, realizar um aborto pode render às mulheres pena de um a até três anos de prisão, em um arcabouço que, no geral, data do Código Penal de 1940.
O procedimento só é permitido em três casos: estupro, gravidez que oferece risco à vida da mulher e, segundo decidido pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em 2012, em casos de anencefalia, quando há malformação do cérebro do feto.
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Religião e renda afetam opinião sobre aborto
Além do gênero, a visão sobre o aborto como crime na legislação varia a depender da religião e da renda dos respondentes, segundo o EXAME/IDEIA.
Os jovens evangélicos são majoritariamente contra a descriminalização (57% contra, 37% a favor).
Entre os católicos, a opinião está dividida, enquanto a pauta tem apoio majoritário entre quem disse ter outras religiões ou não ter religião alguma.
A visão favorável também é maior entre jovens cujos lares têm renda de mais de seis salários mínimos (53% a favor e 39% contra), ao passo que está dividida em outras faixas de renda.
Quando os dados são cruzados com a visão dos jovens sobre a atuação do governo federal, também questionada na pesquisa, os respondentes que avaliaram o governo federal como ótimo ou bom rejeitam mais a pauta do aborto (64% são contra).
A situação se inverte com os jovens que avaliaram o governo federal como ruim ou péssimo (57% são a favor da descriminalização do aborto e só 38% são contrários) e entre quem disse não saber avaliar o governo.
Aborto foi menos rejeitado do que maconha e armas
Embora parte dos jovens esteja dividida sobre o aborto, o tema teve menor rejeição do que outros assuntos comportamentais questionados na pesquisa EXAME/IDEIA, como a legalização da maconha e acesso a armas.
Uma possível legalização da maconha para fins recreativos, por exemplo, foi amplamente rejeitada: 61% se disseram contra e somente 34% a favor.
Ao contrário do que ocorreu na pauta do aborto, a rejeição à maconha se manteve perto ou acima de 60% independentemente de quais foram os grupos, de católicos a evangélicos, homens e mulheres, pretos, pardos e brancos e quase todas as faixas de renda.
O percentual negativo só caiu levemente nos grupos que avaliam o governo federal como ruim ou péssimo, entre quem ganha mais de seis salários mínimos e entre quem disse não ter religião. E, mesmo nessas categorias, a fatia contrária à legalização seguiu acima de 50%.
Pesquisa anterior feita por EXAME/IDEIA mostrou que a maconha especificamente para fins medicinais tem apoio de oito em cada dez brasileiros, incluindo todas as faixas etárias — mas o cenário não se repetiu entre os jovens quando o uso é ampliado para fins recreativos.
Entre os jovens, a ampliação do acesso a armas também foi amplamente rejeitada.
Perguntados se "você é a favor de que o Brasil amplie o acesso a armas para cidadãos?", 72% dos jovens foram contra e somente 26% a favor. Outros 2% disseram não saber responder.
A maioria contrária a armas se repetiu em todas as faixas de renda, religião e outros grupos. Só houve divisão neste tema entre os respondentes do centro-oeste (52% contra e 48% a favor).
Veja aqui mais resultados da pesquisa EXAME/IDEIA - Especial Jovens
Como é a legislação sobre aborto no mundo
Em países como Canadá, Estados Unidos e a maioria dos países da União Europeia, as principais legislações nacionais descriminalizando o aborto no início da gestação datam dos anos 1970.
Nos últimos anos, legislações sobre o aborto foram ampliadas em uma série de países sul-americanos, como Colômbia (2022), Argentina (2020) e Uruguai (2012), por pressão de movimentos liderados por mulheres e que defendem que o tema deve ser tratado como questão de saúde pública.
Mesmo com a tipificação como crime no Brasil, estima-se que são feitos por ano mais de 500 mil abortos clandestinos no país. Uma em cada cinco mulheres, aos 40 anos, terá realizado um aborto, segundo a Pesquisa Nacional do Aborto, coordenada pela pesquisadora Debora Diniz, um dos estudos mais completos realizados no Brasil na área.
Metade das mulheres usou medicamentos para abortar, e quase metade precisou ficar internada por complicações no procedimento ilegal. Abortos foram feitos por mulheres de todas as classes sociais, faixas etárias e renda, segundo o estudo.