Novos ciberguerreiros do Pentágono
As forças armadas norte-americanas estão se preparando para combates digitais de maneira ainda mais extensa do que deram a entender em público
Da Redação
Publicado em 5 de outubro de 2010 às 16h44.
Washington - Proteger poços de água e silos de grãos contra invasões inimigas é uma atividade tão antiga quanto a guerra. Na Idade Média, recursos vitais eram acumulados por trás das muralhas dos castelos, protegidos por fossos, pontes levadiças e cavaleiros armados de espadas afiadas.
Hoje, os planejadores de segurança nacional dos Estados Unidos estão propondo que a infraestrutura crítica do século 21 --redes de energia, comunicações, água e serviços financeiros-- seja protegida da mesma maneira contra invasores virtuais e outros inimigos.
As muralhas seriam virtuais, e seu perímetro seria policiado pelo Pentágono e contaria com o apoio de armas capazes de percorrer o globo em fração de segundo para destruir alvos.
Um estudo conduzido pela Reuters e envolvendo dezenas de entrevistas como militares, funcionários do governo e especialistas externos demonstra que as forças armadas norte-americanas estão se preparando para combates digitais de maneira ainda mais extensa do que deram a entender em público. E manter as indústrias essenciais do país em funcionamento é aspecto importante, mas controverso, da missão.
"As melhores defesas das redes militares terão pouca importância a menos que nossa infraestrutura civil também seja capaz de resistir a ataques", diz William Lynn, secretário assistente da Defesa norte-americano e encarregado de remodelar as capacidades militares para uso no campo de batalha digital emergente.
Qualquer grande conflito futuro, diz ele, envolverá inevitavelmente guerra cibernética que poderia bloquear redes de energia, transportes e serviços bancários, causando "imensas" perturbações econômicas.
Mas nem todos concordam que as forças armadas deveriam, ou mesmo tenham a capacidade de, proteger essas redes. Na verdade, alguns observadores do setor privado temem que transferir a responsabilidade para o Pentágono seja tecnologicamente difícil, e possivelmente contraproducente.
Por enquanto, porém, os proponentes da mudança parecem estar em vantagem. Os argumentos deles foram reforçados pela recente emergência do Stuxnet, um worm daninho de procedência desconhecida que ataca módulos de comando de equipamento industrial.
Os especialistas descrevem o worm como o primeiro dos ciber mísseis teleguiados. O Stuxnet atingiu o Irã de forma especialmente forte, prejudicando o progresso do programa nuclear de Teerã, mas também causou problemas em outros locais.
O vírus correu o mundo, Rússia, China, Israel e outros países estão correndo para fechar as brechas de suas redes. Eles também estão construindo arsenais digitais e "bombas lógicas", programas projetados para interferir com a operação de um computador se condições específicas forem cumpridas, afirmam especialistas.
Os maiores fornecedores do Pentágono, incluindo Lockheed Martin, Boeing, Northrop Grumman, BAE Systems e Raytheon, tem cada um grandes linhas de produtos se serviços para um mercado de militar de ciberinteligência estimado entre 80 bilhões e 140 bilhões de dólares por ano no mundo.
Russos, chineses
Autoridades norte-americanas tem demonstrado cada vez mais preocupação sobre supostas invasões russas e chinesas na rede de eletricidade, que depende da Internet para funcionar. Pequim, que tem relacionamento difícil com os Estados Unidos por conta de vendas de armas para Taiwan, "mirou contra a infraestrutura dos EUA com bombas lógicas", disse o ex membro do Conselho Nacional de Segurança, Richard Clark, no livro "Cyber War", de 2010. A acusação é negada pela China.
A ideia é ter um "Ciber Comando" com uma sede com cerca de 1.100 funcionários, a maioria militares, com uma proposta de orçamento de cerca de 150 milhões de dólares.
Além de garantir a integridade dos computadores do Departamento de Defesa dos EUA, o comando poderia promover ataques por redes de computadores no exterior.
"Você pode transformar um computador ou uma usina de energia em um pedaço inútil de metal", disse uma fonte com conhecimento dos trabalhos de desenvolvimento das capacidades de guerra cibernética dos EUA. "Poderemos fazer todo o tipo de coisas que serão úteis em uma campanha militar equilibrada."
Tais armas poderiam, por exemplo, explodir uma fábrica de produtos químicos instruindo seus computadores para aumentar a temperatura de câmaras de combustão ou interromper a atividade de uma usina hidrelétrica por meses por meio de sabotagem das turbinas.
Um documento revelado em maio de 2009 tirou o véu de sobre um dos programas secretos de ciberarmas dos EUA. O documento descrevia o software "Projeto Suter", aparentemente projetado para invadir redes de comunicação inimigas, incluindo as usadas no rastreamento e ataque a aviões de guerra inimigos.
Nova corrida armamentista
O mundo teve um relance sobre como pode se parecer uma guerra eletrônica em 2007, na Estônia, e na Geórgia, em 2008, quando ciberataques interromperam redes de comunicação durante conflitos com a Rússia.
Agora o Stuxnet está assumindo os holofotes das preocupações dos especialistas em segurança ao ser considerado como o primeiro caso descoberto de software invasivo projetado para sabotar controles industriais.
"O Stuxnet é um protótipo alarmante de uma ciberarma que levará a uma nova corrida armamentista no mundo", disse a produtora de software antivírus Kasperky Lab, sediada em Moscou. "Desta vez será uma corrida por armas eletrônicas."
O programa tem como alvo sistemas de controles fabricados pela Siemens. Irã, alvo de sanções da ONU por causa de seu programa nuclear, tem sido o país mais atingido pelo worm, segundo especialistas como a companhia norte-americana de tecnologia Symantec.
Perguntado sobre o vírus, o vice-almirante da Marinha dos EUA Bernard McCullough, diretor da área naval do Ciber Comando, disse à Reuters que a praga "tem algumas capacidades que não tínhamos visto antes."
Descoberto em junho, o Stuxnet é capaz de reprogramar software que controla equipamentos como braços robóticos, portas de elevadores e sistemas de controle climático, disse Sean McGurk, que tem estudado a praga para o Departamento de Segurança Interna dos EUA em um laboratório que seleciona vírus dispersos pela Internet para testes.
"Não estamos avaliando agora de onde veio, mas como podemos reduzir sua disseminação", afirmou.
Segundo o secretário-geral da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan), Anders Fogh Rasmussen, acredita que a ciberataques "são um problema crescente e que pode atingir níveis que ameacem os interesses fundamentais de segurança da aliança".
Um documento de Rasmussen a ser submetido para aprovação pelos membros da Otan durante uma cúpula que acontecerá em Lisboa em 19 e 20 de novembro propõe um papel mais proeminente da ciberdefesa para a aliança.
Na reunião, os líderes vão concordar que muralhas e castelos sozinhos não são mais uma opção.
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