Hyperloop: ‘Transporte do futuro’ chega ao Brasil; mas é viável?
Empresa HyperloopTT divulgou estudo que mostra viabilidade de transporte ultrarrápido entre Porto Alegre e Caxias do Sul, mas tecnologia nunca saiu do papel
Laura Pancini
Publicado em 2 de setembro de 2021 às 11h00.
Imagina trabalhar em Caxias do Sul, poder ir almoçar em Porto Alegre e conseguir voltar a tempo para o trabalho? É este cenário futurístico que a empresa HyperloopTT está prometendo trazer ao Rio Grande do Sul com o hyperloop, transporte ultrarrápido com o mesmo nome da companhia.
Até agora, ela é a única responsável pelo primeiro e único sistema de teste em grande escala da tecnologia hyperloop no mundo, emToulouse, naFrança. Outras parcerias estão em desenvolvimento nos Emirados Árabes Unidos, EUA e Alemanha, mas, por enquanto, nenhum projeto saiu do papel.
Em seus estudos passados, a empresa afirma que os sistemas são economica e tecnicamente viáveis e que gerariam lucros sem exigir subsídios governamentais. Apesar disso, o hyperloop está longe de ser uma panaceia: é contestado pelo público por seu preço salgado, tecnologia avançada e potenciais riscos.
Na pesquisa divulgada nesta quinta-feira, 2, feita em parceria com a Universidade Federal do Rio Grande do Sul e o Governo do Estado,foi estimado que haveria uma redução de 2,3 bilhões de reais no custo operacional do trajeto, além da geração de aproximadamente 60.000 empregos e cerca de 95.000 toneladas de CO2 a menos na atmosfera.
Com estes números, pode ser difícil entender por que muitos especialistas em túneis, engenheiros e outros profissionais do setor duvidam seriamente das chances do hyperloop um dia funcionar —e, que se um dia abrir as portas, pode levar a um resultado catastrófico.
O que é a tecnologia hyperloop?
A ideia do hyperloop é reproduzir em solo as mesmas condições encontradas pelos aviões na altitude. O transporte é feito por cápsulas que viajam dentro de um tubo de baixa pressão atmosférica.
No lugar de trilhos, a empresa promete um sistema magnético, que faz as cápsulas flutuarem dentro dos tubos. Sem o atrito do vento ou dos trilhos, as cápsulas alcançam velocidades que podem chegar a 1.2000 quilômetros por hora, com baixo consumo de energia.
O conceito é muitas vezes atribuído a Elon Musk , que tem uma outra companhiavoltada para a ideia, chamada Boring Company. Apesar de a ideia existir há mais de 100 anos, o presidente executivo daTeslalançou um artigo público em 2013 descrevendo um sistema ferroviário de levitação magnética que passa por um tubo e sugeriu que empresas e universidades fossem atrás e desenvolvessem a tecnologia hyperloop.
Novo estudo mostra viabilidade do projeto no Brasil
A pesquisa feita em parceria com a UFRGS considerou o período de cinco anos para a implementação do sistema e analisou os impactos do projeto no decorrer de 30 anos de funcionamento do transporte no sul do país.
A equipe por trás do projeto afirma ter priorizado um percurso que minimiza a distância entre as cidades e, ao mesmo tempo, se adequa à topografia do terreno para reduzir a necessidade de obras complexas relacionadas a túneis e viadutos e, assim, mitigar o impacto ambiental.
“O projeto da HyperloopTT rompe conceitos tradicionais e traz inovações tanto em termos de infraestrutura quanto em termos de operação de um sistema de transporte. Isso exigiu a articulação de vários saberes e o trabalho em equipe de profissionais de áreas como energia, previsão de demanda de carga, estudo de rotas, dentre outras, na Universidader”, disse a Dr. Christine Tessele Nodari, coordenadora do projeto pelo Laboratório de Sistemas de Transportes da UFRGS.
Veja mais detalhes do estudo:
O trajeto
Com o sistema, a HyperloopTT estima que o trajeto de 135 quilômetros dePorto Alegre a Caxias do Sul, que hoje é feito em duas horas de carro, poderá ser realizado em apenas 19 minutos e 45 segundos, em uma velocidade máxima de 835 quilômetros por hora.
No estudo, a empresaestima que, em 30 anos, haverá uma redução de 2,3 bilhões de reais no custo operacional deste trajeto, que também passaria pelas cidades de Novo Hamburgo e Gramado.
Economia
De acordo com as características geográficas da região, o estudo constatou que o custo total para a implementação do hyperloop, junto com os custos de operação e os impostos pelos próximos 30 anos, seria de 7,71 bilhões de reais.
A pesquisa estima que o valor investido seria compensado já nos primeiros cinco anos de funcionamento, principalmente com receita proveniente dos passageiros (52%) e empreendimentos (35%), além de aluguel de lojas nas estações (2%), publicidade (2%) e transporte de carga (1%).
Outra promessa está no estímulo da economia local desde o momento da construção. Seriam50.000 empregos diretos no setor de Construção durante o período de obras, 9.243 empregos diretos e indiretos e 2.077 empregos no setor de Energia Solar anualmente durante 30 anos.
Além da mobilidade urbana, outro setor que promete ser beneficiado na região é o imobiliário. Com cerca de seis anos de implementação do hyperloop,o estudo estima que deve ocorrer uma valorização de 27,4 bilhões de reais dos terrenos e propriedades no entorno das estações.
Sustentabilidade
O modal proposto pela HyperloopTT é alimentado por energia renovável e prevê a instalação de painéis fotovoltaicos em 80% do percurso Porto Alegre - Serra Gaúcha acima do solo.
Seu potencial de produção anual de energia é estimado em 339 GWh, enquanto o consumo energético é de apenas 73 GWh ao ano. Assim,o hyperloop poderá produzir 3,6 vezes mais energia do que consome e ser considerado um sistema com autossuficiência energética, em que a venda do excedente não é necessária para a sua sobrevivência.
A pesquisa também afirma que cerca de 95.000 toneladas de CO2 deixarão de ir para a atmosfera com a adoção do transporte no Rio Grande do Sul.
E por que duvidam do hyperloop?
Enquanto experimentos em pequena escala mostram que os fundamentos do hyperloop são ideais, realmente construir um tubo com centenas de quilômetros de comprimento com um vácuo perfeito e que consegue transportar grandes grupos de pessoas em cápsulas ultrarrápidas soa, no mínimo, como um dos maiores desafios da engenharia atual.
Além disso, o mundo real é muito diferente dos experimentes em escala reduzida. Existem inúmeros fatores que podem levar a um problema com grandes repercussões, especialmente se levar em consideração a estrutura do sistema: o que acontece quando a cápsula viajando a mais de 800 quilômetros por hora passa por alguma dificuldade técnica?
Um tubo só também significa que, no caso de um acidente, todas as cápsulas prestes a seguir o mesmo trajeto não conseguiriam e poderiam até ficar “no trânsito” dentro do percurso.
Em um sistema de cápsulas a vácuo, também é preciso levar em consideração o que aconteceria caso houvesse alguma descompressão no sistema. De acordo com análise do site Interesting Engineering , o trem aceleraria rapidamente com a entrada do ar e atingiria “velocidades supersônicas”. Defeitos na tubulação poderia causar uma descompressão e resultados desastrosos.
É também preciso considerar o fator social: o que aconteceria dentro do hyperloop em situações de emergência ou violência? No caso de alguma explosão, o tubo inteiro poderia ser afetado. Humanos são imprevisíveis e um esquema de segurança mais avançado pode resolver o problema, mas também aumenta os custos.
Por último, a tecnologia hyperloop é extremamente cara. O custo de operação previsto no estudo de viabilidade gaúcho, por exemplo, é de 7 bilhões de reais, apesar de prometer retorno em cinco anos. Mas, se levarmos em consideração todas as dificuldades em torno da tecnologia, construção e dia a dia, é preciso questionar se o investimento vale a pena ou se o modelo é adequado para o trajeto.
A ideia do hyperloop é incrível e pode, sim, se concretizar um dia. De qualquer forma, ainda é necessário mais pesquisa e investimento para que seja considerado um transporte público realmente eficaz. Seria o Brasil a plataforma de testes ideal para isso?
- Assine a EXAME e acesse as notícias mais importantes em tempo real.