Tecnologia

A (re)invenção de Evan Williams

Com a plataforma Medium, fundador do Twitter e do Blogger quer tornar o conteúdo online mais inteligente

evan-williams (Helena Price)

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Da Redação

Publicado em 12 de janeiro de 2015 às 15h11.

Uma distância de apenas 1 400 metros separa o escritório do Medium da sede do Twitter, na região central de São Francisco, nos Estados Unidos. Mas, apesar da proximidade física, as duas plataformas são o oposto uma da outra. Se o foco do Twitter são mensagens curtas e atualizadas a cada segundo, o Medium valoriza análises aprofundadas e textos bem elaborados, que não necessariamente foram publicados no mesmo dia ou até no mesmo ano.

O que une os dois serviços de publicação é o americano Evan Williams, 42 anos. Um dos quatro criadores do Twitter e um de seus principais acionistas, Williams deixou o microblog em 2010 para dedicar a maior parte de seu tempo a promover outro tipo de conteúdo, mais analítico, e que, segundo ele, foi deixado em segundo plano na última década por empresas de tecnologia. 

“As redes sociais se tornaram uma força poderosa de expressão e são libertadoras. Mas também é inegável que existe um limite para o que pode ser dito e entendido em apenas 140 caracteres”, disse Williams em entrevista exclusiva a INFO no escritório do Medium, dias depois de estrear uma versão brasileira do site, em outubro. “Eu sou fã da comunicação em formato curto e em tempo real. Mas também sou fã de histórias mais aprofundadas, com ideias que não podem ser articuladas tão rapidamente. Uma vez que o Twitter já existe, há uma necessidade maior de fazer outro tipo de conteúdo evoluir. As plataformas de publicação — e mesmo o formato dos blogs — mudaram pouco nos últimos dez anos. Ainda há muito o que fazer”, diz Williams.

O escritório do Medium reflete o que ele diz. As salas de reunião têm nomes de escritores clássicos da literatura americana, e a decoração cria um ambiente artístico de inspiração, criatividade e reflexão. Por todos os lados é possível ver livros, revistas e obras de arte entre quadros, grafites e esculturas. Uma delas, um tanto desconfortável de olhar, tem o formato de um homem em pé, encostado na parede e coberto por gesso moldado na forma de tecido branco. O local ocupa o nono piso de um prédio comercial de 11 andares construído em 1908, onde trabalham os 73 funcionários da empresa. Por dentro, o acabamento é de tijolos e estruturas de concreto aparente. 

Williams conhece bem o negócio de ferramentas online de publicação. Antes de fundar o Twitter, já havia lançado o Blogger, em 1999. O site se tornou uma das mais populares plataformas nos anos 2000 e foi vendido para o Google em 2003. O publicador fez parte de uma primeira geração de sites que permitiam a qualquer pessoa, sem conhecimento técnico, divulgar o que quisesse na internet. O grande objetivo do fundador era criar um meio para que todas as pessoas pudessem se expressar. 

O desejo tem origem na infância de Williams. O empreendedor, hoje bilionário, cresceu em uma fazenda no estado de Nebraska, no vasto Meio-Oeste americano. A cidade mais próxima era uma vila de apenas 370 habitantes chamada Clarks. Para ele, a internet era a única maneira de ter contato com o resto do mundo. Em uma época sem redes sociais, os blogs hospedados no Blogger faziam parte de uma nova forma de comunicação aberta. Qualquer usuário, e mesmo um adolescente em uma fazenda, podia contar sua história e narrar as situações vividas sob seu ponto de vista — algo trivial hoje.

Com o Medium, Williams retoma o trabalho que havia começado há mais de uma década e tem usado o site para aprimorar algumas das ideias que já elaborava na época. “Para mim, tudo sempre esteve ligado à autoexpressão e à troca de ideias. Vejo o Medium como uma continuação do que fazia no Blogger e também como uma continuação do Twitter”, diz Williams. “Há 15 anos, já pensava sobre algumas das mesmas soluções nas quais hoje estou trabalhando no Medium. É engraçado como as coisas são circulares e como eu estava tentando solucionar esses problemas em minha mente durante todo esse tempo.”

O foco do Medium é a simplicidade, mas não é simples definir o site em uma categoria. Ele tem características de uma plataforma de blogs, porque permite publicar histórias e ideias em uma página pessoal. Mas, diferentemente dos blogs tradicionais, os sites do Medium não podem ser personalizados com estilos variados. Todos têm o mesmo formato minimalista, com listas dos posts mais recentes, publicações em destaque e textos recomendados. O editor de texto online também é o mais básico possível. Basta começar a escrever no rascunho em branco. O formato que o usuário vê na tela é o mesmo que será publicado. 

Mas o Medium também é uma rede social. Cada usuário tem um perfil próprio e pode seguir outras pessoas. Ao entrar na página principal, o usuário vê os posts mais recentes publicados por quem acompanha. Também há listas com os textos mais recomendados do dia e as histórias marcadas como favoritas. 

Os usuários ainda podem criar “coleções” de posts sobre um mesmo assunto e incluir publicações de outras pessoas. O próprio Medium tem uma equipe editorial responsável por editar coleções de música (CuePoint), tecnologia (Backchannel) e design (Re:form), e por fazer uma revista eletrônica chamada Matter, de temas variados. “Montamos uma equipe editorial para garantir que tivéssemos conteúdo bom no Medium consistentemente. E isso seria uma forma de legitimar que ele era um espaço para boas publicações”, diz Williams. 

A iniciativa atraiu empreendedores, investidores e pessoas da área de tecnologia, que passaram a publicar textos no Medium desde que o site saiu da versão beta e abriu o cadastro, há um ano. Startups e empresas, como a General Electric, também criaram páginas próprias para servirem como blogs institucionais. Walter Isaacson, biógrafo de Steve Jobs, usou o site para divulgar um trecho de seu livro mais recente, Os Inovadores

Mas Evan Williams diz que o Medium não é apenas para quem tem o hábito de escrever. Ele espera que o site se torne uma plataforma de alcance mundial. Um dos problemas dos blogs, segundo ele, é o fato de o formato exigir um compromisso do autor para manter a página atualizada e conquistar audiência. “Na época do Blogger, eu conversava com muitas pessoas que tinham interesse em compartilhar seus pensamentos, mas não queriam abrir um blog e escrever com regularidade”, diz Williams. “O Medium está tentando quebrar essa lógica. Se você só quiser ler os posts em vez de escrever, ótimo. Se quiser só comentá-los, tudo bem. Se quiser escrever com regularidade, OK. E, se quiser escrever raramente, tudo bem também.”

Ele compara o uso do Medium ao do Twitter, que também dá liberdade para o usuário compartilhar uma mensagem apenas quando quiser. “Naturalmente, a maioria das pessoas não vai escrever com regularidade no Medium. Dá muito mais trabalho. Mas acho que poderemos chamar a atenção de pessoas inteligentes e articuladas, que tenham ideias e experiências únicas, se elas tiverem um espaço para escrever só de vez em quando.”

Pela descrição de Evan, o usuário ideal do Medium lembra um hábito comum no Facebook. As pessoas têm usado a rede social para extravasar suas opiniões sobre determinado assunto (digamos, as eleições presidenciais), mas isso não significa que elas vão se tornar blogueiras e articulistas por causa de um ou outro post.

O problema, no caso do Facebook, é que os textos se perdem em alguns dias. O objetivo de Evan Williams é fazer com que as ideias continuem circulando, sendo compartilhadas e lidas por mais tempo. A lista dos 100 posts mais populares do mês, por exemplo, é gerada com base na quantidade de pessoas que leram os textos até o fim. O número de cliques e a data de publicação contam menos do que o tempo de leitura. Por isso, é comum encontrar posts escritos há meses ou há mais de um ano entre os mais populares.

Williams diz que, por trás disso, há uma tentativa de criar uma nova medida de valor mais real para o conteúdo na internet, baseada na quantidade de recomendações e no tempo de leitura. “Não é uma métrica perfeita. Alguém pode escrever algo muito valioso, porém conciso, e ter um tempo de leitura curto. Mas, entre as ferramentas que temos, acho que é a melhor medida. Há uma infinidade de coisas na internet e, se alguém realmente parou para ler uma história até o fim, há uma grande chance de ser um conteúdo relevante.”

O Medium não divulga a quantidade de perfis ativos ou o número de posts já publicados, mas, em pouco mais de um ano, a audiência mensal subiu de 9 milhões para 15 milhões de visitantes únicos. Segundo -Williams, o Brasil é o quinto país com mais usuários, atrás de Estados Unidos, Reino Unido, Canadá e Austrália. “É o primeiro entre os países que não têm o inglês como língua nativa”, diz. 

A plataforma, por enquanto, está apenas em inglês. Mas nos últimos meses o Medium deu início a um plano para aumentar a audiência em países de outras línguas. O site criou uma ferramenta para que usuários estrangeiros ajudem a traduzir os posts mais populares em inglês para os próprios idiomas. Os autores podem marcar se querem que seus textos sejam traduzidos, o que é uma forma de aumentar a audiência. No Brasil, uma equipe contratada pelo site também é responsável por divulgar as melhores histórias em português. “Queremos ter comunidades ativas em diferentes locais, falando diferentes línguas na plataforma”, diz Williams.

Alguns posts brasileiros já foram destacados, como uma crônica sobre acordar depois de uma noite maldormida, uma reflexão sobre o valor do tempo e um texto sobre as obras de arte nas estações de metrô em São Paulo. Para Williams, conteúdos desse tipo dificilmente ganhariam destaque em redes sociais, e isso é o que ele pretende mudar. “Não precisamos de mais conteúdo no mundo, mas precisamos de histórias e ideias que toquem as pessoas e as façam pensar e refletir”, diz. “Ainda estamos começando a elaborar os mecanismos certos para chamar atenção para aquilo que é bom. Mas é a forma como estamos fazendo agora.” 

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