O problema da Tesla: superestimando a automação, subestimando os humanos
Seres humanos ainda são muito mais capazes de se adaptar à mudança do que a inteligência artificial (IA)
Janaína Ribeiro
Publicado em 11 de outubro de 2018 às 18h32.
Última atualização em 11 de outubro de 2018 às 18h33.
A Tesla esperava produzir 5.000 novos carros elétricos Modelo 3 a cada semana em 2018. Até agora, não conseguiu fabricar nem a metade desse número. Questionado sobre o assunto, o CEO da empresa, Elon Musk, afirmou que "a automação excessiva foi um erro" e que "os seres humanos são subestimados".
Ele não está errado - o recente impulso para a automação total ignorou a importância da adaptabilidade. Os seres humanos ainda são muito mais capazes de se adaptar à mudança do que a inteligência artificial (IA). A longo prazo, a IA tem o potencial de substituir trabalhadores humanos, mas, por enquanto, os líderes precisam determinar a velocidade certa de mudança.
A fábrica da Tesla no Vale do Silício é altamente automatizada. No início, Musk entendia que qualquer processo seguindo uma sequência de etapas predefinidas e ocorrendo em um ambiente razoavelmente controlado, como um chão de fábrica, poderia ser automatizado por inteligência artificial e robôs. E isso é algo que deve ser creditado a ele.
Mas enquanto os sistemas autônomos estão se desenvolvendo rapidamente, os seres humanos permanecem muito melhores em se adaptar às mudanças imprevistas. Quando se trata de trabalho complexo de fábrica, isso é algo que não deve ser subestimado. Olhando para trás nos problemas de produtividade da Tesla, Musk, sem dúvida, perdeu a importância da adaptabilidade na fabricação. A probabilidade de pequenos erros e situações imprevistas é proporcional à complexidade do processo, especialmente quando o processo ocorre no mundo físico.
Inteligência adaptativa
Humanos e outras formas de vida inteligente evoluíram para sobreviver em um mundo em constante mudança. Por esta razão, eles podem lidar notavelmente bem com situações imprevistas e discrepâncias entre eventos esperados e reais. Como o cientista cognitivo Gary Marcus enfatiza, há um monte de coisas “que entram na inteligência humana, como a nossa capacidade de cuidar das coisas certas ao mesmo tempo, de raciocinar sobre elas para construir modelos do que está acontecendo a fim de antecipar o que pode acontecer em seguida e assim por diante ”.
Humanos e animais também podem adaptar seus corpos a situações radicalmente diferentes, a fim de alcançar seus objetivos. Por exemplo, podemos avançar caminhando, nadando, pulando, escalando e rastejando - e podemos fazer isso mesmo se perdermos o uso de um membro. Esses aspectos dinâmicos dos sistemas biológicos ajudam a lidar com mudanças radicais em situações altamente complexas.
O aprendizado de máquinas, por outro lado, ainda não está no nível e adaptabilidade da inteligência humana. Claro, fizemos um grande progresso. Hoje, os algoritmos avançados de IA, inspirados nos sistemas nervosos, podem aprender a reconhecer situações semelhantes, como um semáforo ficando vermelho ou uma bola caindo na rua ainda melhor que os humanos. Desenvolvimentos em robótica também significam que novos robôs feitos de materiais macios podem se adaptar fisicamente a objetos imprevistos no ambiente físico. Mas, em ambos os casos, a adaptabilidade é limitada a variações dentro de uma categoria restrita de objetos ou eventos.
A verdade é que ainda não dominamos o design de robôs e IA que são resilientes o suficiente para responder a ambientes imprevisíveis. Tomemos o exemplo dos robôs usados na indústria de embalagens. Veículos guiados automatizados com inteligência on-board limitada podem apenas seguir instruções simples de programação, levando-os ao longo de rotas fixas em um ambiente definido. Esses robôs podem ser capazes de pegar um produto e colocá-lo em uma caixa, sem a capacidade de fazer algo mais complexo. Quando o trabalho mudar, o robô terá que ser substituído.
Robôs móveis mais complexos também estão em uso. Eles têm sensores embutidos e scanners, bem como software que permite detectar o ambiente e escolher a rota mais eficiente para que um produto não seja necessariamente colocado no mesmo local todas as vezes. Esses robôs mais complexos são mais flexíveis e adaptáveis, mas ainda estão muito distantes do que os sistemas biológicos podem fazer.
Isso poderia ser um problema para fábricas excessivamente automatizadas onde pequenas discrepâncias físicas (uma roda quebrada, desgaste no solo, peças imprecisamente posicionadas) podem se acumular rapidamente e resultar em situações imprevisíveis (um componente não está onde deveria estar, um robô está faltando). Quando um processo muda ou a fábrica começa a fabricar um novo produto, é necessário reconfigurar o equipamento e encontrar uma solução diferente. Isso ainda não está totalmente ao alcance da IA e da robótica.
Automação completa
Musk deixou publicamente claro seu desejo de criar uma fábrica totalmente autônoma. Seu objetivo subjacente é superar os limites da velocidade humana. Com maior velocidade, mais produção pode ser alcançada. Mas em ambientes complexos, como uma fábrica altamente automatizada, há a necessidade de robôs altamente adaptáveis que possam responder a situações imprevistas e uns aos outros como os sistemas biológicos. Introduzir esse tipo de resiliência biológica em robótica e IA requer mais pesquisas.
A primeira envolve testar a automação robótica dentro de um conjunto definido de processos, como a coleta de matéria-prima e a colocação na linha de montagem. A segunda envolve a expansão desse teste para múltiplas funções e processos, como combinar a matéria-prima e embalar o produto. A terceira etapa é implantar colegas de trabalho robóticos e IA adaptativa como assistentes humanos. Hoje, isso é o melhor que podemos esperar.
Ainda não está claro quando teremos a tecnologia para automação completa sem intervenção humana (estágio quatro) e qual será a forma, mas Musk deve ser elogiado por tentar. Ele pode ter subestimado os humanos, mas o que ele está aprendendo é precioso e o ajudará a avançar à frente dos outros no futuro.
Bettina Büchel é professora de Estratégia e Organização no IMD.
Dario Floreano é Professor de Robótica e A.I., EPFL-École Polytechnique Fédérale de Lausanne - Instituto Federal Suíço de Tecnologia em Lausanne
O IMD e EPFL executam conjuntamente o TransformTECH, para ajudar os participantes a usar novas tecnologias em suas transformações de negócios.