O Facebook iria competir contra o Google por vendas publicitárias. Mas desistiu do plano depois que as duas empresas fecharam um acordo, de acordo com documentos legais (Paige Vickers/The New York Times)
Thiago Lavado
Publicado em 4 de fevereiro de 2021 às 15h18.
Em 2017, o Facebook disse que estava testando uma nova maneira de vender publicidade on-line que ameaçaria o controle do Google sobre o mercado de anúncios digitais. Porém, menos de dois anos depois, o Facebook voltou atrás e divulgou que estava se juntando a uma aliança de empresas que apoiava um projeto semelhante do Google.
O Facebook nunca explicou por que engavetou seu projeto, mas evidências apresentadas em uma ação antitruste de dezembro indicam que o Google havia proposto um acordo de parceria a seu rival mais próximo em matéria de renda na publicidade digital.
Detalhes do acordo, baseados em documentos que o escritório do procurador-geral do Texas afirmou ter descoberto como parte de um processo multiestadual, foram ocultados na denúncia apresentada ao tribunal dos EUA no Texas em dezembro, mas estavam visíveis em uma versão preliminar da queixa analisada pelo "The New York Times".
Executivos de seis dos mais de 20 parceiros da aliança disseram ao "The Times" que seus acordos com o Google não incluíam muitos dos mesmos termos generosos oferecidos ao Facebook e que o gigante das buscas on-line tinha dado à rede social uma vantagem significativa sobre o resto.
Os executivos, todos os quais falaram sob condição de anonimato para evitar comprometer suas relações comerciais com o Google, também declararam não saber que o Google havia concedido vantagens ao Facebook.
A divulgação do acordo entre os dois renovou as preocupações sobre como as maiores empresas de tecnologia se unem para eliminar a concorrência. Os negócios são muitas vezes consistentes, definindo os vencedores e perdedores em vários mercados de serviços e produtos de tecnologia. São acordados em particular, com os termos cruciais escondidos por cláusulas de confidencialidade.
O Google e o Facebook disseram que tais negócios eram comuns na indústria de publicidade digital e que não estavam frustrando a concorrência.
Julie Tarallo McAlister, porta-voz do Google, afirmou que a denúncia "deturpa o acordo, assim como acontece com muitos outros aspectos do nosso negócio de tecnologia de anúncios". Ela acrescentou que o Facebook é uma das muitas empresas que participam do programa e que é parceiro em alianças semelhantes com outras empresas.
Christopher Sgro, porta-voz do Facebook, divulgou que acordos como o fechado com o Google "ajudam a aumentar a concorrência em leilões de anúncios", o que beneficia anunciantes e proprietários de sites. "Qualquer sugestão de que prejudiquem a concorrência é infundada." O Google e o Facebook não quiseram entrar em detalhes sobre seu acordo.
As duas empresas representaram mais da metade de todos os gastos com publicidade digital em 2019. Além de exibirem propaganda nas próprias plataformas, como o mecanismo de busca do Google e a página inicial do Facebook, sites, desenvolvedores de aplicativos e produtores de conteúdo dependem delas para garantir publicidade para suas páginas.
O acordo entre o Facebook e o Google, chamado de "Jedi Blue" pelo Google, refere-se a um segmento crescente do mercado de publicidade on-line chamado publicidade programática. A publicidade on-line atrai centenas de bilhões de dólares em receita global anualmente, e a compra e a venda automatizadas de espaço publicitário representam mais de 60 por cento do total, de acordo com pesquisadores.
Nos milissegundos entre o clique de um usuário em um link para uma página web e o carregamento de anúncios nessa página, os lances por espaço de anúncios disponíveis são feitos nos bastidores em mercados conhecidos como exchanges, com a oferta vencedora sendo passada para um servidor de anúncios. Como o exchange de anúncios e o servidor de anúncios do Google eram dominantes, este muitas vezes direcionava o negócio para um exchange próprio.
Um método chamado licitação de cabeçalho surgiu em parte como uma solução alternativa para reduzir a dependência das plataformas de anúncios do Google. Páginas de notícias e outros sites poderiam solicitar ofertas de várias exchanges ao mesmo tempo, ajudando a aumentar a concorrência e levando a melhores preços para os responsáveis pelo site. Até 2016, mais de 70 por cento deles haviam adotado a tecnologia, segundo uma estimativa.
Vendo uma perda potencialmente significativa de negócios com a licitação de cabeçalho, o Google desenvolveu uma alternativa chamada Open Bidding, que apoiava uma aliança de exchanges. Embora o Open Bidding permita que outras exchanges concorram simultaneamente ao lado do Google, a empresa de busca cobra uma taxa para cada lance vencedor, e os concorrentes dizem que há menos transparência.
A ameaça do Facebook, um dos maiores compradores de anúncios na internet, de apoiar a licitação de cabeçalho era uma grande preocupação para o Google. Uma cópia da denúncia revisada pelo "The Times" citou um e-mail de um executivo do Google que a considerava um "perigo existencial" que exigia "uma abordagem de trabalho mútuo incessante".
O Facebook anunciou em março de 2017 que estava testando a licitação de cabeçalho com editores como "The Washington Post", "Forbes" e "The Daily Mail". A rede social também deu uma cutucada no Google, afirmando que a indústria de anúncios digitais estava dando lucro a "intermediários que fazem as regras e ofuscam a verdade".
Antes de o Google e o Facebook assinarem o acordo em setembro de 2018, os executivos da rede social expuseram as opções para Mark Zuckerberg, seu executivo-chefe, de acordo com a cópia da denúncia: contratar mais centenas de engenheiros e gastar bilhões de dólares para competir com o Google; sair do negócio; ou aceitar o acordo.
Para muitos na indústria de anúncios, a adesão à aliança com o Google pareceu uma reversão na licitação de cabeçalho. Um parceiro da Open Bidding contou que estava animado por participar das conversas com o Facebook sobre a criação de uma alternativa à aliança do Google, mas o processo foi abruptamente interrompido em 2018.
O Facebook divulgou que havia aderido ao programa do Google em um post no blog em dezembro de 2018. Mas não revelou que o Google, de acordo com a denúncia, lhe havia fornecido informações especiais e vantagens de velocidade para ajudar a empresa a ter sucesso nos leilões que não oferecia a outros parceiros – mesmo com uma boa taxa garantida.
Nesse mercado, em que frações de segundos contam, a vantagem de velocidade era decisiva. O Facebook tinha 300 milissegundos para licitar anúncios, de acordo com documentos judiciais. Mas os executivos das empresas parceiras do Google disseram que geralmente tinham 160 milissegundos ou menos para os lances.
Adam Heimlich, executivo-chefe da Chalice Custom Algorithms, empresa de consultoria em marketing e ciência de dados, comentou que o acordo deu ao Facebook tanta vantagem que foi como permitir que a rede social "iniciasse todos os campeonatos nas finais".
Talvez a alegação mais grave na proposta seja a de que as duas empresas já haviam determinado que o Facebook ganharia uma porcentagem fixa nos leilões dos quais participava.
"Sem o conhecimento de outros participantes do mercado, não importa quão alto seja o lance dos outros, as partes concordaram que o processo favoreceria o Facebook um número definido de vezes", diz a denúncia. Um porta-voz do Google declarou que o Facebook deveria fazer a maior oferta para ganhar um leilão, assim como seus outros parceiros de exchange e de rede de anúncios.
Embora ambas as empresas tenham dito que o acordo não é uma questão antitruste, incluíram uma cláusula que exige que as partes "cooperem e se ajudem", caso sejam investigadas por questões de concorrência sobre a parceria. "A palavra 'antitruste' é mencionada ao menos 20 vezes ao longo de todo o acordo", afirmou a denúncia.