Entorta, mas não quebra: a Corning investe 10% da receita em pesquisa para criar vidros flexíveis e indestrutíveis (Divulgação)
Da Redação
Publicado em 13 de janeiro de 2012 às 16h00.
São Paulo - Se você está lendo este texto sob a luz de uma lâmpada elétrica, comendo um sanduíche aquecido no forno de micro-ondas enquanto seu celular baixa um aplicativo e seu computador faz um download, você pode não saber, mas está rodeado de inovações geradas pela empresa americana Corning, criadora do super-resistente vidro Gorilla Glass, que equipa os celulares mais modernos.
Fundada há 160 anos em Nova York, a Corning domina uma alquimia que envolve vidraçaria avançada, o trato preciso de materiais químicos e um laboratório de pesquisas e desenvolvimento que participou de alguns dos momentos mais importantes da história.
Exagero? Então, antes de falar aqui sobre o Lotus Glass, o vidro que vai equipar a nova geração de TVs OLED, vamos voltar à década de 1880, quando Thomas Edison registrou a patente da primeira lâmpada elétrica incandescente comercial.
Apelidado “o mago”, devido ao apetite por inovações, Edison não foi genial apenas por pensar em novas soluções. Morador de Nova Jersey, foi também o pioneiro na produção em massa de produtos e, para isso, contou com a ajuda de um vidraceiro de Nova York chamado Amory Houghton.
Por afinidade e proximidade geográfica, a dupla uniu o gênio inventivo de Edison à notória qualidade da Corning Glass Works, vidraçaria fundada no bairro do Brooklyn, mas que se mudou para a cidadezinha de Corning, a cerca de 400 quilômetros de Nova York.
O sucesso foi tanto que Menlo Park, o local do laboratório do inventor, foi rebatizado de Edison Town. Hoje, ninguém tem dúvidas de que a marca Gorilla Glass é muito mais famosa do que a cidadezinha de Corning e seus 11 mil habitantes.
O laboratório manda
A participação na criação da primeira lâmpada elétrica bastaria para incluir o nome da Corning Glass na história, mas a empresa nunca foi só uma vidraçaria.
Em 1906, Amory Houghton inaugurou um pioneiro centro de pesquisas e desenvolvimento para pensar e desenhar novos produtos e aperfeiçoar sua linha industrial.
Ao longo das décadas, a sala no quarto andar da fábrica foi ganhando importância até ter seu próprio prédio, depois seu próprio complexo e chegar no atual conjunto de 150 mil metros quadrados e um orçamento de centenas de milhões de dólares, que cresce ano após ano. Mesmo durante a Grande Depressão, sempre foi regra na Corning investir 10% da receita em pesquisas.
“Até 2014, as vendas da Corning atingirão a marca de 10 bilhões de dólares ao ano, mas o mais importante é continuar inovando”, disse Wendell P. Weeks, presidente da Corning Incorporated durante o encontro anual com os acionistas, em abril deste ano. “As tendências que mais crescem atualmente estão criando dificuldades que só nós estamos posicionados para resolver”, concluiu.
Dessa política de incentivo à inovação surgiram produtos que fazem parte do nosso dia a dia, como as louças resistentes a temperaturas extremas que levam a marca Pyrex, lâmpadas para semáforos, lentes de óculos mais finas e que reagem à luz do ambiente, até a aplicação de silicone na construção civil.
O conhecimento avançado da Corning no trato do silicone rendeu uma joint-venture com a Dow Chemical, que teve como meta criar filtros para motores, mas que teve como resultado mais inovador a descoberta do silicone como insumo para implantes cirúrgicos.
Na área dos gadgets, outra participação importante da empresa foi na parceria com a RCA para a fabricação de um pioneiro tubo de raios catódicos usado num protótipo que viria a se tornar a televisão. A tecnologia de ponta da Corning também garantiu uma longa e frutífera parceria com a Nasa.
Quando a espaçonave Mercury entrou em órbita, levando a primeira tripulação americana ao espaço, era equipada com vidros resistentes ao calor fabricados pela Corning. Outro exemplo de colaboração entre os vidraceiros e a agência espacial foi o telescópio Hubble, que decolou em 1990 levando lentes de 2,4 metros feitas sob medida pela... Corning.
Bem antes do sucesso com os notebooks e os celulares equipados com Gorilla Glass, a Corning começava, nos anos 1960, uma pesquisa que lhe garantiria muitos lucros, mas também muitas dores de cabeça no mundo da tecnologia.
Atendendo a um pedido dos correios do Reino Unido, um time de três cientistas da empresa começou a explorar as possibilidades do uso da fibra óptica.
Dez anos depois, vencendo a concorrência de outros laboratórios, como o da AT&T, os doutores Robert Maurer, Donald Keck e Peter Schultz apresentaram o primeiro cabo de fibra óptica capaz de transmitir sinais por distâncias longas sem perdas significativas de qualidade. A dianteira nessa descoberta rendeu à Corning uma posição de destaque décadas depois, nos anos 90, quando a popularização da internet exigiu um upgrade geral nas redes de comunicação do mundo.
Empolgada com a nova área de atuação, em que era líder , a direção da companhia abriu várias fábricas e investiu esforços para oferecer sistemas completos de rede. Tudo ia bem até ocorrer, em 2000, o estouro da bolha das empresas de internet, grande parte delas clientes da divisão de fibra óptica da Corning.
Foram os anos mais difíceis. A crise pegou os vidraceiros em cheio e as ações da empresa chegaram a valer menos de 1 dólar, com mais de 5 mil demissões e o fechamento de plantas.
A recuperação não tardaria a acontecer, graças à intimidade centenária com os vidros. Depois da bolha das pontocom, as boas notícias chegaram com a explosão de vendas das telas finas para monitor, notebook e TV.
O sucesso das telas finas colocou de novo a Corning no rumo e, a partir de 2007, os lucros não pararam de crescer. O faturamento, hoje, é de 6,6 bilhões de dólares.
Além das telas grandes das TVs e notebooks, a venda de smartphones atingiu seu auge e o Gorilla Glass se transformou em objeto de desejo dos consumidores mais antenados. Só no ano passado, 200 milhões de aparelhos foram equipados com o vidro especial da Corning.
Resistentes a arranhões e pancadas, as telas com a tecnologia são resultado de uma mistura afinada de dióxido de silício com íons de sódio e outros materiais químicos, que formam uma folha com a espessura menor que a metade de um milímetro. Esse material é banhado em íons de potássio, o que altera sua consistência atômica, comprimindo mais a estrutura molecular e garantindo maior resistência.
Se parece difícil entender o processo, o produto final é impossível de confundir. Dell, Lenovo, LG, Motorola, Samung, Nokia e Sony já usam a tecnologia nos seus melhores aparelhos e é possível atestar a eficácia do Gorilla Glass riscando as telas com um prego, por exemplo.
Além disso, a Corning atendeu os projetos mais exigentes, ao fabricar vidros mais finos que os rivais. Isso ajudou os celulares a ficarem cada vez mais magros e com interfaces touchscreen com melhor resposta. Sempre cercada de mistérios quanto aos fornecedores e às tecnologias que usa, a Apple não confirma que o iPhone 4 usa uma tela projetada pela Corning, que, por sua vez, não nega, mas também não confirma.
A história mostra que a Corning deve ter um lugar relevante na fabricação das máquinas mais modernas do mundo daqui a uma centena de anos. Em vídeo que teve mais de 15 milhões de exibições no YouTube, chamado A Day Made of Glass (abr.io/1WGK), a Corning faz um exercício de futurologia em que várias interfaces digitais são exibidas em superfícies sensíveis ao toque, como TVs, espelhos, mesas, geladeiras e até o para-brisa dos carros. Apesar do ar futurista do filme, a produção de muitas dessas soluções já é viável por conta de produtos atuais da companhia.
Nos últimos anos, a empresa aumentou seu investimento em células fotovoltaicas e outras soluções de energia solar que poderiam alimentar telas finas com grande resolução e baixo consumo.
Graças ao domínio de uma técnica que envolve química, aparelhos únicos e engenheiros de ponta, a Corning anunciou, em outubro, a chegada do Lotus Glass, uma lâmina de vidro superfina que aguenta muito mais calor e por isso pode ser acoplada às placas e processadores de imagens mais potentes, sem deformar ou perder qualidade.
Essas lâminas podem ser a chave para a fabricação de televisores maiores, mais finos e com maior resolução. O uso externo desses painéis, em placas de trânsito interativas ou em propagandas exibidas na rua, também seria possível devido à resistência do material.
O Lotus Glass ao alcance dos fabricantes, no entanto, não significa que a tecnologia chegará rapidamente às lojas. Diferentemente do que ocorreu no mercado dos smartphones, a Corning não encontra facilidade para entrar no mercado de TVs.
Neste ano, chegou a reduzir suas previsões de ganho devido às vendas fracas de painéis que permitiriam fabricar TVs sem bordas ao redor da tela.
A Sony, única parceira, colocou a solução em poucos modelos. “A Corning é um empresa teimosa. Acreditamos no design sem bordas e que seremos parte disso assim que os fabricantes conseguirem exibir a imagem nas bordas”, declarou Jim Flaws, executivo financeiro. O analista Rod Hall, do J.P. Morgan, prevê dificuldades para a Corning devido à crise econômica na Europa e nos Estados Unidos.
Mas olhando para a história da companhia não é difícil apostar que seu papel de protagonista nos mercados que estão para ser inventados pode ainda durar tanto quanto as suas telas indestrutíveis.