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A dolorosa rotina de conviver com a fraude

OPINIÃO | Mais da metade dos brasileiros já sofreram tentativas de fraudes financeiras

Caso da SolarWinds: em 2021, hackers inseriram um código malicioso em um software do provedor de TI (Chris Ratcliffe/Bloomberg/Getty Images)
Marcos Calliari

CEO da Ipsos no Brasil

Publicado em 21 de outubro de 2024 às 11h35.

O Brasil, com sua energia vibrante e economia em constante movimento, infelizmente também se destaca em um ranking nada positivo: o de fraudes financeiras. Enquanto o mundo se preocupa com crises existenciais e avanços tecnológicos complexos, o brasileiro enfrenta um desafio mais prosaico, mas não menos assustador: a ameaça constante de golpes e fraudes financeiras.

Mais da metade dos brasileiros sofreram tentativa de fraude– apenas nos últimos 12 meses. E essas ameaças vêm de todos os lados, e não perdoam nenhum meio de pagamento: podem ser ao usar o cartão de crédito físico (21%), o cartão virtual (14%), cartões de débito (13%), cartões de loja (13%), contas digitais (11%), dinheiro vivo (10%), transferências eletrônicas (9%) – faltou algum?

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É o que mostra o Estudo Meio de Pagamentos Latam 2024, estudo anual da Ipsos que aborda o uso, adoção, abandono e percepção dos meios de pagamentos de 14 países do continente latino-americano. No módulo da pesquisa dedicado ao tema de fraudes, fica clara a gravidade do problema: dos que sofreram tentativa de algum golpe financeiro, 30% acabou por de fato sofrer o golpe – é um índice assustador de ‘sucesso’ para os golpistas.

Com isso, praticamente 1 a cada 6 brasileiros, no último ano, foi vítima de fraude (15%).

E o Brasil, dentro do continente, nem está entre os piores nesse triste ranking: os resultados são ainda piores para México (onde 17% se dizem vítima de golpe no último ano), Peru (19%), por exemplo. Os países com maior incidência de golpes estão na América Central (25%), Porto Rico (23%), República Dominicana (21%) e Guatemala (21%), enquanto os menos vulneráveis são Argentina (10%), Colômbia (13%), Panamá (14%) e Chile (15%).

O estudo revelou ainda que o celular e as plataformas digitais são canais com alta suscetibilidade a sofrer tentativas de fraude:três em cada cinco brasileiros (59%)alegaram ter recebido mensagens (e-mail, WhatsApp ou SMS) que aparentavam ser de alguma instituição financeira para obter informações pessoais ou sigilosas.

Acontece que o mundo das transações digitais seguirá crescendo por muito tempo – e a confiança na sua utilização é chave para que o processo possa trazer todo o benefício potencial. Assim, a colaboração entre usuários e instituições financeiras será inevitável, com protocolos rigorosos de segurança, práticas de confidencialidade e integridade das transações. As instituições financeiras deverão não apenas seguir melhorando seus processos de segurança, mas, principalmente, considerar a relação com seus clientes e usuários.

E que os brasileiros esperam dos bancos? Aqui, fica clara a confusão entre os brasileiros – o estudo perguntou como os entrevistados imaginam que seu banco responda à eventualidade de uma fraude. No Brasil, 40% acreditam que a instituição financeira irá devolver os recursos perdidos, mesmo se não houver seguro contratado. Na América Latina, é o segundo país com mais otimismo, apenas atrás do Chile (43%). Por outro lado, proporção quase idêntica (38%) acham que terão que assumir sozinhos a perda, e que a instituição financeira não se responsabilizará. Não é difícil imaginar como será a reação de correntistas, por exemplo, que tiveram suas expectativas frustradas de contar com seu banco após uma fraude – as redes sociais estão repletas de casos como esses.

O verdadeiro trabalho começa aqui – há muito o que ser feito para melhorar a relação e a experiência dos clientes. Eles esperam que as instituições financeiras adotem medidas proativas e eficazes para prevenir fraudes e, quando elas ocorrerem, que ofereçam suporte robusto e soluções rápidas. As principais expectativas incluem:

1. Reembolso Rápido e Eficaz: Os consumidores esperam que, em caso de fraude, os valores perdidos sejam reembolsados de maneira rápida e sem complicações. A burocracia excessiva e os longos prazos para resolução de disputas são pontos de insatisfação que podem comprometer a confiança dos clientes nos bancos.

2. Monitoramento Ativo e Notificações: A implementação de sistemas de monitoramento ativo que possam detectar atividades suspeitas em tempo real é uma demanda crescente. Além disso, notificações imediatas sobre transações incomuns podem ajudar a prevenir fraudes antes que causem danos significativos.

3. Educação e Conscientização: Programas de educação financeira que informem os consumidores sobre como identificar e evitar fraudes são altamente valorizados. Instituições financeiras que investem em campanhas educativas mostram um compromisso com a segurança de seus clientes.

4. Melhoria na Segurança das Transações: A adoção de tecnologias avançadas de segurança, como autenticação multifatorial e criptografia de ponta a ponta, é vista como essencial. Os consumidores esperam que os bancos estejam na vanguarda tecnológica para proteger suas informações e transações.

5. Transparência e Comunicação: Manter os clientes informados sobre políticas de segurança e procedimentos em caso de fraude reforça a confiança. A clareza na comunicação e a transparência sobre como os bancos lidam com incidentes de fraude são aspectos cruciais.

Confiança nas transações digitais

Não é uma jornada fácil – e certamente é pouco prazerosa, mas entender constantemente o que se passa e as expectativas dos clientes será fundamental. Os números alarmantes revelados pelo Estudo Meio de Pagamento Latam 2024 demonstram a urgência de ações mais efetivas para reverter esse cenário.

A confiança nas transações digitais é essencial para o desenvolvimento econômico e social, e a vulnerabilidade do sistema brasileiro representa um entrave a esse progresso. É fundamental que haja uma atuação conjunta de instituições financeiras, governo, usuários e, também, da mídia.

As instituições financeiras devem investir em tecnologias de segurança mais avançadas e em uma comunicação mais transparente com seus clientes. O governo precisa criar mecanismos mais rigorosos de punição para os criminosos e investir em educação financeira para a população. Os usuários, por sua vez, devem estar atentos às medidas de segurança e adotar práticas mais seguras em suas transações on-line. Já a mídia tem o papel essencial de manter a população informada sobre os golpes mais recentes, as formas de se prevenir e os seus direitos em caso de ser vítima de fraude, além de incentivar o debate público e a busca por soluções mais efetivas.

A construção de um ambiente digital mais seguro é um desafio de todos, e somente com a colaboração de todos os envolvidos, incluindo a participação ativa da imprensa, será possível reverter o cenário atual e garantir que o Brasil possa explorar todo o seu potencial na economia digital.

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