Revista Exame

Os bilhões da filha do presidente de Angola

A angolana Isabel dos Santos é a mulher mais rica da África. Seu pai, José Eduardo dos Santos, comanda um dos países mais dinâmicos — e corruptos — do mundo há 35 anos

Isabel dos Santos: império em Angola e Portugal e primeira bilionária africana (Wikicommons)

Isabel dos Santos: império em Angola e Portugal e primeira bilionária africana (Wikicommons)

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Da Redação

Publicado em 23 de julho de 2014 às 14h52.

São Paulo - A operadora de telefonia móvel Unitel é desconhecida da grande maioria dos brasileiros. Não é para menos: suas operações ficam em Angola, do outro lado do Atlântico. Mas a maior companhia de telefonia do país africano tem paparicado brasileiros e angolanos na Copa do Mundo.

Nas principais cidades-sede, a Unitel levará aos estádios cerca de 600 convidados até o fim do Mundial. Quem está bancando a festa é Isabel dos Santos, a mulher mais rica da África e filha do presidente ango­lano, José Eduardo dos Santos, no poder desde 1979. Com 41 anos de idade, Isabel é dona de 25% da Unitel — um ativo de cerca de 1,3 bilhão de dólares.

A empresária também tem partici­pação em bancos e na maior companhia de cimento angolana. Ela ainda tem fatias de empresas de diferentes setores em Portugal, como a petroleira Galp. Mais do que a extensão de seu império, o que chama a atenção é a velocidade com que o patrimônio da filha do presidente se expande.

Segundo a revista americana Forbes, a fortuna de Isabel multiplicou sete vezes de 2012 a 2014, passando de 500 milhões para 3,7 bilhões de dólares.

O rápido enriquecimento de Isabel re­flete a trajetória de Angola do pós-guerra civil, conflito que durou 27 anos e terminou em 2002. De lá para cá, o go­verno tem explorado os recursos naturais do país para expandir a economia, que conta com a terceira maior re­serva de petróleo da África e a quarta maior de diamantes do mundo.

Na últi­ma década, o PIB angolano registrou crescimento médio de 10% ao ano. Foi nesse ambiente de nova prosperidade que Isabel despontou nos negócios.

Nascida no Azerbaijão, Isabel é a filha mais velha do presidente Santos com sua primeira mulher, a russa Tatiana Kukanova — ele tem mais seis filhos de outros dois casamentos. A empresária é descrita por seus interlocutores como uma mulher inteligente e gentil.

Formada em engenharia na Inglaterra, seu primeiro negócio foi uma sociedade num restaurante à beira-mar em Luanda, o Miami Beach, em 1997 — quando tinha 24 anos de idade. Em 1999, ela se tornou sócia da estatal Endiama, que tem os direitos sobre a exploração de diamantes no país.

Ninguém fora do governo sabe explicar como seu nome passou a constar entre os acionistas da empresa. Cogita-se que a mesma coisa tenha ocorrido com a Unitel — no começo dos anos 2000, Isabel virou sócia da empresa — que hoje fatura 2,2 bilhões de dólares.

A empresária diz que a participação de 25% na operadora foi comprada de maneira legal. Antes da chegada de Isabel, a empresa havia recebido autorização do governo para explorar os serviços de telefonia móvel sem passar por concorrência pública. A empresa continua atuando nesse mercado mesmo após o contrato de concessão ter vencido em abril de 2012.

Público versus privado

As intersecções com o governo não param por aí.  Em abril deste ano, um decreto presidencial anunciou uma injeção de recursos de 116 milhões de dólares do governo na indústria de cimento Nova Cimagola, da qual Isabel tem participação desde 2006. A justificativa foi aumentar a capacidade produtiva da maior cimenteira do país.

Agora ela encabeça outro projeto que envolve o governo de seu pai: o consórcio Baía de Luanda. O projeto de 7 bilhões de dólares tem o objetivo de revitalizar a orla da capital angolana.

“O enriquecimento de Isabel é um caso único na África. Na Líbia ou na Guiné Equatorial, por exemplo, os bens públicos se confundiam com a riqueza privada dos ditadores, mas em Angola o que vem acontecendo é uma transferência direta de recursos do governo para as mãos da filha do presidente”, diz o jornalista angolano Rafael Marques de Morais, que investiga os bens da empresária e ajudou a revista Forbes a mensurar sua fortuna. Procurada, Isabel não concedeu entrevista.

Angola, onde quatro em cada dez pessoas vivem abaixo da linha da probreza, é conhecida por ser um dos países onde há mais percepção de corrupção no mundo — ocupa a 153a posição entre 177 nações classificadas pela organização Transparência Internacional.

Em 2011, um relatório do Fundo Monetário Internacional denunciou o “sumiço” de 32 bilhões de dólares — o equivalente a 25% do PIB — que deveriam aparecer nas contas nacionais. O governo angolano contestou o documento.

“A corrupção não pode ser efetivamente comprovada, mas há várias transações questio­ná­veis que deixam claro como é o sistema no país”, diz Peter Lewis, pesquisador do Centro para Estratégias e Estudos Internacionais, de Washington.

As desconfianças em Angola não pairam apenas sobre o presidente e sua família, mas também sobre outros altos funcionários do governo. O primeiro canal privado de TV do país tem como acionista o general Manuel Hélder Vieira Dias, chefe militar de Angola.

“O poder prolongado corrompe. Por isso, em Angola, não há transparência nem separação entre o público e o privado nos grandes negócios”, diz Marcolino José Carlos Moco, que foi ministro de Santos nos anos 90 e hoje é crítico do governo.

A legislação angolana também favorece essa configuração. Ela exige que, para se estabelecer em Angola, empresas estrangeiras se associem a companhias locais, o que abre espaço para a criação de sociedades com membros do governo.

A empresa de telefonia Portugal Telecom, sócia de Isabel na Unitel, está pagando o preço desse modelo. A empresa portuguesa afirma que a parceira lhe deve 246 milhões de euros em dividendos. A Unitel afirma não fazer o pagamento porque a companhia portuguesa descumpre a legislação de investimento do país.

Quando é acusada de ser testa de ferro do pai, Isabel costuma dizer que age como empresária, não como filha. Durante a crise do euro, Isabel adquiriu participação em bancos e empresas de telecomunicações em Portugal. Nos mercados em que atua, é tida como uma empresária agressiva e, nas raras vezes em que fala em público, garante que não foi fácil chegar lá.

“Se você é mulher, africana e jovem, as dificuldades se multiplicam”, disse, em abril de 2013, em um evento em Nova York. Ser filha do presidente, claro, torna as coisas um pouco menos difíceis. O mandato de seu pai termina em 2022 — tempo suficiente para que Isabel avance mais nos rankings internacionais de riqueza.

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