Ben Bernanke, do Fed: papel de banco central mundial (Mario Tama/Getty Images)
Da Redação
Publicado em 28 de março de 2011 às 17h49.
Nos últimos anos, cansamos de ouvir que os Estados Unidos são um país em declínio. As explicações são as mais variadas. A invasão do Iraque provou que o poderio militar americano é incapaz de concretizar seus objetivos políticos. A prisão na base militar de Guantánamo e os abusos em Abu Ghraib, no Iraque, destruíram a reputação dos Estados Unidos como o farol da liberdade e da justiça. Isso sem falar que a eleição presidencial de 2000, cheia de controvérsias sobre o processo de votação, já havia manchado a reputação da democracia americana. E depois, para completar, vieram a crise das hipotecas subprime (de alto risco), a queda do dólar, a quebra dos bancos Bear Stearns e Lehman Brothers, que em conjunto colocaram em questão a verdadeira força da economia americana.
É óbvio que tudo isso, de fato, aconteceu. Também é verdade que nas últimas duas décadas houve um aumento considerável da importância econômica e, portanto, política da China e, em menor grau, da Índia. Por outro lado, cresceu a influência econômica e política de países produtores de petróleo e de outros recursos naturais. Esse é o caso de Rússia, Irã, nações do Golfo Pérsico, Venezuela e do Brasil (embora o país seja muito mais que mero produtor de commodities). Mesmo que tudo isso seja verdade, não dá para embarcar na tese difundida por Fareed Zakaria, editor da revista Newsweek International. Segundo ele, estamos agora num “mundo pós-americano” em que o fato mais marcante é “a ascensão do resto” — isto é, dos países do Bric e de outros mercados emergentes.
No dia 4 de novembro, os Estados Unidos, o país supostamente em declínio, atraíram os olhos do mundo enquanto elegiam Barack Obama como seu novo presidente, um homem cuja mensagem política tem sido tão simbólica quanto a cor de sua pele. Obama defende a mudança, a famosa capacidade de seu país de se renovar e se reinventar. Ele foi levado ao poder, conforme se admite amplamente, com a ajuda da crise financeira global que teve sua origem nos Estados Unidos e que agora está causando o que provavelmente será uma dolorosa recessão americana.
Mesmo essa crise, porém, está mostrando quanto ainda vivemos num mundo centrado nos Estados Unidos. Ela está fazendo com que algumas tendências pareçam repentinamente obsoletas. O deslocamento de poder de consumidores, dos quais os Estados Unidos são os campeões, para produtores foi bruscamente invertido quando o preço do petróleo caiu quase pela metade desde seu pico em junho deste ano, enquanto o mesmo acontecia com os preços de muitos metais e commodities agrícolas. A Rússia, que parecia robusta com o petróleo a 147 dólares o barril, especialmente depois que venceu sua pequena guerra contra a vizinha Geórgia, em agosto, está bem mais fraca agora. Sua bolsa desmoronou, arrastando junto a fortuna de muitos de seus oligarcas. Suas enormes reservas em moedas estrangeiras estão sendo usadas para tentar evitar quedas ainda mais drásticas do rublo. Para completar, seu orçamento governamental entrou no vermelho quando o preço do petróleo caiu abaixo de 70 dólares.
O barateamento do petróleo e das commodities ajuda o outro campeão mundial de consumo, a China. Graças a seus controles de capital, à sua moeda não conversível e à propriedade estatal de seus bancos, o sistema financeiro chinês não está sendo afetada diretamente pela crise global. Como todos os demais países, a China sofre com o declínio das importações americanas e com a queda geral no volume do comércio mundial. Acima de tudo, porém, ela está sendo afetada por sua própria dinâmica interna. Está havendo uma queda nos preços dos imóveis na maioria das principais cidades chinesas. Isso acontece após uma sucessão de aumentos nos últimos anos motivada pelo dinheiro barato e pela especulação generalizada, condições que começam a perder força. Preocupado com a inflação, o governo tem diminuído a concessão de empréstimos, o que tem efeito direto na construção civil e no restante da economia.
O crescimento chinês dá sinais de estar se desacelerando muito intensamente. De acordo com o resultado trimestral mais recente, a expansão econômica caiu para uma taxa anualizada de 9%, ante a média de 11,9% do ano anterior. E os sinais indicam que o próximo trimestre vai ser ainda mais fraco. A produção industrial tem estado fraca e a demanda de aço está caindo rapidamente, em especial porque a indústria da construção recebeu um grande abalo com a queda nos preços dos imóveis. Essa desaceleração chinesa é uma das principais causas da forte queda nos mercados mundiais de commodities. Ninguém sabe qual é o ritmo da desaceleração da China, mas, se o passado serve de lição, os números oficiais serão manipulados para disfarçá-lo. Hoje, não parece inconcebível que a taxa de crescimento chinesa possa cair pela metade.
Ironicamente, isso não seria um desastre para a China. Graças a seu superávit orçamentário, o governo tem muito cacife para gastar mais dinheiro público para sustentar a demanda. Isso, contudo, não indica que a China estará realmente assumindo num futuro próximo a liderança econômica global que hoje pertence aos Estados Unidos. Portanto, os sabichões que vêem a fraqueza dos Estados Unidos espelhada na força chinesa terão de repensar.
O papel do Federal Reserve
Nesta recessão global, estamos todos nos sentindo fracos e vulneráveis ao mesmo tempo. É impossível prever qual será a severidade da recessão nos Estados Unidos e em outras partes do mundo. A estimativa depende de muitos fatores, como a psicologia, as decisões sobre endividamento e os gastos feitos por famílias, companhias e bancos. Uma coisa está clara, porém. O mundo se tornou cada vez mais dependente da força e do sucesso (ou fracasso) das decisões políticas de um banco central: o Federal Reserve dos Estados Unidos. Em parte, isso se deve, é claro, ao fato de que os Estados Unidos continuam sendo a maior economia do mundo, responsáveis por mais de um quarto da produção mundial. A virada espetacular da política monetária e do papel do Fed neste ano, particularmente nos dois últimos meses, é importante simplesmente porque a economia americana é importante. Mas não é só isso. O Fed não apenas reduziu as taxas de juro de curto prazo para 1%. Dobrou também o tamanho de seu próprio balanço, assumindo um novo papel. Hoje funciona como um emprestador capaz de absorver passivos de bancos e companhias americanas.
Além disso, o Fed se tornou um emprestador internacional crucial. No fim de outubro, estendeu suas facilidades de swap de dólares a Brasil, Coréia do Sul, México e Cingapura na tentativa de impedir que a escassez da moeda americana nessas economias importantes e bem geridas viesse a causar um novo caos financeiro. Os poderes do Fed não são infinitos, com certeza. Sua credibilidade como banco central também tem limites. Se alguém acha, porém, que estamos num mundo pós-americano, procure prestar atenção nas ações do Fed.