Trabalho de reconstrução da rede de energia em Teresópolis: 80 quilômetros já foram recuperados (Eduardo Monteiro/EXAME.com)
Da Redação
Publicado em 7 de julho de 2011 às 18h09.
Rio de Janeiro - No dia 12 de janeiro, o celular do engenheiro Albino Motta, diretor técnico da concessionária de energia Ampla, tocou às 4h10 da madrugada. Um subordinado informava que quase metade da rede que abastece a região serrana do Rio de Janeiro acabara de ser desligada. Mais de 100 000 clientes estavam sem energia.
Por causa disso, o ritmo de trabalho era frenético no Centro de Operação do Sistema — uma sala localizada na sede da Ampla, em Niterói, onde as redes da empresa são monitoradas 24 horas por dia. Àquela hora, os instrumentos que permitem a operação da rede a distância não eram capazes de mostrar a origem da pane.
A saída encontrada foi enviar várias equipes para percorrer de carro os 310 quilômetros da linha de transmissão que cobre a área e tentar identificar o problema de perto. Não funcionou. Estradas bloqueadas e pontes caídas impediram o diagnóstico. A dimensão dos estragos só foi constatada por volta das 9h30 da manhã, quando um técnico da Ampla sobrevoou a região.
Entre inúmeras montanhas desfiguradas por deslizamentos de terra, uma torre de transmissão — de 9 toneladas e 27 metros de altura — havia sido derrubada. Outras cinco estavam à beira de precipícios formados durante a madrugada pela força das chuvas. Em outro ponto, 16 postes de alta tensão haviam sido dragados por um rio. “Em 32 anos de trabalho foi a maior operação de que participei, em meio ao maior estrago que já vi”, afirma Motta.
Infelizmente, trabalhar em meio ao caos não é novidade na vida de Motta, um carioca de 56 anos de idade. Em pouco mais de um ano, ele capitaneou as ações da Ampla em três situações críticas: os deslizamentos de Angra dos Reis (na virada de 2009 para 2010), do morro do Bumba, em Niterói (em abril de 2010), e, agora, da região serrana.
No último caso, as providências tomadas por Motta começaram logo após o primeiro telefonema recebido na madrugada. Após o relato do funcionário que sobrevoou a região, o trabalho tomou contornos de operação de guerra. Para tentar restabelecer as operações, foi preciso convocar reforço de outras regiões em que a concessionária atua.
A ajuda começou a chegar no mesmo dia, e em 72 horas a distribuidora já operava com 500 funcionários, 350 mais que o normal (um dos desafios foi acomodar o contingente extra em hotéis da região e organizar uma rede para distribuir refeições para eles, onde quer que estivessem).
A área de suprimentos foi acionada para comprar e alugar geradores — 39 ao todo — para atender usuários prioritários como hospitais, a empresa de água da região, escolas que se transformaram em abrigos, e até cemitérios, para que os sepultamentos fossem realizados à noite e de madrugada, já que não havia locais suficientes para acomodar tantos mortos.
No meio de condições tão adversas — principalmente nos primeiros dias, em que as chuvas permaneceram fortes —, foi necessário redobrar os cuidados com a segurança dos funcionários. A empresa fez uma campanha relâmpago de vacinação, imunizando 400 empregados de campo contra tétano, coqueluche e difteria.
A palestra diária sobre segurança a que os funcionários assistem antes de ir para a rua teve duração triplicada para 15 minutos, para ajudar no preparo emocional das equipes. “Já atuamos em uma atividade de risco em condições normais”, afirmou Motta. “Nesse caso, além da chuva e da lama, havia o ambiente de extremo estresse, em que encontramos pessoas desesperadas e até corpos pelo caminho.”
Nesse cenário de destruição, mesmo as atividades mais simples se tornaram complexas. Para religar a energia numa localidade da zona rural de Friburgo, o eletricista Amaro Cardozo, de 29 anos, teve de andar 2 horas e meia na chuva — a queda de uma ponte impediu que ele chegasse ao local de carro. Depois, com o temporal mais forte, Cardozo teve de se abrigar por mais 2 horas na casa de um cliente.
Morador de Teresópolis, ele participou do resgate de duas pessoas, incluindo o de um cunhado, que morreu no hospital. Com o passar dos dias, surgiram problemas de outra natureza. Uma das equipes da Ampla chegou a ser ameaçada por um grupo de moradores de um bairro de Teresópolis que permanece sem energia.
O grupo queria manter os funcionários à força no local até que o abastecimento fosse regularizado — embora a Defesa Civil tivesse classificado a área como sendo de risco e proibido o restabelecimento de eletricidade. Após muita negociação os funcionários foram libertados, mas depois do episódio todas as equipes da empresa passaram a carregar um documento da Defesa Civil para provar que estão impedidos de religar a energia em determinadas áreas.
Reconstrução
Até o final de janeiro, três semanas depois do maior desastre natural já registrado no Brasil, a Ampla tinha restabelecido a eletricidade para 98% dos clientes afetados, 75% nas primeiras 7 horas após a pane. Cerca de 2 000 ainda estão sem luz, a maioria deles na zona rural.
O trabalho incluiu a reconstrução de 80 quilômetros de rede, grande parte com soluções provisórias, que terão de ser refeitas nos próximos meses. A torre que foi ao chão, por exemplo, foi substituída por uma estrutura temporária, cuja montagem exigiu uma logística complexa — durante uma semana, um helicóptero fez dezenas de viagens para transportar equipamentos e material até o local.
As alterações provocadas no relevo da região devem obrigar a empresa a refazer o traçado da rede, num trabalho que levará cerca de seis meses. A Ampla ainda não conseguiu contabilizar todos os gastos com a operação. Nas primeiras horas do dia 12, a estimativa era de 10 milhões de reais.
Hoje, está em 30 milhões. “Neste momento, os valores não importam”, diz o chileno Marcelo Llévenes, presidente da Ampla no Brasil. “Temos apenas de reconstruir. E ponto.”