Minhas Finanças

Por que deixamos a preguiça atrapalhar nossas finanças

Atitudes negativas para nossa vida financeira ajudaram na sobrevivência humana, mas podem ser contornadas para melhorar as finanças


	Mulher boceja: preguiça, procrastinação e imediatismo são alguns dos pecados capitais que atrapalham a vida financeira
 (Riesma Pawestri / Stock Xchng)

Mulher boceja: preguiça, procrastinação e imediatismo são alguns dos pecados capitais que atrapalham a vida financeira (Riesma Pawestri / Stock Xchng)

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Da Redação

Publicado em 31 de outubro de 2013 às 05h00.

São Paulo – Consumir, poupar e investir bem dá trabalho, requer pesquisa e algum estudo. Quantas vezes você já não se pegou pensando que precisa dar uma guinada na sua vida financeira e acabou por adiar o primeiro passo indefinidamente? Preguiça de começar, procrastinação, imediatismo e tendência a se queixar de problemas financeiros são alguns dos pecados capitais que se põem no caminho do enriquecimento e da vida financeira saudável. Mas esses “vícios” são normais e têm até raízes evolutivas.

A psicologia econômica e as finanças comportamentais estudam o comportamento dos investidores e das pessoas em geral em relação ao dinheiro. Seus estudiosos acreditam – e essa ideia é cada vez mais aceita no meio das finanças – que a maior parte das decisões financeiras das pessoas é irracional, impulsiva e intuitiva, e não racional, como o estudo clássico das finanças propõe. Afinal, o ser humano não consegue anular completamente suas emoções ao tomar decisões.

É esse ramo de estudo que explica – e tenta sanar – nosso problema de sempre adiar tarefas importantes, mas não imediatamente necessárias, priorizando o que é fundamental à nossa sobrevivência no curto prazo. Também explica a nossa tendência de querer buscar sempre o caminho mais fácil, nossa preguiça de fazer o que dá trabalho, e nossa tendência de nos queixar, ainda que não tenhamos feito nada para melhorar nossa situação.

A procrastinação foi fundamental para nossa sobrevivência

“Segunda-feira é o dia internacional da dieta. No dia de hoje, há a inércia”, observa Vera Rita de Mello Ferreira, psicanalista, autora do livro “A cabeça do investidor” e professora de psicologia econômica na Fundação Instituto de Pesquisas Contábeis, Atuariais e Financeiras (Fipecafi). Ela explica que essa tendência de ser imediatista, buscar soluções de curto prazo e querer procrastinar o que não é fundamental à sobrevivência naquele momento tem raízes evolutivas e que, portanto, é muito difícil se livrar dela.

Segundo Vera Rita, que é uma das pioneiras da psicologia econômica no Brasil, o ser humano tende a se ater apenas às suas demandas imediatas, deixando para depois aquilo que não é urgente. Trata-se de uma vantagem evolutiva que nos permitiu sobreviver. “Quando vivíamos em ambientes inóspitos, precisávamos apenas sobreviver naquele momento. Era importante apenas acertar o que era imediato, sem medir muito as consequências”, explica Vera.

Para ilustrar, a professora cita o conceito de um dos pais da psicologia econômica, o Nobel de Economia Daniel Kahneman. Ele define duas formas de pensar: o pensamento rápido, intuitivo e mais primitivo, e o pensamento mais lento, ponderado e lógico. O primeiro é instintivo, e é aquele que nos faz reagir imediatamente a todos os estímulos do ambiente. O segundo é aquele que precisa ser intencionalmente provocado, contraintuitivo.

“Esse lado que age em primeiro lugar é o mais importante. Podemos até planejar e ter a intenção de fazer outra coisa, mas na hora do ‘vamos ver’, é o piloto automático que entra em ação”, observa Vera.

Para nossos antepassados, bastava pensar no curto prazo, uma vez que a expectativa de vida era pequena e as demandas imediatas eram dramáticas. Havia o risco iminente de ser morto por um animal selvagem ou de não encontrar comida. Mesmo em sociedades menos primitivas e mais modernas, a ameaça de doenças e guerras pode nunca ter favorecido a preocupação com o bem-estar futuro.


Mas mesmo quem hoje vive em sociedades com mais qualidade de vida conserva essa forma imediatista de pensar. A maioria das pessoas já precisa encarar ao menos oito horas de trabalho por dia, trânsito, família, casa, quando não algumas horas de estudo. O tempo para pensar nas finanças é curto, e a cabeça também não ajuda.

A menos que você tenha um problema financeiro muito urgente a resolver, a decisão de ir ao banco para trocar a dívida cara por uma mais barata, de abrir conta numa corretora independente ou de pesquisar um bom fundo de investimentos fica sempre para amanhã. Até montar um simples orçamento no fim de semana pode dar uma preguiça daquelas, pois no seu horário de descanso o que você mais quer é repor as energias e tirar as preocupações da cabeça.

Como sanar nossas demandas imediatas é prioridade para nosso cérebro, investimentos que possam ser sacados a qualquer momento sem perda de rentabilidade nos parecem mais atraentes do que aplicações que deixam o dinheiro “preso” por certo tempo – ainda que elas possam ser mais rentáveis.

Poupar para viajar nas próximas férias é bem mais divertido que poupar para a aposentadoria, mesmo que a segunda opção seja sem dúvida mais importante. E comprar determinado bem agora, parcelando ou financiando, tem mais apelo do que guardar dinheiro para comprá-lo daqui a vários meses. O problema é que, da mesma forma que os frutos de uma vida financeira ponderada só virão lá na frente, as más consequências da vida desregrada também.

Fatores culturais também entram nessa equação. No Brasil, particularmente, nosso histórico de hiperinflação marcou de tal forma a sociedade que mesmo quem era criança antes da estabilização da economia herdou dos pais e avós os mesmos temores. Era preciso consumir imediatamente para que o dinheiro tivesse algum valor, pois amanhã os preços já estariam bem maiores.

Poupar, naquela época, apenas em investimentos de alta liquidez, que pudessem ser sacados às pressas caso ocorresse uma corrida aos bancos. E a renda fixa e os imóveis eram as aplicações preferidas: a primeira por pagar juros exorbitantes e ter alta liquidez; e os segundos por corrigirem o valor do patrimônio pela inflação. Hoje, os juros no Brasil estão bem mais baixos, e já há uma miríade de produtos financeiros que permitem ao investidor diversificar o risco. Mesmo assim, as preferências nacionais não mudaram.

Buscamos o caminho mais fácil – e poupamos energia

O máximo de resultado com o mínimo de esforço – esse é o lema que trouxe a humanidade até aqui. A nossa sobrevivência dependeu da gestão de recursos escassos – comida, energia, recursos naturais e, mais modernamente, dinheiro. Buscar o caminho mais fácil é o caminho natural da mente humana para poupar energia e atender às já referidas demandas imediatas essenciais à sobrevivência.

Daí o desejo de ganhar dinheiro fácil, e a crença de tantas pessoas em promessas de rentabilidade exorbitantes e fórmulas mágicas de enriquecimento rápido, que muitas vezes se traduzem na tomada de riscos muito maiores do que o que elas podem suportar ou, pior ainda, em golpes e fraudes, como as pirâmides financeiras.

Mas nada, nada é mais fácil do que se queixar ou bancar a raposa quando não consegue alcançar as uvas – “elas estavam verdes mesmo”. A reação imediata de muita gente perante seus problemas financeiros não é tomar a parte de responsabilidade que lhe cabe. É mais fácil culpar a economia, os impostos, o salário que é baixo, a escolha da carreira, a falta de tempo, o custo de vida, a dificuldade com os números e por aí vai.


Não que esses problemas não sejam empecilhos reais ao seu enriquecimento. Eles são, não dá para negar. Mas será que não há nada que se possa fazer para melhorar ao menos um pouco a sua relação com o dinheiro?

Há também quem acredite que o outro tem sucesso porque tem talento, sorte ou porque fez “coisa errada”. Afinal, se para o outro foi necessária uma força metafísica ou sujeira nas mãos, para quem não tem a mesma sorte ou julga ter bom caráter nem adianta tentar. Conformar-se com isso chega a ser um alívio.

Finalmente, existem aquelas pessoas que quando não conseguem alcançar um objetivo, se refugiam em máximas do tipo “dinheiro não traz felicidade”, “de que adianta ter dinheiro e não ter amor e saúde” ou “o dinheiro corrompe as pessoas”, como se a relação de causalidade nesses casos fosse imediata e inquestionável.

“Reclamar é mais fácil do que fazer. O ser humano sempre busca o caminho mais fácil. Além disso, a pessoa sente uma espécie de alívio na hora em que reclama. Dá até a impressão de que algo vai acontecer só porque a pessoa reclamou”, explica Vera Rita. “Hoje vivemos em um ambiente complexo, com demandas financeiras complicadas e muitas exigências ao mesmo tempo. Mas ainda recorremos a esse expediente de tentar poupar energia para sobreviver do jeito mais simplificado possível”, completa a professora.

Então somos vítimas da nossa própria mente?

Se todas essas más atitudes em relação ao dinheiro são, ao menos até onde a vista alcança, naturais para a humanidade, como poderíamos ter sucesso financeiro? Há alguma forma de combater nossos instintos? De certa forma sim, mas trata-se de um esforço consciente – o pensamento lento e ponderado de que fala Kahneman.

“Achar que só é pobre quem quer é ilusão. É preciso esforço constante, disciplina permanente, autocontrole e todas essas características são recursos finitos”, observa Vera Rita. O mais realista aqui é ter consciência de nossas fraquezas e encarar que a disciplina de poupar, investir, se informar, resistir às tentações de consumo não se tornará natural, por mais que passemos anos adotando boas práticas. É preciso um esforço consciente e constante para não se desviar do caminho e voltar para o pensamento automático, e mesmo assim este não vai desaparecer.

Vera Rita ensina alguns truques. Um deles é buscar alguém de confiança para ajudar a impulsionar suas decisões financeiras – pode ser um profissional da área ou mesmo um parente. Outra ideia é estabelecer metas pequenas e concretas. Em vez de pensar em poupar para comprar um imóvel daqui a dez anos, estabeleça quanto você quer ter na reserva da casa própria daqui a dois, quatro, seis e oito anos, por exemplo. Ou metas menores ainda: “Amanhã vou olhar meu extrato. No dia seguinte vou marcar com um planejador financeiro. E assim por diante”, exemplifica a professora.

Buscar incentivos e pequenas recompensas também é uma boa saída. Vera lembra que para algumas pessoas, simplesmente riscar um item de uma lista já é um ótimo incentivo; para outras são necessárias mais coisas, como condicionar um passeio ou a compra de um bem ao alcance de determinado objetivo. “Para algumas pessoas, poupar e investir em grupo pode ser útil”, diz.

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