Conheça os bastidores do Google Street View
As tecnologias usadas pelo Google para fotografar as cidades brasileiras - em breve, Brasília, Curitiba, Porto Alegre, Recife e Salvador
Da Redação
Publicado em 7 de fevereiro de 2011 às 09h00.
São Paulo - Os carros com câmeras no topo mostram apenas uma pequena parte do diversificado arsenal de equipamentos e software adotados pelo Google Street View. Para fotografar as ruas de cidades brasileiras e de outros países, o projeto usa inteligência artificial, câmeras digitais sem disparador mecânico, computadores com Ubuntu e até sensores de medição de distância a laser.
No Brasil, 30 veículos já mapearam as regiões metropolitanas de São Paulo, Rio de Janeiro e Belo Horizonte, cobrindo mais de 50 cidades. Se a sua casa ainda não apareceu na internet, é só esperar mais um pouco. Em algum momento, as fotos serão publicadas no Google Maps ( http://maps.google.com ), porque o Google pretende registrar cada rota percorrida por veículos no Brasil.
Anunciado no início de julho de 2009, o projeto levou 15 meses para exibir ao mundo a primeira leva de fotos do país. Os automóveis do Street View Brasil circularam por 150 000 quilômetros e gravaram 135 milhões de imagens em JPG. Como cada uma delas pode ter entre 0,5 e 1 megabyte, estima-se que tenham sido gerados entre 70 e 140 terabytes de dados. Não é nada simples vincular tudo isso ao Google Maps, tornando possível a navegação por panoramas de 360 graus em um micro, smartphone ou tablet.
O processo depende do trabalho de duas equipes. A primeira, formada por funcionários do Google Brasil, cuida da operação dos carros. Outro time conta com engenheiros que ficam na sede do Google, em Mountain View, Califórnia, nos Estados Unidos. Eles têm a missão de processar o material bruto, borrar faces e placas de veículos e associar o conteúdo aos mapas. A mesma divisão de tarefas é adotada em todos os países em que o Street View está sendo feito.
O trabalho começa com a preparação dos veículos para suportar o equipamento — o chamado camera kit —, formado por uma armação metálica, as câmeras e um computador. Os automóveis têm de ser adaptados para carregar até 90 quilos no teto. As alterações na estrutura também precisam garantir que eles não capotem nas curvas e não tenham problemas se chegarem à velocidade máxima para bater fotos aceitáveis, de 80 quilômetros por hora.
"Isso não é um problema automobilístico trivial. Quando colocamos 1,8 metro sobre o carro, o centro de gravidade fica muito acima do normal", diz Andreas Huettner, diretor de negócios para os setores financeiro e automobilístico do Google Brasil.
Como foi fechada uma parceria com a Fiat, engenheiros da montadora ajudaram a modificar os veículos escolhidos, todos do modelo Stilo, em apenas um mês. O sistema de fixação do camera kit foi aprimorado e ficou mais resistente — uma mudança que já está sendo aproveitada em outros países. A suspensão também teve reforço, para evitar fotos tremidas ou um acidente se o automóvel atingir um buraco.
Mas as mudanças não se limitaram à parte física. Foi preciso fazer a CPU do camera kit conversar com o computador de bordo, além de instalar equipamentos capazes de medir a velocidade e a rotação do motor. "Tudo isso mostra para o motorista a melhor forma de dirigir o carro naquele ambiente", afirma Huettner. A parafernália eletrônica exigiu um reforço no sistema elétrico do carro. Uma bateria tradicional jamais conseguiria dar conta do recado.
No meio do trânsito
Os automóveis do Street View não precisam circular lentamente para tirar as fotos. Toda a preparação feita nos veículos permite que rodem na velocidade recomendada para cada tipo de via. Os condutores são instruídos inclusive a não atrapalhar o fluxo, tomando o cuidado de não passar de 80 quilômetros por hora — o que afetaria as imagens.
Também se engana quem pensa que os automóveis circulam preferencialmente no fim de semana. Os veículos saem às ruas de segunda a sexta-feira, entre 9h e 16h, para aproveitar o Sol mais alto e evitar sombras. Os motoristas rodam no sábado ou no domingo apenas em casos excepcionais, como, por exemplo, depois de muitos dias seguidos de chuva, que impede a captação das imagens.
Para dar conta de grandes cidades, a equipe do Google divide o município em polígonos, do centro para a periferia. Cada veículo fica responsável pela cobertura de um deles e, quando termina, começa outro. São Paulo, por exemplo, foi repartida em 35 áreas, percorridas em quatro meses. Sempre que possível, os carros fotografam cidades próximas e voltam. Esse é um dos motivos para os avistamentos dos automóveis em municípios do interior paulista.
Várias dessas cidades vão entrar na segunda etapa do projeto. Em breve, o Street View também circulará por Brasília, Curitiba, Porto Alegre, Recife e Salvador. Serão usados, ainda, dois triciclos com câmeras — que o Google chama de trikes — para registrar lugares turísticos de difícil acesso, como estádios. Uma parceria vem sendo estudada com a Embratur, e internautas indicaram, no site do projeto (www.exploreostreetview.com.br), os pontos que gostariam de ver.
À medida que é feita a captação das imagens, os discos rígidos, que têm o conteúdo criptografado, são retirados dos carros e guardados nos escritórios do Google Brasil. Depois de armazenado um volume de imagens suficiente, os HDs são enviados para a sede da empresa, em Mountain View. Detalhe: não é feito backup. Se houver qualquer incidente no caminho, todo o trabalho precisará ser refeito. As cópias de segurança são gravadas somente depois que os HDs chegam aos Estados Unidos.
Algoritmos da privacidade
No Googleplex, a sede da empresa, a equipe de processamento cuida primeiro de borrar placas e rostos, para garantir a privacidade. "Publicar as imagens tiradas com o Street View é muito simples se você estiver falando de uma escala pequena, como uma rua. Mas nossa ambição é fazer o mundo todo. E isso é muito difícil", afirma Luc Vincent, diretor de engenharia do Google para o Street View e um dos criadores da ferramenta.
Os engenheiros configuram o software que processa as imagens para identificar o modelo de placa adotado em veículos de cada país. Para isso, são aplicadas duas técnicas: visão computacional e aprendizado de máquina, ambas ligadas à inteligência artificial. Depois, a base de dados é submetida aos algoritmos e verifica-se, por amostragem, se o processo funcionou. Para ocultar os rostos, outro software é executado, e, os resultados, conferidos.
A partir dos dados de GPS armazenados, as fotos são associadas aos mapas. Só quando está tudo pronto a equipe brasileira vai ver o resultado e decidir se algum local precisará ser refeito. Houve problemas em algumas ruas e bairros de São Paulo, Rio e Belo Horizonte. Essas áreas acabaram excluídas, mas os carros voltarão a passar por lá. Imprevistos também ocorreram quando o projeto entrou no ar. Imagens de cadáveres foram achadas por internautas no Rio e em Belo Horizonte no dia da estreia. "Era melhor que não tivesse acontecido. Mas isso mostrou que, nessas situações, o Google reage e remove as fotos", diz Quintella.
Embora a empresa afirme tomar todo o cuidado possível com a privacidade dos usuários e forneça ferramentas para reportar cenas indesejadas, o Street View tem sido questionado em vários países, especialmente na Alemanha. Descobriu-se que os veículos gravavam dados sobre redes Wi-Fi, endereços de e-mail e até senhas.
Não há como saber se essas informações também foram registradas aqui. O caso só veio à tona em maio, quando os carros já haviam circulado pelo Brasil por vários meses. Questionado, o Google afirmou apenas se tratar de um projeto paralelo, já descontinuado.
A parceria com a Fiat termina em maio de 2011 e pode não ser renovada. "A proposta foi viabilizar o serviço em três estados: São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais. Estamos muito contentes. Com o fim dessa fase, os carros voltarão para a Fiat", afirma João Batista Ciaco, diretor de publicidade e marketing de relacionamento da montadora. Nesse caso, o Google terá de tentar fazer acordo com outra empresa ou comprar novos carros. Mas, de um jeito ou de outro, o projeto deve continuar. Por isso, se sua rua ainda não foi incluída, programe-se para aparecer bem na foto — ou para sumir do mapa.
Ubuntu a bordo
Os carros do Street View contam com nove câmeras, com resolução de 5 megapixels cada. Oito ficam alinhadas horizontalmente, cobrindo um ângulo de 360 graus, enquanto outra, no topo, usa uma lente olho de peixe para captar imagens do céu e de edifícios altos. “Não usamos disparadores mecânicos, porque eles quebram depois de uns 200 000 cliques”, diz Luc Vincent, diretor do Google para o Street View. Por isso, os modelos registram nove imagens automaticamente a cada dez metros. As máquinas têm sensores CMOS, que garantem boa qualidade em equipamentos menores.
O projeto adota sensores de medição de distância a laser, fabricados pela Sick, cujas informações ajudam a alinhar as fotos. No carro, as imagens são gravadas num computador com sistema operacional Ubuntu, que cuida da navegação e transmite informações.
“A equipe de operação pode checar se os veículos estão dirigindo onde deveriam. Também podem ser enviadas para eles algumas das fotos, em baixa resolução. Um operador pode ver se a câmera está embaçada ou se há algum distúrbio”, afirma Vincent. Em breve, os veículos poderão dirigir-se sozinhos. Modelos sem motorista já estão em teste nos Estados Unidos.