Tecnologia

Nathan Myhrvold, um grande inventor?

Ou um obstáculo à inovação? Conheça Nathan Myhrvold, um cientista brilhante dono de 30 000 patentes - e de uma das empresas mais controversas do mundo

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DR

Da Redação

Publicado em 3 de maio de 2010 às 10h25.

"Não sei um jeito simples de explicar o que faço", disse o empreendedor americano Nathan Myhrvold numa palestra recente. Se nem o próprio fundador é capaz de encontrar uma explicação, não estranha que a Intellectual Ventures seja uma das mais controversas empresas do mundo. Mas algumas descrições podem ajudar a jogar luz sobre um dos empreendedores mais admirados - ou odiados - do setor de tecnologia. Em primeiro lugar, é preciso saber que Nathan Myhrvold teve uma carreira extremamente bem-sucedida. Aos 14 anos estava na universidade. Aos 23 estudava com Stephen Hawking na Universidade de Cambridge. Aos 27 havia fundado e vendido a Dynamical Systems Research, uma empresa de software, para a Microsoft. Aos 41, depois de ter ocupado o cargo de diretor da Microsoft e de ser um dos homens de confiança de Bill Gates para questões tecnológicas, já havia deixado a empresa com uma fortuna estimada em quase 1 bilhão de dólares. Foi então que Myhrvold, hoje com 51 anos, criou a Intellectual Ventures. A melhor definição para a IV talvez seja chamá-la de empresa de ideias. Myhrvold criou um negócio que mistura características de um fundo de investimento com uma fábrica de inovação, em uma proporção que nunca havia sido vista antes. E foi então que seu brilhantismo começou a ganhar contornos sombrios, pelo menos de acordo com seus críticos.

A Intellectual Ventures atua na compra e no registro de patentes. A quantidade é assustadora: em pouco menos de dez anos de vida, a empresa já é dona de 30 000 patentes, além de contar com 5 bilhões de dólares para investimentos, entre recursos próprios do fundador e dinheiro captado com investidores. Somente nos últimos dois anos, a companhia registrou 10 000 novas patentes, muito mais que empresas tradicionalmente inovadoras, como Microsoft e Samsung. O modelo de negócios da Intellectual Ventures é acumular patentes, de todo e qualquer tipo, em grandes quantidades. No jargão corporativo, a empresa é considerada uma "entidade não praticante", ou seja, as invenções por ela controladas não são utilizadas na fabricação de produtos ou na prestação de serviços. É justamente essa matéria-prima - a propriedade intelectual - que cria o cisma em torno da empresa. Os admiradores de Myhrvold veem nele um grande defensor das inovações e das invenções, pois um dos objetivos da IV é recompensar financeiramente donos de patentes que são usadas indevidamente por grandes empresas. De outro lado, críticos temem justamente o contrário: ao transformar as patentes em moeda pura e simples, Myhrvold estaria desvirtuando as leis de proteção da propriedade intelectual e, efetivamente, sufocando as inovações.

Até agora, a empresa de Myhrvold nunca protagonizou nenhuma disputa judicial, prática que o próprio empresário diz condenar. Mas os precedentes são muitos. Em 2005, a Research in Motion (RIM), fabricante do BlackBerry, quase teve seu serviço de e-mail sem fio interrompido por causa de uma contestação judicial apresentada por outra holding de patentes, a NTP. O episódio só foi resolvido quando a RIM aceitou pagar 612 milhões de dólares pelo licenciamento da propriedade intelectual. Para Daniel McCurdy, diretor da Allied Security Trust, associação de empresas cuja missão é proteger seus integrantes em processos de infração de patentes, trata-se de uma questão de tempo até que a Intellectual Ventures passe a recorrer ao mesmo tipo de expediente para poder remunerar seus investidores. "Os acordos logo mais vão evoluir para disputas na Justiça como meio automático de garantir o retorno financeiro", diz McCurdy.


Myhrvold, naturalmente, nega que seu objetivo seja simplesmente tornar outras empresas reféns de seus ativos intelectuais. Ele aponta companhias de grande porte, como IBM e Texas Instruments, que recebem 1 bilhão de dólares por ano de quem usa suas ideias. "Quero alcançar o que essas empresas conquistaram", disse ele numa entrevista à revista americana Fortune. Mas existe uma diferença fundamental. Obter patentes não é a atividade-fim dessas companhias. A estratégia da IV, na opinião de McCurdy, é a falta de contrapartida. "Eles podem bloquear as vendas de uma empresa, mas nunca pagarão um centavo pelo uso de patentes, porque não criam produto algum", diz. O que garantiu até hoje a continuidade do modelo é uma espécie de equilíbrio de forças. "Co mo todas as empresas de tecnologia detêm seu conjunto de patentes, prevalece um acordo tácito", diz Ronaldo Lemos, diretor no Brasil da Creative Commons, organização não governamental que defende uma mudança radical nas regras de proteção da propriedade intelectual. "Eu não te processo pelo uso de minhas patentes, e você também não me processa por eu ter feito a mesma coisa", diz Lemos. Uma das suspeitas que recaem sobre a Intellectual Ventures é que as companhias que seriam alvo em potencial de processos - nomes de primeiro escalão, como Microsoft, Verizon, Intel, Sony, Apple, Ebay e Google - buscariam se proteger fazendo investimentos na empresa de Myhrvold. Nenhuma delas, porém, se pronuncia a respeito.

A seu favor, Myhrvold tem seu reconhecido potencial intelectual para continuar defendendo a legitimidade do negócio. E isso não é pouco. Ele entrou na faculdade de matemática aos 14 anos e se formou aos 20 na Universidade Princeton, ao mesmo tempo que defendeu uma tese de mestrado em geofísica e física espacial. Sua empresa é um grande ponto de encontro de inovadores de todas as áreas do conhecimento. Seus interesses passam obviamente pelo terreno da tecnologia da informação, um negócio tradicionalmente fundado sobre ideias, mas vão muito além de software. Uma das ideias que saíram dos brainstorms promovidos pela Intellectual Ventures é recriar, de forma artificial, os efeitos de uma grande erupção vulcânica. Por quê? Porque o efeito de uma erupção de grande porte é a liberação de moléculas na atmosfera que seriam capazes de absorver grandes quantidades de CO2 e, portanto, ajudar no combate ao aquecimento global. A teoria nunca foi testada e seus efeitos também não podem ser inteiramente antecipados numa mera simulação. Mas essa "reengenharia do clima" é um tema que vem ganhando adeptos na comunidade científica diante da impossibilidade de chegar a uma solução política de consenso para a redução de emissões.

Esses interesses supostamente disparatados são a essência da personalidade inquieta de Myhrvold. Além das atividades na empresa, ele consegue arrumar tempo para fotografar temas silvestres, participar de um grupo de expedições paleontológicas que já encontrou oito esqueletos de tiranossauros desde 1999, apoiar equipes de pesquisas de vida extraterrestre que inspiraram o filme Contato e vencer concursos de churrasco nos Estados Unidos como chef de cozinha. "Nathan é uma das pessoas mais interessantes e agradáveis do mundo para ter como companhia num café", diz McCurdy, seu opositor da Allied Security Trust. Mas talvez ele seja muito mais que isso. Myhrvold escreveu num artigo recente que empresas como a sua, que lidam com certo "capital de invenções", são capazes de turbinar o avanço da tecnologia, criar empresas mais dinâmicas e inovadoras e mudar o mundo para melhor. A nobreza desse objetivo, de fato, ninguém contesta - a questão é saber se os meios que esse inventor genial propõe são os mais adequados.


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