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Da Califórnia para Pindorama

A obsessão pelo controle de custos mudou a geografia mundial da tecnologia. Conheça as empresas brasileiras que já ocupam espaço nesse novo mapa

EXAME.com (EXAME.com)
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Da Redação

Publicado em 9 de outubro de 2008 às 12h19.

Em julho deste ano, a empresa americana Oracle, segunda maior produtora de software do planeta, com faturamento de 9,7 bilhões de dólares em 2002, anunciou que dobrará para 6 000 pessoas a força de trabalho dos dois centros de desenvolvimento que mantém na Índia. Um mês antes, a alemã SAP fez um comunicado semelhante: dobrará sua operação indiana para 2 000 funcionários. A NEC, companhia japonesa de telecomunicações, comprou recentemente 6% da empresa chinesa de software SinoCom. O objetivo é ganhar espaço no mercado japonês com programas de computador desenvolvidos na China. Atualmente, 150 empresas chinesas prestam esse tipo de serviço para companhias japonesas.

As iniciativas de Oracle, SAP e NEC ilustram o que os especialistas em tecnologia da informação consideram uma tendência irreversível: a terceirização offshore. Em bom português, o termo significa que os serviços de tecnologia da informação das grandes companhias globais estão sendo cada vez mais transferidos para empresas instaladas em países estrangeiros, onde custam menos. Afinal, por que contratar um programador em Tóquio, Londres ou no Vale do Silício se um profissional do mesmo nível custa entre 30% e 50% mais barato na Índia ou na China?

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De acordo com um relatório divulgado pelo Forrester Research, instituto especializado em tecnologia da informação, cerca de 3,3 milhões de empregos, a maioria na área de tecnologia da informação, serão transferidos dos Estados Unidos para países como Índia, Rússia, China e Filipinas nos próximos 12 anos. O Gartner Group, outra empresa americana de pesquisas, prevê que quatro em cada dez executivos de tecnologia americanos fecharão algum tipo de contrato de terceirização offshore em 2004.

Mas e as empresas brasileiras? Será que podem aproveitar essa janela de oportunidade? "Trata-se de uma chance única para países como o Brasil também entrarem na rota das encomendas de serviços das grandes companhias mundiais", afirma o uruguaio Alfredo Behrens, doutor em economia pela Universidade de Cambridge, no Reino Unido, e especialista em estratégia de internacionalização de empresas. "O mercado global de serviços de tecnologia está com a porta aberta. Empresas brasileiras deveriam se apressar para atravessá-la."

O mesmo conceito de cadeia de suprimentos, adotado pela indústria de manufatura nos anos 70 e 80, está começando a ser transportado para os serviços de tecnologia da informação. "Num futuro próximo, as empresas criarão cadeias de suprimentos tecnológicos, como faz hoje uma montadora de veículos ao comprar peças de fornecedores de diferentes partes do mundo", afirma Chu Tung, presidente da subsidiária brasileira da EDS, especializada em prestação de serviços de TI.

De acordo com Tung, esse futuro já chegou a muitos lugares. Na própria EDS, cerca de 650 dos 6 000 funcionários da subsidiária brasileira trabalham exclusivamente para atender contratos de empresas estrangeiras. Os serviços podem ir de uma manutenção no sistema de vendas de bilhetes da American Airlines à assistência técnica de equipamentos e softwares para a Nasa. Em 2002, esse tipo de contrato respondeu por cerca de 15% do faturamento da EDS no Brasil, ou 120 milhões de reais.

Embora a empresa já tivesse uma equipe dedicada a prestar serviços internacionais desde 1993, esse tipo de atividade só ganhou volume nos últimos três anos. Não por acaso. De 1999 para cá, com as sucessivas desvalorizações do real diante do dólar, o custo de serviços de desenvolvimento de soft ware no Brasil tornou-se tão atraente quanto o indiano ou o chinês. De acordo com um estudo do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT) que comparou as indústrias de software indiana, chinesa e brasileira, o custo por hora de um analista de sistemas sênior brasileiro gira de 10 a 20 dólares, enquanto a hora de um indiano custa cerca de 24 dólares, e a de um chinês, de 10 a 24 dólares. Turbinada por cerca de 70 bilhões de reais de investimentos após a privatização do Sistema Telebrás, nossa infra-estrutura de telecomunicações também deixou de ser um empecilho para a exportação de serviços, normalmente transportados por cabos telefônicos e satélites.

Esses dois elementos coincidiram com a mudança de posicionamento de boa parte das empresas brasileiras de tecnologia, que recentemente se viram obrigadas a buscar negócios no exterior. "O mercado interno está próximo do limite", afirma Maurício Minas, vice-presidente da integradora de sistemas CPM, de São Paulo, sociedade entre Bradesco, GE e Deutsche Bank. Mas, ao contrário da Índia, o Brasil tem uma indústria de tecnologia da informação quase anônima no exterior. Numa edição recente, a revista Business 2.0, do Vale do Silício, traçou um mapa de prestadores de serviços offshore. Aparecem nele nações como Irlanda, Romênia, Gana ou Argentina, mas nem sinal do Brasil. Em pesquisa realizada pela consultoria A.T. Kearney e publicada na revista britânica The Economist, porém, o Brasil surge em terceiro lugar como o país mais atraente para terceirização de serviços, atrás apenas da Índia e do Canadá.

Brasil e Índia têm indústrias de software bastante parecidas em tamanho, ao redor dos 9 bilhões de dólares. Mas a Índia exportou 7,8 bilhões nos mais variados serviços tecnológicos em 2002, enquanto o Brasil ainda conta suas exportações em poucas centenas de milhões de dólares. Como o Brasil, a Índia também passou por um período de reserva de mercado. A IBM foi expulsa de lá em 1978. Mas o país promoveu a abertura pelo menos dez anos antes do Brasil, ainda na década de 80. No início, os indianos optaram por prestar serviços maçantes, que americano nenhum queria fazer: transcrever o código de programas que rodavam em computadores de grande porte para que pudessem funcionar em máquinas menores. Graças a isso, hoje a Índia detém 85% do mercado americano de serviços offshore.

Mas, atualmente, a indústria de software indiana vive uma crise de identidade: precisa mostrar ao mundo que consegue mais do que simplesmente executar tarefas repetitivas. Eis aí uma limitação indiana que a indústria de tecnologia brasileira deve explorar na briga pelo mercado mundial de serviços offshore. "Para criar um sistema de pagamentos bancários e um sistema de votação eletrônica como os brasileiros fizeram, não basta ter meia dúzia de feras em informática", afirma Alfredo Behrens. "É preciso ter pessoas com profundo conhecimento de negócios e com capacidade de tomada de decisão. Isso os outros países emergentes não têm."

A DTS, empresa paulistana de informática, já contratou executivos nos Estados Unidos para participar da elaboração de projetos locais de automação bancária. Outra empresa brasileira com atuação estratégica no exterior é a EverSystems, que desenvolve a arquitetura e a especificação dos sistemas de internet banking para clientes no México, na Venezuela e para as operações latino-americanas do próprio Citibank. O problema é que pouca gente lá fora sabe da capacitação das empresas brasileiras.

Que o diga o empresário paulistano Marco Stefanini, dono da Stefanini IT Solutions, que iniciou sua trajetória de internacionalização em 1997: "Ainda tem muita gente que pensa que vivemos na selva. Isso não é preconceito, significa apenas que a imagem brasileira no exterior não tem nenhuma relação com tecnologia, com modernidade". Para tentar driblar a dificuldade, a Stefanini caprichou na produção de um vídeo com conteúdo nada surpreendente para nós, brasileiros: prédios de multinacionais, estações do metrô e locais como a avenida Paulista, um dos principais centros de negócios do país. A primeira -- e malsucedida -- tentativa de Stefanini de prestar serviços no exterior aconteceu em 1990, quando a empresa abriu um escritório na Argentina. Em 1997, já com a experiência de administrar 13 escritórios no Brasil, a empresa voltou a se estabelecer na Argentina.

De lá para cá, a operação internacional só fez crescer. Atualmente, a Ste fanini presta serviços para clientes no Chile, Peru, Estados Unidos, México, Colômbia e Espanha. Boa parte dos contratos é executada nas nove fábricas de software brasileiras, localizadas em cidades como Jaguariúna, no interior de São Paulo, e Porto Alegre, no Rio Grande do Sul. Serviços offshore respondem por cerca de 15% da receita da empresa (que totalizou 172 milhões de reais em 2002). "Prestar serviços no exterior sempre foi um misto de estratégia e sonho", diz Stefanini.

"Mais de 90% do nosso esforço é gasto em apresentar o Brasil, não em mostrar nossa capacidade técnica", afirma Antonio Carlos Rego Gil, presidente da CPM, que faturou 512 milhões de reais em 2002. No fim do ano passado, a CPM contratou uma consultoria para estruturar sua operação nos Estados Unidos e a abertura de um escritório em Nova York, o coração financeiro americano -- até agora, a empresa só tinha representação na Flórida.

Neste momento, a maioria das prestadoras brasileiras de serviços de tecnologia também está correndo para se enquadrar nos padrões mundiais de desenvolvimento de software. Daí os processos de certificação segundo padrões mundiais terem se tornado tópico do momento tanto entre as empresas brasileiras quanto nas subsidiárias de multinacionais. "Para exportar, não basta ter preço", afirma Juliana Herbert, doutora em qualidade de software da Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos), de São Leopoldo, no Rio Grande do Sul. "É preciso dar garantias de qualidade e de prazo de entrega, o que só é conseguido com um bom método de trabalho."

Atualmente, pouco mais de uma dezena de empresas possuem algum nível da certificação mais reconhecida internacionalmente, conhecida pela sigla CMM. Nos últimos três anos, a EDS investiu cerca de 5 milhões de dólares para certificar as três fábricas de software brasileiras. A empresa é uma das poucas no Brasil a ter o nível 3 (o nível máximo de CMM é 5) e está com a avaliação do nível 4 marcada para dezembro deste ano. É bom mesmo que o Brasil corra. Não adianta esperar que os navegantes da economia global descubram o país por acaso na rota para a Índia.

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