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O preço da paz para os herdeiros da cachaça 51

Há décadas os herdeiros da cachaça 51 fazem de tudo para prejudicar um ao outro. Uma proposta bilionária pode, finalmente, selar uma conciliação

Cachaça 51: queda nas vendas e perda de mercado com a briga dos acionistas (Reprodução)

Cachaça 51: queda nas vendas e perda de mercado com a briga dos acionistas (Reprodução)

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Da Redação

Publicado em 12 de março de 2012 às 13h55.

Última atualização em 26 de março de 2019 às 20h04.

São Paulo - Os irmãos Benedito e Luiz Augusto Müller se odeiam. Por mais forte que possa parecer, a frase não carrega dose alguma de exagero. Donos da Companhia Müller de Bebidas, que produz a famosa cachaça 51, há décadas os dois investem boa parte do tempo e do dinheiro que têm para tentar prejudicar, sabotar e espezinhar um ao outro.

A situação piorou bastante desde a morte do patriarca e fundador da empresa, Guilherme Müller, em 2005. Ambos passaram a se enfrentar na Justiça em processos que determinaram que os dois se afastassem da direção e do conselho de administração da empresa.

Também de acordo com decisões judiciais, a distribuição de dividendos da Müller foi proibida. Assim, a briga começou a doer, e doer muito, no bolso dos irmãos. Sem salário ou acesso aos dividendos, Luiz Augusto, o caçula, de 58 anos, tem hoje dívidas que superam 100 milhões de reais e está sem crédito na praça, apesar dos 40% de participação que possui na empresa.

No ano passado, ele e a família foram despejados de um luxuoso apartamento em Higienópolis, bairro nobre de São Paulo, por atraso no pagamento do aluguel. Benedito, dono de outros 40% da Müller e cinco anos mais velho que Luiz, também tem sofrido com a batalha.

Ele tem uma dívida de mais de 30 milhões de reais com o escritório de advocacia Levy & Salomão por causa de serviços prestados em processos contra o irmão. Parentes e amigos já tentaram intervir para apaziguar os ânimos e reatar, ao menos minimamente, as relações entre os irmãos. Ninguém conseguiu.

A piora das condições financeiras de Luiz Augusto nos últimos meses — segundo pessoas próximas, sua principal fonte de renda é a pensão que uma de suas enteadas recebe do pai — e as recentes derrotas na Justiça parecem tê-lo feito baixar a guarda.

No fim do ano passado, ele aceitou um conselho do advogado Roberto Teixeira, bastante conhecido por sua amizade com o ex-presidente Lula, e deu um mandato de venda de sua parte na empresa ao banco de investimento BTG Pactual.

De acordo com uma pessoa a par do assunto, representantes do banco teriam dito ser possível levantar cerca de 2 bilhões de reais com a venda integral da Müller. Luiz disse a amigos que não faz negócio se não receber pelo menos 1 bilhão de reais por sua parte. A venda da Müller seria o preço para um armistício.


Entre a conversa inicial com o BTG e a venda da companhia, porém, empilham-se obstáculos. O primeiro é achar um comprador disposto a pagar tanto dinheiro por uma empresa em dificuldades. Depois de dominar 45% das vendas de cachaça no país no início da década de 2000, a Müller perdeu mercado com o início da briga entre os irmãos. Hoje, sua participação beira os 30%.

“A companhia não se modernizou e os concorrentes estão chegando mais perto”, diz um familiar dos irmãos. A participação de mercado da concorrente Indústrias Reunidas de Bebidas, que produz a Velho Barreiro, por exemplo, subiu de 8% para 15% nos últimos dez anos.

Em 2011, o lucro líquido da Müller foi de 26 milhões de reais e a geração de caixa alcançou 34 milhões. Para efeito de comparação, a geração de caixa da Schincariol, vendida no ano passado por 6,4 bilhões de reais, foi de 400 milhões de reais em 2011.

Enquanto o preço pago pela cervejaria de Itu atingiu 16 vezes sua capacidade de geração de caixa, já considerado um exagero por quem entende do assunto, a Müller atingiria um múltiplo de 59 vezes sua geração de caixa. “Para que alguém chegue a esse preço, é preciso que haja algum valor na empresa que ninguém está enxergando”, diz um executivo do setor.

Contudo, mesmo considerando que alguma empresa se disponha a desembolsar 2 bilhões de reais ou quantia parecida para ficar com a Müller, a rea­ção dos irmãos à proposta é uma incógnita. A relação entre os dois não tem quase nada de racionalidade, de acordo com familiares ouvidos por EXAME.

“Eles já perderam bastante dinheiro simplesmente para ir contra o interesse do outro”, afirma um parente. O convívio de ambos se pautou, desde a infância, por sentimentos como ciúme e inveja. Pessoas que os conhecem dizem que os dois competiam de forma exagerada pela atenção dos pais, mais tarde pela preferência das garotas e, por fim, pelo controle da empresa.

Ao longo do tempo, a rivalidade contaminou o resto da família. A mulher de Luiz, Rita, não suportaria o cunhado e sua mulher, Mirna. O contrário é verdadeiro. Para tornar a situação ainda mais complicada, os filhos também se desentenderam com os próprios pais. Há sete anos, quando tinha 16, Tatiana, a filha mais velha de Luiz, engravidou.

Ela teve uma briga séria com o pai, saiu de casa e foi acolhida — surpresa! — pelo tio. Desde então, fica ao lado dele nos assuntos que envolvem a empresa. Mais recentemente, Marcelo, filho de Benedito, rompeu com o pai.


Ele foi preterido em favor da prima para fazer parte do conselho fiscal da Müller e viu negado seu pedido para vender a Benedito sua parte no negócio. Montou uma empresa de mídia digital e aguarda a venda da companhia.

Cabeleireiro a jato

Para amigos dos Müller, a mulher de Luiz, Rita, foi o pivô da declaração de guerra entre os dois. Seu santo nunca bateu com o santo do cunhado, muito menos com o do sogro. Os inimigos de Rita na família alegam que sua suposta vontade de ser reconhecida pela alta sociedade fazia Luiz cometer loucuras. Entre elas permitir o uso de um jato Citation VII da companhia para levá-la de Pirassununga, cidade do interior de São Paulo onde está a sede da Müller, para a capital.

O trajeto de 190 quilômetros teria sido feito algumas vezes para que Rita fizesse compras e fosse ao cabeleireiro. Na lista de extravagâncias bancadas pela Müller estavam o fretamento de um Boeing para levar convidados a um evento no Maranhão, uma festa para 300 pessoas em Paris e o patrocínio a três edições da São Paulo Fashion Week.

Na edição de 2005 dos desfiles, Rita foi entrevistada pelo apresentador Amaury Jr., que a descreveu como “dona da cachaça 51”. Benedito ficou possesso e foi ao hospital onde o pai estava internado, à beira da morte. Decidiram publicar um anúncio nos principais jornais do país em que comunicavam que Rita não era proprietária, acionista, diretora nem sequer colaboradora da empresa.

Não é preciso ter criatividade de romancista russo para imaginar o ódio que levou os dois a tomar uma decisão como essa. Benedito ainda entrou na Justiça para cobrar a devolução à empresa dos valores investidos nos patrocínios. No início deste ano, o Tribunal de Justiça de São Paulo determinou que Luiz devolvesse 13 milhões de reais à Müller.

Familiares acreditam que, por causa de tantas mágoas, dificilmente o negócio sairá. Anos atrás, Benedito tentou comprar a parte do irmão, que se recusou a vendê-la. Agora, diante da falta de recursos e de crédito de Luiz Augusto, Benedito estaria prestes a dar o troco e a concluir seu plano de se sobrepor ao irmão.

Luiz colocou aproximadamente metade de suas ações como garantia em empréstimos. Benedito comprou essas garantias e diz que vai esperar que sejam executadas para ficar com o controle da Müller. Enquanto a situação não se resolve, ele vive da renda de investimentos e de sua fazenda de gado em Uberaba, no Triângulo Mineiro, onde mora.

Um amigo diz que dificilmente Benedito aceitará uma proposta que beneficie o irmão, por mais que também ganhe com isso. Cada família infeliz é infeliz à sua maneira — no caso dos Müller, uma infelicidade que dinheiro nenhum parece conseguir desfazer.

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