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Da Redação
Publicado em 18 de fevereiro de 2011 às 12h12.
Os números são desanimadores. De cada 100 empresas no Brasil, 31 não chegam nem sequer a completar um ano de vida. Antes dos cinco anos, 60% fecham as portas. Mas existe um grupo de empresários que ignorou -- por duas vezes -- essas estatísticas. Gente como Carmello Paoletti, dono da fabricante de enlatados Quero. Ou Pietro Pedrinola, dono da empresa de produtos dietéticos Línea. Ou ainda Ricardo Tavares, sócio da Sucos Mais. Eles estão no grupo seletíssimo de empreendedores que tiveram sucesso não uma, mas duas vezes -- a despeito de todas as probabilidades. A partir do nada, ergueram empresas que chegaram a liderar seus mercados, venderam o negócio no auge e recomeçaram outros que -- de novo, contrariando a lei das probabilidades -- estão em posições de ponta e perturbam a concorrência.
Alcançar o sucesso não é para qualquer um. Repetir a dose, porém, é algo que está ao alcance apenas de empreendedores que reúnem doses consideráveis de obstinação e gosto pelo risco. É isso, em primeiro lugar, o que a personalidade dos empresários que protagonizam esta reportagem tem em comum. Todos eles poderiam, hoje, viver confortavelmente com os rendimentos obtidos com a venda de seus negócios anteriores. Mas preferiram arriscar na produção. Some-se a isso a experiência, que ajuda a não incorrer nas armadilhas a que estão sujeitos os marinheiros de primeira viagem, e pronto. Eis a receita do empresário que chegou lá pela segunda vez. "O primeiro sucesso é uma motivação para criar um outro", diz Afonso Cozzi, coordenador do núcleo de empreendedorismo da Fundação Dom Cabral. "Quem teve sucesso uma vez quer ter de novo."
Freqüentemente, o ciclo termina como começou, com empresas de grande porte querendo comprar seus novos empreendimentos. É o caso de Ricardo Tavares, de 43 anos. Na década de 90, ele foi controlador da Café 3 Corações. Seu cappuccino solúvel detinha 70% do mercado. Tavares vendeu então a empresa em 2000 ao grupo israelense Strauss-Elite. Em seguida, firmou parceria com a WRV, dos ex-controladores dos supermercados Mineirão, para construir uma fábrica de sucos no Espírito Santo. Foi sua segunda tacada. Em apenas três anos, transformou a Sucos Mais na segunda marca mais vendida em seu setor, atrás da me xicana Del Valle. A desenvoltura da Sucos Mais atraiu a atenção da Coca-Cola. Em até dois meses, de acordo com Tavares, uma fatia da empresa deve ser vendida aos americanos. Procurada por EXAME, a Coca-Cola preferiu não fazer comentários.
O administrador de empresas Pietro Pedrinola, de 42 anos, dono dos alimentos dietéticos Línea, também acaba de fechar um acordo com um grande grupo. A usina Da Barra, do empresário Rubens Ometto, vai distribuir os adoçantes Línea -- e poderá, daqui a cinco anos, adquirir a empresa. A Da Barra tem interesse pela sucralose, adoçante feito de açúcar. Só a Línea detém a exclusividade de produção no Brasil, numa parceria com a Johnson. Nos anos 80, Pedrinola e seu pai, Vittorio, haviam criado a Zerocal, marca de produtos dietéticos que chegou a ter 44% do mercado nacional de adoçantes e depois foi vendida ao laboratório brasileiro Dorsay.
Assim como Pedrinola, que sempre empreendeu no mercado de alimentos com poucas calorias, o descendente de italianos Carmello Paoletti, de 76 anos, também prefere pisar em terreno conhecido. Paoletti ficou 33 anos à frente da Etti, uma das maiores empresas de processamento de tomates, doces, conservas e condimentos do país -- hoje, a marca é da Parmalat. Foi Paoletti quem ergueu a Etti, 50 anos atrás, como uma modesta fábrica de processamento de azeitonas em Várzea Paulista, no interior de São Paulo. Ele acabara de vender a empresa, no fim da década de 80, quando adquiriu a Coniexpress, dona da marca Quero. Na época, ela não passava de uma pequena fábrica de polpa de tomate, vegetais enlatados, condimentos e doces em compotas de Jundiaí, no interior de São Paulo, com faturamento de 3 milhões de reais por ano. Sob o comando de Paoletti, a empresa registrou em 2004 vendas superiores a 164 milhões de dólares e hoje disputa cada palmo do mercado de atomatados com a própria Etti. "O Carmello é do tipo que dá um tiro e sai correndo atrás da bala", diz Antonio Carlos Tadiotti, sócio da Predilecta, que disputa com a Quero o mercado de atomatados.
A disputa aguerrida pelos novos mercados é característica comum a todos os empreendedores capazes de obter o sucesso em dose dupla. Um exemplo desse empenho é o empreendedor João Alves de Queiroz Filho, mais conhecido como Júnior. Primeiro, ele transformou a Arisco, criada com os negócios deixados pelo pai, numa potência da indústria de alimentos e de produtos de limpeza, com faturamento anual superior a 1 bilhão de reais na década de 90. "O Júnior teve a coragem de disputar mercados com concorrentes muito poderosos", diz Mauro Giorgi, analista de investimentos da corretora Geração Futuro. Em 2000, fez um grande negócio ao vender a Arisco para a Bestfoods (logo depois incorporada pela Unilever), embolsando 500 milhões de reais. Em seguida, Júnior criou a Assolan e partiu para cima de outro líder, a Bombril. Já debilitada por disputas judiciais em torno do seu controle e combalida pela gestão do empresário italiano Sergio Cragnotti, a Bombril chegou a perder para a Assolan 30% do mercado nacional de palhas de aço. Tanto no comando da Arisco como no da Assolan, Júnior foi visto pelas empresas líderes como um guerrilheiro dos negócios. "Ele investiu pesado nos flancos abertos pela Bombril", diz Giorgi.
Quem consegue repetir o sucesso normalmente não se contenta em ficar parado nem pensa em viver de renda. O português naturalizado brasileiro Armindo Dias, de 73 anos, teve a mente ocupada, durante 33 anos, pelos biscoitos Triunfo -- que vendeu em 1997 para a Danone, quando faturava em torno de 150 milhões de dólares por ano. Hoje, é dono da rede Tempo, formada por seis concessionárias Fiat, Ford e Volkswagen, que respondem por 80% do faturamento de 400 milhões de reais por ano de sua holding, a Arcel. Como na época da Triunfo, Dias permanece em Campinas, no interior de São Paulo, onde possui ainda o hotel The Royal Palm Plaza. No momento, está empenhado em terminar a construção da maior concessionária da Volks no país, também em Campinas. "Investi em revenda de carros porque acho que esse setor ainda carece de grandes grupos que ofereçam um excelente atendimento", afirma. Dias lembra uma lenda do empreendedorismo, o americano Wayne Huizenga. Num tempo em que pouca gente sabia direito como operar um aparelho de videocassete, Huizenga criou a Blockbuster, que mais tarde se tornaria a potência mundial das locadoras de filmes. Em 1994, vendeu a empresa para a Viacom, por 8,5 bilhões de dólares. Hoje, Huizenga é dono da AutoNation, a maior rede de concessionárias de automóveis dos Estados Unidos e tem uma fortuna avaliada em mais de 1,8 bilhão de dólares.
Armindo Dias |
73 anos O que tinha: Comprou em 1964 a Doces Campineira e passou a produzir o biscoito Triunfo. Tornou-se uma das três maiores fabricantes de biscoitos do país, com faturamento de 150 milhões de dólares por ano. Foi vendida em 1997 à Danone O que tem hoje: É dono de revendas da Fiat, da Ford e da Volks, que faturam 320 milhões de reais por ano. Também possui hotéis, entre eles o The Royal Palm Plaza, em Campinas |
Pietro Pedrinola |
42 anos O que tinha: Uniu-se ao pai, em 1984, na compra da marca Slim, então o nome de uma loja de produtos dietéticos importados. A empresa criou a Zerocal, que chegou a ter 44% do mercado nacional de adoçantes. A marca foi vendida ao laboratório brasileiro Dorsay, em 1995. Sete anos depois, ele vendeu a Slim à Unilever O que tem hoje: Criada há três anos, a Línea tem acordo com a Johnson para usar a sucralose como adoçante no Brasil. A Da Barra, do grupo Cosan, é parceira da Línea, com direito de compra da empresa daqui a cinco anos |
Ricardo Tavares |
43 anos O que tinha: Aos 21 anos, tornou-se dono da Café 3 Corações, com o pai e seus três irmãos. Seu produto de maior sucesso foi o Cappuccino 3 Corações, que chegou a deter 70% do mercado nacional durante a década de 90. Tavares vendeu a Café 3 Corações em 2000 ao grupo israelense Strauss-Elite O que tem hoje: É dono de 40% da Sucos Mais, em parceria com o grupo mineiro WRV. Com três anos de vida, a Sucos Mais já é a segunda no mercado de sucos prontos, atrás da Del Valle. A Coca-Cola negocia a compra de parte da empresa |
Fonte: empresas |
Com reportagem de Camila Guimarães