Tecnologia

O Vale funciona sem imigrantes?

Farhad Manjoo © 2017 New York Times News Service San Francisco – Os trabalhadores no Vale do Silício são revolucionários improváveis. Enquanto grupo, são relativamente ricos, bem formados e bem conectados. Embora a maioria das pessoas tenha apoiado a candidatura de Hillary Clinton, os funcionários do setor de tecnologia não são os alvos mais óbvios […]

PROTESTO CONTRA TRUMP EM MOUNTAIN VIEW: a razão pela qual outros países falharam em replicar esse modelo é que todo mundo quer ir para o Vale do Silício / Jason Henry/The New York Times

PROTESTO CONTRA TRUMP EM MOUNTAIN VIEW: a razão pela qual outros países falharam em replicar esse modelo é que todo mundo quer ir para o Vale do Silício / Jason Henry/The New York Times

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Da Redação

Publicado em 22 de fevereiro de 2017 às 12h01.

Última atualização em 22 de junho de 2017 às 18h38.

Farhad Manjoo
© 2017 New York Times News Service

San Francisco – Os trabalhadores no Vale do Silício são revolucionários improváveis. Enquanto grupo, são relativamente ricos, bem formados e bem conectados.

Embora a maioria das pessoas tenha apoiado a candidatura de Hillary Clinton, os funcionários do setor de tecnologia não são os alvos mais óbvios das políticas do presidente Donald Trump. Quase todo mundo que trabalha para as empresas de tecnologia mais ricas provavelmente vai continuar bem, caso o Obamacare seja derrubado. A maioria também não será pessoalmente afetada pela proposta de construção de um muro na fronteira com o México.

Sob o governo Trump, os trabalhadores do setor de tecnologia poderiam aproveitar muito. Receberiam créditos fiscais para os gastos médicos com os filhos, suas empresas poderiam repatriar lucros obtidos fora do país, e os cortes no imposto de renda serviriam para garantir uma ou duas viagens de férias luxuosas.

Isso tudo para dizer o seguinte: os protestos que tomaram conta do Vale do Silício e de Seattle nas últimas semanas não foram motivados por ganhos financeiros de curto prazo. Se você quiser entender porque os trabalhadores do setor de tecnologia protestaram contra a ordem executiva de Trump para barrar a entrada de imigrantes vindos de sete países de maioria muçulmana, primeiro é preciso entender o papel fundamental desempenhado pelas políticas migratórias relativamente abertas dos EUA no setor de alta tecnologia.

Também é preciso entender porque as pessoas desse setor veem a ordem executiva de Trump e as outras possíveis medidas de combate à imigração como uma catástrofe: esse será o fim dos EUA como um centro capaz de atrair os melhores inventores do mundo.

“O fenômeno do Vale do Silício provavelmente não resistiria, pois não representa um padrão visto no resto do mundo”, afirmou John Collison, imigrante irlandês que é um dos fundadores da Stripe, uma startup de pagamentos on-line criada há seis anos em San Francisco.

Uma das razões que permitem que o Vale do Silício exista, segundo ele, é o fato de ser um lugar aberto para pessoas vindas de muito longe. “Eu viajo pelo mundo todo e, por onde passo, as pessoas me perguntam como replicar o modelo do Vale do Silício em Londres, Paris, Cingapura ou na Austrália.”

A razão pela qual esses países fracassaram na tentativa de criar centros de tecnologia é o fato de que todo mundo quer ir para San Francisco.

“Os EUA estão engolindo os talentos mundiais. Veja todas as principais empresas de tecnologia e vai notar que a esmagadora maioria está nos EUA. Isso não é uma situação normal e só acontece porque fomos capazes de criar um sistema em que as melhores cabeças querem vir para o Vale do Silício”, afirmou Collison.

Contudo, afirmou ele, “creio que a situação é delicada”. Sob o governo Trump, essa dinâmica atraente para os imigrantes pode mudar – e pode levar o setor de tecnologia dos EUA à ruína.

Para quem é de fora, isso pode parecer alarmismo e talvez um pouco arrogante. Com frequência o Vale do Silício é devidamente criticado por sua suposta meritocracia, enquanto na verdade não é capaz de garantir medidas básicas de diversidade e inclusão. Mulheres e minorias não asiáticas representam uma fração diminuta dos quadros de funcionários do setor, além de uma porção ainda menor de executivos e investidores de risco. Em resumo, o setor tecnológico está nas mãos de universitários brancos, assim como praticamente qualquer outro setor.

No entanto, até mesmo um passeio despretensioso pela história do setor de tecnologia revela o enorme papel dos imigrantes.

Em 2016, pesquisadores da Fundação Nacional por Políticas Americanas, um think tank apartidário, estudou 87 startups privadas dos EUA cujo valor de mercado é de mais de US$ 1 bilhão. Eles descobriram algo impressionante: mais da metade delas foi fundada por uma ou mais pessoas de fora dos EUA. Além disso, 71 por cento das empresas empregava imigrantes em funções executivas importantes.

Coletivamente, essas empresas, que incluem nomes como Uber, Tesla e Palantir, criaram milhares de empregos e acrescentaram bilhões de dólares à economia dos EUA. Seus fundadores vieram do mundo todo – Índia, Grã-Bretanha, Canadá, Israel e China, além de muitos outros lugares no mundo.

Existem muitas teorias que podem explicar porque os imigrantes são tão bem sucedidos no setor de tecnologia. Muitos trabalhadores do setor nascidos nos EUA afirmam que não faltam americanos para preencher as vagas em muitas empresas de tecnologia. Pesquisadores revelam que existem graduandos em número suficiente nas universidades americanas para preencher as vagas. Críticos da abertura do setor aos imigrantes afirmam que a questão se resume a dinheiro – as empresas de tecnologia tiram proveito de programas de visto, como o sistema H-1B, para contratar imigrantes por valores mais baixos do que pagariam para norte-americanos.

Contudo, se essa crítica pode ser verdadeira em algumas partes do setor de tecnologia, ela ignora o que acontece entre as maiores empresas do Vale do Silício. Uma noção errada é a ideia de que ele funciona como uma fábrica; segundo essa visão, as empresas de tecnologia podem contratar praticamente qualquer pessoa de qualquer lugar do mundo para realizar determinada função.

Contudo, as empresas mais ambiciosas de tecnologia não são como fábricas. Elas são mais parecidas com times de futebol. Estão sempre em busca das melhores pessoas do mundo para criar um produto completamente novo e nunca antes visto, para reimaginar por completo o que aparelhos e aplicativos deveriam fazer.

“Não se trata de contratar dezenas ou centenas de milhares de pessoas para trabalhar em fábricas. Estamos falando de ideias capazes de mudar tudo o que conhecemos”, afirmou Aaron Levie, um dos fundadores e executivo-chefe da Box, empresa de armazenamento de dados na nuvem.

E por que os chefões do setor acreditam que os imigrantes são melhores para ter esse tipo de ideia? Em parte é uma questão numérica. Conforme aponta o investidor de risco Paul Graham, os EUA têm apenas cinco por cento da população mundial; isso explica porque a maioria das melhores ideias do mundo virá de pessoas que não nasceram nos EUA.

Se pensarmos em algumas das ideias com mais ramificações no mundo da tecnologia, será possível perceber que boa parte delas foi desenvolvida por imigrantes. Por exemplo, o negócio de marketing do Google – de onde vem a maior parte de seu faturamento e lucratividade, a máquina que permite a contratação de milhares de pessoas nos EUA – foi criada por três imigrantes: Salar Kamangar e Omid Kordestani, que vieram do Irã, e Eric Veach, do Canadá.

Contudo, não se trata apenas de uma questão numérica. Outra razão é que estrangeiros trazem novas perspectivas que levam a novas ideias.

Mike Krieger, imigrante do Brasil que é um dos fundadores do Instagram, o aplicativo social de fotografia, afirmou que uma das razões para que seu aplicativo tenha obtido sucesso instantâneo e internacional é o fato de ele ter eliminado praticamente todos os textos do aplicativo. Tomando por base sua infância no Brasil, ele sabia que a língua inglesa impediria a adoção do aplicativo na maior parte do mundo.

“A cada passo da criação, queríamos nos assegurar de que estávamos fazendo algo capaz de atrair pessoas do mundo todo”, afirmou.

Collison, da Stripe, afirmou que não seria capaz de imaginar uma empresa sem imigrantes. “Nos primeiros estágios do desenvolvimento de uma empresa, você geralmente conta com um conjunto muito específico de coisas que precisa fazer, e a lista de pessoas capazes de fazer isso é bem pequena”, afirmou.

Nos primeiros anos de existência, a Stripe precisou de engenheiros e executivos capazes de construir um sistema que pudesse transferir dinheiro ao redor do mundo todo; eles precisavam criar um novo sistema de inteligência artificial para detectar fraudes; e precisavam convencer os reguladores e outras empresas de que seria seguro e legal processar pagamentos por meio da Stripe. Todos esses cargos foram ocupados por imigrantes.

“O fato é que é possível fazer isso no Vale do Silício, o talento já está aqui ou pode ser trazido para cá, o que faz toda a diferença. É isso que permite que o esquema funcione”, concluiu.

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