Revista Exame

Nem sempre a investigação interna nas empresas funciona

Mais empresas têm contratado investigações internas para apurar denúncias de corrupção, fraudes e outras irregularidades.

Eldorado: o 
dono da empresa 
desmentiu a própria investigação interna (João Quesado/Exame)

Eldorado: o dono da empresa desmentiu a própria investigação interna (João Quesado/Exame)

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Raphaela Sereno

Publicado em 27 de julho de 2017 às 11h52.

São Paulo — Advogados do escritório Veirano e Auditores da consultoria EY passaram seis meses, de julho de 2016 a janeiro deste ano, investigando a produtora de celulose Eldorado, controlada pelo grupo J&F. Coletaram 6 milhões de e-mails e documentos internos. Usando softwares de análise de textos, selecionaram cerca de 300 000 itens para ser estudados a fundo — a maioria reunia informações sobre grandes contratos e operações da Eldorado. Dezesseis profissionais do Veirano leram os 300 000 arquivos, um a um. Cerca de 3 000 foram considerados relevantes e passaram pela análise de advogados mais experientes. Por fim, o resultado dessa análise foi cruzado com dados contábeis da Eldorado e com informações obtidas em entrevistas feitas com altos executivos. A investigação deveria apurar se funcionários da empresa haviam subornado autoridades para conseguir que fundos de pensão e o fundo FI-FGTS, administrado pela Caixa Econômica Federal, investissem bilhões de reais na companhia. Quando a investigação terminou, a Eldorado divulgou que a conclusão era que não havia nada de errado na empresa — algo que, hoje, todo mundo sabe que é mentira. O empresário Joesley Batista, dono da J&F, admitiu, em delação premiada tornada pública em maio, ter subornado executivos de fundos de pensão e feito doações ao PT para conseguir dinheiro para a Eldorado.

Ficou claro que EY e Veirano erraram — mas é pouco provável que eles tivessem como acertar. Os advogados e os auditores foram contratados pela própria Eldorado para conduzir a investigação e tiveram acesso apenas às informações liberadas pela empresa. Oficialmente, o objetivo da Eldorado ao contratar esse serviço era dar uma resposta a duas operações da Polícia Federal deflagradas em 2016 que tinham a J&F entre os alvos. Mas, segundo o Ministério Público Federal, o objetivo era dar “uma aparência de transparência e legalidade” a pagamentos suspeitos. De acordo com o contrato que assinaram, EY e Veirano deveriam entregar suas conclusões apenas à Eldorado, e cabia a ela decidir o que fazer. A EXAME os advogados do Veirano disseram que a investigação “assinalou pontos de atenção” e recomendou que houvesse um “aprofundamento da apuração dos fatos relatados”. Um desses pontos de atenção, segundo pessoas que acompanharam as investigações, era o pagamento de 37,4 milhões de reais feito pela Eldorado ao doleiro Lúcio Funaro, preso na Operação Lava-Jato — mas a empresa decidiu ignorar o fato.

Se essas investigações são tão limitadas — e podem acabar descobrindo apenas o que os donos das empresas que as contratam já sabem —, que utilidade têm? E por que tantas companhias vêm recorrendo a esse tipo de serviço? Além da Eldorado, dezenas de empresas contrataram auditores e advogados nos últimos anos para apurar se há irregularidades em suas operações e onde estão, entre elas as estatais Eletrobras e Petrobras, o banco BTG Pactual e a fabricante de aeronaves Embraer. A principal explicação é a aprovação, em 2014, da Lei Anticorrupção, que prevê a possibilidade de as empresas firmarem acordos de leniência com o poder público. A lei estabelece que, em troca de cooperação com informações sobre crimes em que tenha se envolvido, uma companhia pode ter sua punição atenuada. “Na maior parte dos casos, as empresas iniciam apurações próprias quando querem se antecipar a uma intervenção policial”, diz o procurador da República Paulo Galvão, integrante da força-tarefa do Ministério Público Federal na Operação Lava-Jato. A investigação no BTG começou em 2015, depois que seu fundador, o banqueiro André Esteves, foi preso, acusado de tentar atrapalhar a Lava-Jato (ele passou três semanas na cadeia mais quatro meses em prisão domiciliar e hoje responde pelo caso na Justiça Federal). Coordenada pelo escritório americano de advocacia Quinn Emanuel Urquhart & Sullivan, a investigação terminou em abril de 2016, sem encontrar problemas. Mas fica a dúvida: dá para acreditar nas conclusões de um investigador contratado e pago pela própria empresa que está investigando?

Segundo 15 advogados, auditores e procuradores do Ministério Público consultados por EXAME, a maioria das investigações consegue detectar irregularidades. Isso acontece porque grande parte delas é contratada pela cúpula das empresas, que busca descobrir se os funcionários estão andando na linha. O caso mais notório é o da multinacional alemã Siemens, que desvendou um esquema global de suborno de agentes públicos e pagou quase 2 bilhões de dólares em multas a autoridades de cerca de 20 países, incluindo o Brasil — aqui, a empresa informou ter integrado um cartel que superfaturava o valor dos serviços prestados nas obras de metrô e trem no estado de São Paulo. Os problemas surgem quando as irregularidades são cometidas ou endossadas pelos donos ou por altos executivos que têm controle sobre as informações que serão passadas aos investigadores contratados. Alvo de denúncias no exterior por pagar propina para conseguir contratos de venda, a fabricante holandesa de navios SBM Offshore, fornecedora da Petrobras, contratou em 2012 advogados e a firma de auditoria PwC para apurar se havia irregularidades. A investigação terminou em 2014 e concluiu que havia pagamentos suspeitos a funcionários públicos de Angola e Guiné Equatorial, mas que no Brasil estava tudo ok. A verdade somente veio à tona meses depois, quando o Ministério Público da Holanda resolveu investigar e descobriu transferências de dinheiro da conta de um funcionário da SBM no Brasil para outro da Petrobras.

- (Divulgação/Exame)

Sem enrolação

Para evitar cair em armadilhas que possam arrasar sua reputação, advogados e auditores têm criado procedimentos antienrolação. Um deles é pedir a profissionais de fora das empresas que acompanhem as investigações — e não que as conclusões sejam apresentadas apenas aos executivos. Outra é abandonar os trabalhos quando a empresa impede o acesso a informações consideradas cruciais. “Se o cliente pede que certos itens não sejam vistos ou que certas pessoas não sejam ouvidas, pode ser melhor deixar o caso de lado”, diz Isabel Franco, sócia do escritório de advocacia KLA. Além de a reputação ser jogada na lama, quem dá pareceres errados pode perder dinheiro. Foi o que aconteceu com o escritório de advocacia Vinson & Elkins, que prestava serviços para a empresa americana de energia Enron desde os anos 90. Quando as suspeitas de fraude contábil começaram a pipocar em 2001, o escritório foi designado para fazer uma investigação interna na Enron — e afirmou que estava tudo certo com os balanços. Não estava, e a Enron quebrou meses depois. Executivos como Jeffrey Skilling, ex-presidente da Enron, e Andrew Fastow, ex-diretor financeiro, foram presos, acusados de manipular os balanços. O Vinson & Elkins fechou um acordo com a massa falida da Enron e pagou 30 milhões de dólares para não ser acionado na Justiça por supostamente ter ajudado a encobrir as fraudes.

O desfecho do caso da Enron ainda é exceção. Um levantamento global da Associação dos Investigadores Certificados de Fraudes, com sede nos Estados Unidos, mostra que apenas 23% das empresas deci-dem abrir um processo civil na tentativa de reaver pelo menos parte dos recursos desviados. Das que descobrem crimes, 40% optam por não levar o caso adiante na Justiça. Além do medo de sofrer processos trabalhistas — alguns advogados alegam que as investigações são invasivas —, as companhias temem a publicidade negativa ao tornar seus problemas conhecidos. Assim, a maioria apenas demite os responsáveis. Colocar o dedo na própria ferida também sai caro. Estima-se que a Siemens tenha desembolsado 1 bilhão de dólares para pagar somente a investigação interna. Enfrentar a opinião pública, encarar longos processos judiciais e gastar tanto dinheiro pode valer a pena se ajudar a deixar claro, para as autoridades e para os funcionários, que a regra é andar na linha. Afinal, só para inglês ver não adianta.

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