Revista Exame

Não deu liga na Vale

Pressionada pelo governo, a Vale colocou em marcha um grande plano de investimento em siderurgia. Mas uma série de problemas vem colocando a estratégia em risco

Agnelli: "bronca" pública do presidente Lula pelo atraso nas obras das siderúrgicas (Germano Lüders/EXAME.com)

Agnelli: "bronca" pública do presidente Lula pelo atraso nas obras das siderúrgicas (Germano Lüders/EXAME.com)

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Da Redação

Publicado em 25 de agosto de 2011 às 15h35.

Ao inaugurar a companhia siderúrgica do Atlântico, em junho, no Rio de Janeiro, o presidente da Vale, Roger Agnelli, imaginava ter se livrado de uma dor de cabeça que o acompanhou durante os últimos cinco anos. Ao longo desse período, a usina, que tem a Vale como sócia, colecionou problemas de toda ordem.

Ficou pronta um ano e meio depois do previsto e ao custo de 6,6 bilhões de dólares, em vez dos 2,4 bilhões orçados inicialmente. Durante a construção, a CSA foi advertida pelo Ministério Público por não fornecer equipamentos de segurança aos operários e por causar danos a um manguezal nas proximidades da usina, localizada no bairro de Santa Cruz, a 75 quilômetros do centro do Rio de Janeiro.

No ano passado, a siderúrgica alemã ThyssenKrupp, sócia da Vale na CSA, mergulhou numa crise financeira, o que obrigou a companhia brasileira a quase triplicar sua participação na usina (hoje 27%). A esperança era que, quando a CSA fi nalmente entrasse em operação, tudo isso ficasse para trás. Quatro meses atrás, a usina começou a funcionar.

Mas, diferentemente do que se esperava, os problemas permaneceram. Uma poeira cinzenta começou a se espalhar pelos arredores da CSA. Causada por defeitos em uma máquina, a poeira assustou os moradores e emporcalhou a vizinhança durante seis semanas, até meados de setembro.

Resultado: a CSA foi multada em 1,8 milhão de reais pelo governo do estado do Rio de Janeiro e seus administradores receberam uma advertência por não terem comunicado o problema aos órgãos ambientais. "Reconhecemos que emitimos a poeira e não avisamos os órgãos ambientais.

Mas, por serem grandes, as partículas não poderiam ser inaladas, portanto os problemas de saúde relatados não estão relacionados à poeira", diz Claus Günter, gerente de qualidade da CSA. (Procurados por EXAME, os executivos da Vale não deram entrevista.) As explicações podem até fazer sentido.

Mas não podem conter o desgaste que incidentes ambientais desse tipo costumam causar à reputação de qualquer empresa. "O comportamento da CSA e de seus acionistas não condiz com os mandamentos da responsabilidade social", diz Cláudio Boechat, especialista em sustentabilidade da Fundação Dom Cabral.


Além de manchar o discurso de responsabilidade socioambiental, tão caro à Vale, o pó da CSA se soma aos infortúnios que a mineradora colhe desde que decidiu fortalecer sua presença no setor de siderurgia, oito anos atrás. Desde então, a Vale anunciou que ergueria quatro usinas siderúrgicas até 2012, em sociedade com empresas estrangeiras, que teriam sempre a maior fatia dos empreendimentos.

Se tudo tivesse dado certo, duas usinas já estariam produzindo 21 000 toneladas de aço por dia. Até agora, porém, só a CSA está pronta, entregando um terço desse volume. A meta final de produzir 41 000 toneladas ficou para 2014. O primeiro projeto, definido em 2002, envolvia a construção de uma usina no Maranhão.

Um impasse com o então governador Jackson Lago sobre o local de instalação do empreendimento levou a Vale e sua sócia, a chinesa Baosteel, a transferir o projeto para o Espírito Santo. No ano passado, a Baosteel desistiu do negócio em razão da crise financeira mundial, deixando a Vale sozinha na empreitada.

A usina que seria construída no Ceará, em associação com a italiana Danieli e a coreana Dongkuk, anunciada em 2005, também empacou. Embora tenha sido uma das promessas da segunda campanha de segundo mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, a siderúrgica continua a ser hoje apenas um plano de negócio. Por vários fatores.

Dois anos atrás, a Petrobras desistiu de fornecer o gás que alimentaria a usina ao preço inicialmente combinado. Foi a senha para o desembarque dos italianos da Danieli. As mudanças atrasaram a obra, cuja previsão de entrega agora é 2014 — ou seja, se tudo der certo, a siderúrgica cearense surgirá uma década após seu anúncio. A última empreitada, uma usina no Pará, foi anunciada por Agnelli há dois anos, numa cerimônia ao lado do presidente Lula — e já está um ano atrasada.

Os planos da Vale na área de siderurgia nasceram durante a euforia econômica mundial pré-crise e foram inflados por pressões políticas do Planalto. Em 2008, a produção mundial de aço atingiu o pico de sua capacidade. A possibilidade de a Vale entrar como minoritária em novas usinas, que se tornariam compradoras cativas de seu minério, parecia perfeita.


Como se sabe, os tempos de economia exuberante ficaram para trás — mas a pressão de Lula não. No ano passado, quando a Vale demitiu trabalhadores e reduziu o ritmo de investimentos em razão da crise mundial, o presidente declarou publicamente: "Eu disse ao Roger que era para termos começado essas siderúrgicas no auge da crise".

A estratégia também foi minada pelo fator câmbio, que tirou do Brasil a vantagem de custos na produção de placas de aço. Para completar, hoje a siderurgia mundial opera com capacidade ociosa. "O mercado não vai melhorar em menos de três anos e, nessas condições, é difícil pensar em expansão", diz um executivo do setor siderúrgico. A exceção é o grupo chinês Wisco, que recentemente se associou ao empresário Eike Batista para construir uma usina de 5 bilhões de dólares no Rio.

O fator eleição

Apesar de não ter sócios no Pará e no Espírito Santo, Agnelli não dá mostras de que abandonará os projetos, que, juntos, consumirão 11 bilhões de dólares. "É muito dinheiro para um negócio que não é o foco da empresa e tem margens de ganho menores", diz Pedro Galdi, analista da corretora SLW.

Do caixa gerado com a venda de minério, a Vale fi ca com 75%, enquanto as margens da siderurgia são um terço disso. Segundo analistas, a decisão de a Vale tocar as obras só não é mais preocupante porque a empresa tem em seu caixa 12 bilhões de reais — e nenhuma opção de novas minas de ferro para investir.

A expectativa agora se concentra no resultado do embate entre os candidatos Dilma Rousseff e José Serra à Presidência. "Dependendo de quem vencer, o destino de alguns desses projetos será o lixo", diz um executivo próximo à Vale.

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