Donald Trump ao lado de figuras influentes do setor de tecnologia: Elon Musk (X), Tim Cook (Apple), Sundar Pichai (Google) e Mark Zuckerberg (Meta) (Montagem EXAME/Getty Images)
Repórter
Publicado em 11 de janeiro de 2025 às 08h49.
Última atualização em 11 de janeiro de 2025 às 09h10.
Jantares, doações e acenos públicos são apenas uma parte dos vários sinais de que o Vale do Silício está mais pragmático com Donald Trump. Após anos de tensões que atingiram o ápice com a suspensão de Trump das principais redes sociais americanas em 2021, líderes das big techs parecem ter redirecionado sua estratégia para se alinhar ao presidente eleito. Por trás dessa mudança estão motivações financeiras, políticas e estratégicas, com um pano de fundo de regulação intensificada e competição com outras potências.
Na quarta-feira, 8, Mark Zuckerberg anunciou que a Meta, a empresa-mãe do Facebook, Instagram, WhatsApp e Threads, estava encerrando seu programa de verificação de fatos e retornando a um modelo mais aberto no gerenciamento de discursos. O sistema de verificação de fatos havia levado a "muita censura", disse ele. O Brasil respondeu à nova posição oficialmente pela Advocacia-Geral da União, que enviou uma notificação extrajudicial pedindo explicações. O representante da AGU, Jorge Messias, cogitou acionar a empresa judicialmente. “A nossa preocupação neste momento é que a empresa venha em público, já que ela não foi transparente em nenhum momento”, afirmou.
Por trás da decisão de Zuckerberg, há um cerco que se fecha. Em 2023, o setor de tecnologia americano enfrentou um aumento significativo de pressões regulatórias de vários lados. Em novembro, a administração Biden abriu processos antitruste contra o Google e a Amazon, com indicações até mesmo de forçar a venda de alguns dos produtos mais rentáveis dessas empresas. Fora dos EUA, Apple e Meta enfrentam investigações pesadas na União Europeia, que, entre 2023 e 2024, aplicou multas que totalizam €23 bilhões.
Fracionadas, as penalidades variam de centenas de milhões a bilhões de euros, destacando tanto a gravidade das infrações cometidas quanto o enorme poder econômico das empresas envolvidas. Entre os casos notáveis está a multa de €13 bilhões aplicada à Apple por benefícios fiscais ilegais na Irlanda e a penalidade de €1,2 bilhão imposta à Meta por transferências ilegais de dados de usuários europeus para os Estados Unidos. Outras empresas, como a Microsoft e a Uber, também se tornaram alvos das autoridades antitruste.
"Houve um intenso escrutínio sobre as big techs, com o objetivo de proteger a concorrência de mercado, o que é válido, visto que essas empresas podem gerar monopólios. No entanto, é preciso reconhecer que foram elas que criaram esses ambientes", diz William Castro Alves, sócio e estrategista-chefe da corretora americana Avenue.
Esse movimento regulatório foi acelerado sob a liderança de Teresa Ribera, a nova chefe de concorrência da UE, que implementou as Lei dos Serviços Digitais e Lei dos Mercados Digitais, estabelecendo padrões rígidos para as atividades das plataformas digitais no velho continente.
Nesse contexto, o discurso de Trump de aliviar as empresas do peso regulatório tem atraído uma audiência receptiva. “Essas companhias serão libertadas se você tiver o presidente certo”, declarou Trump, prometendo intervir se necessário.
Há também o entendimento de que, em algumas searas, as big techs não prosperariam sem o devido apoio do governo. É o que ocorre com o crescimento acelerado da inteligência artificial (IA), que forçou a demanda por energia para alimentar data centers a saltar 50% desde 2020, respondendo por 4% do consumo de eletricidade nos EUA. Projeções do UBS indicam que essa parcela pode alcançar 9% até 2030.
Logo, além das multas, a energia, um campo bastante estatal, se tornou central para gerar um novo círculo de amizades ao entorno do presidente. Líderes como Sam Altman (OpenAI) e Bill Gates (TerraPower) têm investido pesadamente em soluções nucleares para atender à crescente demanda. Altman, por exemplo, é um dos principais financiadores da Oklo, empresa que desenvolve pequenos reatores nucleares modulares. A Microsoft também entrou nesse jogo. Em setembro, a empresa assinou um acordo para reativar um reator em Three Mile Island, a fim de fornecer energia para seus projetos de IA.
Bill Gates afirmou que “projetos como esses são essenciais para combater as mudanças climáticas e garantir a competitividade econômica dos EUA”. Também em defesa da concorrência global, os líderes do setor esperam que o governo eleito mantenha uma postura firme contra a China. A guerra econômica com Pequim, um dos marcos do governo Trump, resultou no banimento de empresas como a Huawei, do setor de telecomunicações, e impulsionou a expansão de fabricantes de chips como AMD, Qualcomm e Nvidia. No ato mais recente, há a possibilidade de banimento do TikTok.
As medidas, contudo, também tiveram efeitos colaterais, como o desenvolvimento de tecnologias 100% chinesas. Entre os exemplos mais notáveis estão o sistema operacional HarmonyOS, uma alternativa ao Android, do Google; e o sistema de navegação BeiDou, que compete diretamente com o GPS.
No plano financeiro, os agrados a Trump não são menos marcantes. Elon Musk, doador de US$ 277 milhões em apoio à campanha republicana, foi lançado para uma função estratégica como uma espécie de conselheiro informal. Sua influência ganhou ainda mais força ao lado do empresário Vivek Ramaswamy, que está liderando um grupo externo apelidado de “Departamento de Eficiência Governamental” (Department of Government Efficiency). O objetivo do grupo é defender cortes drásticos nos gastos públicos, uma prioridade para Trump.
Seu impacto foi demonstrado de forma clara quando Musk usou o X, sua própria plataforma, para mobilizar legisladores republicanos contra um projeto de lei de gastos que manteria o governo funcionando. Suas mensagens inflamadas e cheias de críticas ressoaram entre eleitores e legisladores, resultando no colapso do acordo inicial e levando à adoção de uma proposta alternativa alinhada às exigências de Trump. Embora a proposta revisada também tenha fracassado, o episódio mostrou como Musk se tornou um agente crucial na política legislativa do Partido Republicano.
Os esforços favoráveis a Trump não devem tardar em serem retribuídos. A dimensão do retorno que aguardam os novos apoiadores pode avaliada em um dos primeiros investimentos estrangeiros anunciados pelo presidente. Na quarta-feira, 7, Trump apresentou um investimento de US$ 20 bilhões para a construção de uma série de complexos de data centers nos estados-chave como Texas, Ohio e Arizona.
Por trás da novidade, seu parceiro de negócios no Oriente Médio, Hussain Sajwani, o bilionário por trás do Damac Group, especializado no ramo dos clubes de golf. O apoiador de longa data do presidente terá uma série de benefícios fiscais e de licenciamentos para acelerar as obras da nova empreeitada.
Um pouco atrás no tempo, durante o primeiro mandato de Trump, a gigante de software Oracle foi favorecida em um contrato de US$ 10 bilhões com o Pentágono, após esforços diretos de sua CEO, Safra Catz, durante a campanha e administração do republicano. À época, Musk também ganhou uma aproximação facilitada com a Nasa, que garantiu o sucesso da SpaceX com contratos de quase US$ 1 bilhão para viagens espaciais. Os acenos de volta de Trump parecem estar sempre à altura.