Na era do vício digital, a abstinência e a liberdade de 24 horas sem WhatsApp
Você já tentou ficar um dia sem o celular? Veja o que perdemos quando a nossa atenção está totalmente no mundo digital
Redação Exame
Publicado em 23 de junho de 2024 às 16h29.
Por Fernando Goldsztein, fundador do The Medulloblastoma Initiative e Conselheiro da Childrens National Foundation
Você pode não acreditar, mas o fato descrito no título deste texto realmente aconteceu comigo. E não foi em razão de um voo de 20 horas para Toquio, tampouco qualquer problema com o aplicativo que atende mais de 150 milhões de brasileiros.
Aliás, nem quero pensar no que aconteceria caso o Whatsapp ficasse fora do ar por 24 horas. O país pararia, para dizer o mínimo.
Muito já escrevi sobre o vício dos jovens – e dos não tão jovens assim – com essa fascinante caixinha de aço e vidro que carregamos orgulhosamente nos nossos bolsos e bolsas.
Alguns podem achar um exagero afirmar que o celular se tornou uma extensão do corpo, mas eu concordo com essa tese. Nem me darei ao trabalho de listar todas as utilidades do celular, pois o espaço de que disponho aqui não seria suficiente.
Vivemos hoje em dia no mundo do imediato, do instantâneo. Todos (com raras exceções) estamos com o pescoço curvado, mergulhados nos nossos aparatos. As experiências são registradas e postadas na hora, as notícias chegam sem trégua, encontramos qualquer pessoa e somos encontrados a qualquer momento.
Fugimos do tédio como o diabo foge da cruz. Porém, vale lembrar as palavras da professora de psiquiatria e autora do livro “Nação Dopamina”, Anne Lembke: “Queiramos ou não, o tédio faz parte da nossa existência. Nos força a encarar questões maiores de significado e propósito da vida. O tédio gera uma oportunidade para descobertas, para inovações. Cria espaço para novos pensamentos, sem os quais estaremos apenas reagindo aos estímulos à nossa volta ao invés de permitir estarmos dentro das nossas próprias experiências de vida”.
O episódio de 24 horas sem o WhatsApp
Volto ao fatídico episódio das 24 horas. Acabo de chegar de viagem vindo de Orlando para Porto Alegre (com uma escala no Panamá). Ao fazer as malas resolvi colocar o celular para carregar. Estava com diminutos 15% de bateria, um nível em que pessoas ansiosas — como eu — raramente deixam chegar. Para minha surpresa e aflição, não foi possível carregar o aparelho.
Tentei mais de um carregador, além de diferentes tomadas do quarto do hotel e nada. A bateria foi desfalecendo na minha frente: 14%, 13%, 12% … 3%, 2%, 1%, até o aterrorizante negrume completo.
Por sorte, apesar de fazer as minhas compras através do aplicativo, sempre carrego o cartão de crédito físico. Portanto, ao menos um consolo, não morreria de fome e nem de sede no meu trajeto de volta para casa.
Já havia ficado sem bateria no celular outras vezes, é claro. Mas, não poder carregar? Isso nunca.
As primeiras horas de abstinência foram as mais difíceis, sem dúvidas. Depois, com o passar do tempo, fui me acostumando com a ideia e relaxei. Confesso que até achei interessante a experiência de estar desconectado, de não poder ser encontrado por ninguém.
Quando finalmente consegui fazer meu celular voltar a funcionar, já era tarde demais.
Redescobri, depois de tantos anos, que existe o lado bom da desconexão, de não ficar grudado nas mensagens ou nas redes sociais.
Acredite, sobra mais tempo para as coisas realmente importantes como curtir a família, ler um bom livro. Ou, como bem aconselha a professora Lembke, simplesmente pensar na vida.