Luiz Tonisi: presidente da Qualcomm para América Latina acredita que avanço do 5G chegará mais rápido do que o 4G (Qualcomm/Divulgação)
Lucas Agrela
Publicado em 24 de junho de 2021 às 05h55.
Última atualização em 24 de junho de 2021 às 16h23.
A Qualcomm é uma empresa americana responsável por projetar chips para celular, como processador e modem 5G. A empresa liderou o segmento de chipsets 5G para celulares, com parcela de mercado global de 66% no quarto trimestre. O principal produto da companhia foi o Snapdragon 765G, presente em um a cada cinco smartphones no mundo, segundo a consultoria Counterpoint Research.
O mercado de celulares superou o faturamento global de 100 bilhões de dólares no mês de março de 2021, quando a receita total atingiu 113 bilhões de dólares. A líder, em faturamento, é a Apple, com fatia de 42% do mercado, de acordo com a consultoria Counterpoint Research. O setor cresceu 20% no primeiro trimestre ante o mesmo período em 2020 em volume e chegou a 354 milhões de unidades vendidas. Em volume de celulares vendidos, a líder de mercado foi a Samsung, com 21,7% de fatia de mercado, contra 16,8% da Apple.
Na era do 5G, a Qualcomm busca se tornar mais conhecida e deve aparecer mais na mídia nos próximos meses, promovendo os benefícios de seus produtos, como velocidade de conexão com a internet e processamento de dados, além de melhorias de câmeras viabilizadas por recursos de inteligência artificial.
Com quase 10 anos de experiência na Nokia e no cargo atual desde janeiro deste ano, Luiz Tonisi, presidente da Qualcomm para a América Latina, conta, em entrevista para a Exame, as expectativas para a internet 5G no Brasil e os planos da empresa para os próximos anos. Leia a seguir.
EXAME: Como avalia a situação atual da Qualcomm no contexto brasileiro?
Luiz Tonisi: Estamos animados com a chegada do 5G no Brasil, que será um guarda chuva de infraestrutura para endereçar problemas atuais, além de trazer mais produtividade e competitividade para o país. Temos setores em que a tecnologia poderá ajudar a ganhar escala, como o agronegócio. Nos setores que não vão bem hoje, o 5G também poderá ajudar. A chegada é esperada por todos os atores e a nossa presença será bastante massiva.
Em uma empresa como a Qualcomm, jogamos em todas as posições, do goleiro ao centroavante. Estamos nos smartphones e trabalhamos com as fabricantes para que sejam criados aparelhos dos próximos anos de diferentes categorias. Além disso, casos de negócios novos serão criados com o 5G. Um deles é um roteador fixo wireless que tem 5G e irá levar o acesso a internet por Wi-Fi 6 para residências. Teremos também atuação nos roteadores com frequência de 1,2 GHz.
Já as grandes empresas, com 5G, poderão ter internet com velocidade que supera 1 Gbps. No campo de Internet das Coisas (IoT), entramos como participantes do fundo nacional de IoT no qual Qualcomm e BNDES são as âncoras. A ideia é viabilizar negócios com 5G.
Fora isso, também criaremos carros com 5G, que serão smartphones de quatro rodas muito em breve. Há a experiência de entretenimento e a experiência de conexão do carro com a rede e toda a revolução dos veículos elétricos. Não só iremos estimular o ecossistema, mas também traremos os dispositivos para viabilizá-los.
Como o agronegócio pode se beneficiar do 5G e quais outros setores podem ser impactados positivamente por essa tecnologia de internet veloz?
O setor agrícola é um que pode ter mais conectividade para saber o quanto de pesticida será usado considerando todas as condições do seu entorno. Monitoramento de sementes e queimadas também são aplicações potenciais. O 5G não é fim, é meio.
A beleza do 5G é ser uma tecnologia B2B2C, que acontece entre empresas e beneficia o consumidor final. Ela é uma rede única multiserviço. Ela permite fatiamento para separar bandas por tipo de serviços em vez de ser uma rede separada para cada serviço.
Se no passado não tínhamos Uber e Instagram antes do 4G, teremos novos serviços surgindo na era do 5G. A transmissão em realidade aumentada ou virtual é uma possibilidade no 5G. Poderemos evoluir em experiência de compra, entretenimento, telemedicina ou educação. As aplicações avançam a partir do momento em que temos uma maturação maior da tecnologia. Mais do que casos de uso, teremos mais tipos de experiências proporcionadas por essa tecnologia.
Qual é o plano da Qualcomm para manter a liderança nos smartphones com 5G no mundo, apontada pela consultoria Counterpoint Research?
A receita é simples: ser a empresa que mais inova e estar na liderança tecnológica. Tendo isso, acreditamos que poderemos manter a posição de liderança no mercado de smartphones. Para isso, trabalhamos com todas as principais fabricantes. Os aparelhos de empresas como Motorola ou Xiaomi são baseados em Qualcomm. Samsung e outros devem chegar ao mercado no segundo semestre.
Para manter a liderança tecnológica, temos que garantir que as pessoas saibam sobre a importância de ter um produto com chip Snapdragon. Estamos trabalhando em conhecimento de marca para comunicar ao consumidor os benefícios do nosso chipset. Cada ser humano é único. Um milissegundo de velocidade de processamento para um gamer é muita coisa, por exemplo.
Estamos trazendo alta performance e o usuário precisa saber disso. Ele precisa saber escolher o produto por causa dos benefícios dos produtos da Qualcomm. Um fotógrafo pode precisar de uma câmera mais do que de uma velocidade de processamento para games. Cada pessoa pode ir atrás daquilo que precisar, se ele tiver a conscientização sobre a tecnologia.
Como a Qualcomm tem aplicado recursos de inteligência artificial em seus produtos e qual é o grau de percepção do público a respeito disso?
Inteligência artificial ainda é um tema novo e ele está ligado com a capacidade de processamento de dados. Ele viabiliza maior poder de processamento a celulares e outros dispositivos eletrônicos. No Snapdragon 888, a inteligência artificial é inerente à nossa tecnologia. Ela está presente nas fotografias para o sensor entender como a melhor foto pode ser tirada, evitando imagens tremidas, por exemplo. A inteligência artificial também está presente em recursos como reconhecimento facial e de impressões digitais, além de estar na gestão de bateria.
Como resolver a atual falta de componentes eletrônicos que afeta o mercado global atualmente?
Não há bala de prata para isso. Há vários efeitos que aconteceram em cascata. A covid-19 levou a uma pequena queda no consumo e isso acabou não se mostrando uma verdade no longo prazo.
Depois, houve a saída de um fornecedor asiático [Huawei] e a demanda foi desviada para outros fornecedores, sendo um deles a Qualcomm. O terceiro ponto é que o mercado, com a chegada do 5G, acelerou o que era previsto como um mercado estável ou em declínio. Os carros também ficaram mais conectados. O mundo é “chipado”. A demanda geral por chips e a demanda para produtos com 5G em mercados mais maduros nos levaram a situação atual. Em 2022, acreditamos que o mercado estará muito melhor do que hoje.
Como a Qualcomm tem acelerado sua presença no segmento automotivo?
Uma das áreas da Qualcomm que mais crescem é a automobilística. Trabalhamos com as grandes montadoras do mundo, ajudamos a projetar os novos cockpits. Nesse mercado, trabalhamos com longo prazo. Os projetos atuais devem chegar apenas em 2024 ou em 2025. O advento do carro elétrico mostra que ele será um dos mercados mais ricos em tecnologia. Temos orgulho muito grande de fazer parte dessa cadeia que também está ligada com a segurança das pessoas.
Onde a Qualcomm está, até certo ponto, presente de forma invisível no dia a dia dos consumidores?
Estamos presentes em smartphones, relógios inteligentes (que devem chegar por marcas premium nos próximos meses), roteadores (TP-Link, Cisco), caixas de som e mesmo vários carros já têm usado chips da Qualcomm.
Qual é a importância do Brasil para a estratégia global da Qualcomm?
O Brasil é um dos melhores mercados do mundo. Tudo que fazemos globalmente queremos aumentar e aplicar aqui. Buscamos uma cadeia de transferência tecnológica para o Brasil. Queremos um ecossistema pujante e rico em tecnologia e custo no país.
Ter um CEO eleito que é brasileiro aumenta a importância do país para a empresa?
O Cristiano Amon tem o Brasil no coração, como todo Brasileiro. Mas não é só isso. O Brasil é importante no contexto mundial, independentemente de quem seja o CEO. A Qualcomm é uma empresa global e sempre deu a devida atenção ao Brasil. Com o Cristiano na liderança, teremos mais um reforço.
Como vê a tendência de fabricação de eletrônicos nos Estados Unidos?
Nós não temos absolutamente nada contra a China. Trabalhamos com várias fabricantes chinesas. É a lei de mercado: a produção e a exportação serão a partir de onde fizer mais sentido. Isso não invalida a busca de parceiros no Brasil, principalmente para roteadores -- para smartphones, não. A cadeia produtiva poderá ser expandida.
Qual é a expectativa de prazo para a chegada do 5G no Brasil?
O prazo da frequência 3,5 GHz é curto para 2021. Talvez, o presente de natal deste ano seja um smartphone com 5G. Acredito que os serviços que aproveitam as capacidades do 5G chegarão ao país no ano que vem.
Como espera que será a adoção do novo padrão de internet móvel?
A virada para o 5G deve começar pelos entusiastas de tecnologia. Para a tecnologia chegar a todos, acreditamos em um prazo de dois a três anos. A recuperação econômica pode adiantar ou atrasar esse prazo. Mas sabemos que o brasileiro adora tecnologia. Em qualquer análise que fizermos sabemos apenas que vamos errar. É impressionante como o brasileiro se adaptou ao mercado dos smartphones, até por todas as nossas dificuldades.
O 5G deve ser mais acelerado do que foi o 4G. Como o leilão não é arrecadatório, teremos cobertura de 5G onde hoje nem temos 3G. Temos áreas rurais com o ponto mais próximo para fazer uma transação bancária em outra cidade. O 5G vai causar uma revolução em várias coisas porque vai dar acesso à internet a muitas pessoas.