Fazenda conectada: o acesso à inteligência artificial está restrito às maiores propriedades (Leandro Fonseca/Exame)
Diretor de redação da Exame
Publicado em 22 de março de 2024 às 06h00.
Última atualização em 10 de abril de 2024 às 10h25.
Durante uma semana no fim de fevereiro, a elite do mercado de tecnologia se reuniu em Barcelona, na Espanha, para a edição anual do Mobile World Congress, o principal evento sobre conexão móvel do planeta. Mais de 100.000 pessoas passaram pelos pavilhões para conhecer novidades e discutir desafios e oportunidades num mundo cada vez mais conectado. Entre lançamentos como o novo carro da chinesa Xiaomi, o smartphone moldável da LeNovo ou o anel inteligente da Samsung, uma pauta aparentemente distante ganhou espaço: a conectividade no campo. Ou, mais precisamente, a falta dela.
Uma mesa de discussões organizada pelo gigante chinês de conectividade Huawei reuniu empresários e representantes das Nações Unidas e de governos da América Latina para tratar do tamanho do desafio. Segundo Vinicius Caram, superintendente da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), o Brasil ainda tem cerca de 85% de sua área territorial sem conexão, uma proporção semelhante à de países como o México. É uma realidade que pode passar despercebida perante os dados de que 95% da população brasileira já está conectada e mais de 280 cidades do país já têm conexão 5G, num número que avança rapidamente.
Em Barcelona, empresas como a Huawei apresentaram, inclusive, a chegada da tecnologia 5.5G, que aumenta em dez vezes a velocidade de transferência de dados em relação à 5G, e que deve estar disponível para a elite do mercado empresarial e agrícola brasileiro em três anos.
Mas a maior oportunidade, e aquela que pode fazer a maior diferença no curto prazo, está em levar conexão básica para quem não tem. Dados de 2022 do Ministério da Agricultura e Pecuária mostram que 70% das propriedades rurais brasileiras não têm nenhuma conexão com a internet. “O PIB agrícola cresceu 30% na última década, graças a um uso crescente de tecnologia. Agora, precisamos de soluções para dar novos saltos de crescimento”, disse Caram.
Dados do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) mostram que a produtividade da agricultura brasileira cresceu 400% desde 1975, numa taxa anual que chegou a 3,2% entre 2000 e 2019, quase o dobro da média global de 1,7%. Mas um mergulho nos dados mostra que o ritmo de avanço caiu desde 2010.
Para que a produtividade volte a crescer em ritmo mais intenso, é preciso expandir a conectividade. Entre as iniciativas já em curso, segundo Caram, estão a Lei no 14.108/2020, que reduz os impostos sobre dispositivos para Internet das Coisas (IoT), aquela que conecta máquinas a computadores. A Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial também tem um programa destinado ao campo, o Agro 4.0, com 14 projetos-piloto de conectividade.
Em Barcelona, grandes empresas de infraestrutura dividiram as mesas de debate com os gigantes de telecom e também com as líderes em inovação, como Amazon ou Starlink. A Claro, no painel que a EXAME acompanhou, mostrou um plano de investimentos de 60 milhões de dólares para conectar 10 milhões de hectares com 450 torres nos próximos anos.
Concorrentes como a Vivo e a TIM também têm o mercado agropecuário como uma prioridade. Nas contas da Claro, o Brasil precisaria de 100.000 estações para conectar seus 180 milhões de hectares utilizados na agricultura e na pecuária. A Anatel, por sua vez, tem como meta conectar com fibra óptica 100% dos municípios brasileiros até 2027.
A oportunidade a ser destravada com a conexão do campo é poderosa. O agronegócio responde por cerca de um quarto da economia brasileira, o equivalente a 2,6 trilhões de reais em 2023. Cada ponto percentual a mais na produtividade representará dezenas de bilhões de reais em faturamento. No caso da Claro, o projeto de expansão demanda não só investimento mas presença no campo. “É preciso conversar com os pequenos e médios produtores e mostrar as possibilidades da conexão”, disse Márcio Carvalho, diretor de marketing da Claro. “Os benefícios não envolvem apenas o possível uso de inteligência artificial e softwares de precisão. Ao conectar a fazenda, conectamos também as pessoas que trabalham na fazenda, permitindo acesso a saúde e educação. A conexão permite que as pessoas continuem no campo e se desenvolvam.”
O avanço social que a conectividade pode trazer é uma pauta das Nações Unidas. Em 2023 a Organização das Nações Unidas para o Desenvolvimento Industrial (Onudi) lançou a Aliança Global para Inteligência Artificial, para compartilhar conhecimento e investir em projetos de transformação por tecnologia, sobretudo em países em desenvolvimento. Farrukh Alimdjanov, diretor da Onudi, destacou a importância de democratizar o acesso à conexão para reduzir o “gap” digital entre países. Em Barcelona, foram apresentados exemplos de países como Venezuela e Jamaica que se valeram da conexão para ampliar a produção e ganhar eficiência no campo. “A conectividade é o primeiro passo para a atualização do setor agrícola”, disse Atílio Rulli, vice-presidente de relações públicas da Huawei.
O jornalista viajou ao MWC a convite da Huawei