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A vitória do 'hecho en Mexico': após décadas, país supera China e lidera exportações para os EUA

País sai na frente no movimento de nearshoring na América Latina e fatura com o distanciamento entre Washington e Pequim

Andrés Manuel López Obrador, presidente do México: país teve alta de exportações após a pandemia (Paul Ratje/Bloomberg//Getty Images)

Andrés Manuel López Obrador, presidente do México: país teve alta de exportações após a pandemia (Paul Ratje/Bloomberg//Getty Images)

Rafael Balago
Rafael Balago

Repórter de macroeconomia

Publicado em 26 de outubro de 2023 às 06h00.

Última atualização em 30 de outubro de 2023 às 09h52.

Donald Trump e Joe Biden, os maiores rivais políticos dos Estados Unidos hoje, concordam em uma coisa: é preciso reduzir a dependência americana da China. Em seus mandatos, ambos tomaram medidas para isso, e no final quem ganhou foi o México.

Neste ano, o país se tornou o maior exportador de produtos para os Estados Unidos. De janeiro a agosto, as exportações mexicanas somaram 316 bilhões de dólares, ante 275 bilhões de dólares da China. Como comparação, o Brasil enviou 24,7 bilhões de dólares em produtos aos Estados Unidos no mesmo período. Além de fazer fronteira com os Estados Unidos, o México tem vantagens como um acordo de livre-comércio com o vizinho e uma indústria já acostumada a liderar a pauta de exportações do país. 

A chegada do México ao posto de principal fornecedor dos Estados Unidos é um dos marcos do processo chamado nearshoring: empresas americanas e europeias que querem reduzir sua dependência da produção feita em lugares distantes. “Durante a covid, percebemos que nossas cadeias de suprimentos tinham se tornado muito longas. Agora, muitas indústrias estão trabalhando para encurtá-las e trazer os fornecedores para mais perto dos clientes”, diz Lutz Labish, CEO para as Américas da Trumpf, empresa alemã que produz máquinas usadas em fábricas, como cortadoras de metais, na Suíça, China e Estados Unidos. “Há também uma situação geopolítica, de redução de riscos, na qual países como os Estados Unidos, em reação à guerra na Ucrânia ou a tensões com a China, não querem mais depender desses países.”

Desde os anos 1980, a China se consolidou como a “fábrica do mundo” e passou a produzir quase tudo a preços mais baixos. Avanços na logística, como a padronização dos contêineres, e menores custos de mão de obra fizeram com que produtos como tênis, celulares e automóveis feitos na Ásia chegassem ao Ocidente a preços mais baixos do que os fabricados localmente. Com isso, muitas indústrias levaram sua produção para o Oriente. O modelo, porém, começou a falhar nos últimos anos: trabalhadores chineses começaram a exigir salários maiores, o que reduziu as margens de lucro.

Enquanto isso, grandes polos industriais dos Estados Unidos e outros países desenvolvidos entraram em crise profunda com a saída das fábricas, deixando eleitores desempregados e ressentidos. Em 2016, Donald Trump se elegeu com apoio deles, ao prometer retaliar a China e trazer os bons empregos de volta. Na Casa Branca, o republicano começou uma guerra comercial com Pequim. E então veio a pandemia. A China foi o primeiro país a viver a crise da covid-19 e um dos últimos a sair dela. Fechamentos severos para conter a doença continuaram até 2022, e complicaram por mais de dois anos a fabricação e a entrega de produtos.

As dificuldades da China abriram espaço para as vantagens do México. O governo do presidente Andrés Manuel López Obrador adotou poucas medidas de restrição durante a pandemia, e muitas empresas seguiram funcionando e exportando. Outra ajuda veio em julho de 2020, quando entrou em vigor o acordo de livre-comércio USMCA, entre Estados Unidos, Canadá e México, que substituiu o tratado anterior, o Nafta.

Naquele momento, os Estados Unidos e boa parte do mundo viviam problemas graves com as cadeias de suprimentos. Faltavam muitos produtos, de tênis a automóveis. A escassez no varejo americano era tanta que veículos com anos de uso, com pronta entrega, estavam mais caros do que os zero-quilômetro, que levariam semanas para chegar. Em meio a isso, a demanda por carros e autopeças mexicanas disparou. Em 2022, os automóveis lideraram a pauta de exportações mexicanas para os Estados Unidos, com 16% do total. Em segundo lugar, vêm as autopeças, com 13%.

O México também saiu na frente por já ter uma pauta de exportação muito fundamentada em produtos industriais e com mais tecnologia embarcada. O país está na posição 23 entre as nações que exportam produtos com maior complexidade tecnológica, segundo levantamento do Observatório da Complexidade Econômica. O Brasil aparece na posição 49. 

Andrés Manuel López Obrador, presidente do México: país teve alta de exportações após a pandemia (Lucas Aguayo Araos/Anadolu Agency//Getty Images)

O Brasil aproveitou o movimento de nearshoring, mas em menor escala. Em 2022, o país bateu recorde histórico de exportação para os Estados Unidos: vendeu 38,9 bilhões de dólares em produtos. A expectativa dos exportadores é manter o valor faturado em patamar próximo ao de 2022. Embora o volume de mercadorias vendidas siga crescendo, o preço de parte delas teve queda nos últimos meses, o que reduz os ganhos finais.

Os produtos semiacabados de ferro ou aço, item mais exportado pelo Brasil para os Estados Unidos, tiveram alta de 28,6% no volume exportado no primeiro semestre deste ano, mas o preço médio do material caiu 11,2% na comparação com 2022. “A demanda segue aquecida e temos oferta para exportar, mas as cotações de alguns produtos estão menores em 2023 do que em 2022, então, mesmo com aumento do volume, o valor final pode ser menor”, afirma Abrão Neto, CEO da Amcham Brasil (Câmara de Comércio Brasil-Estados Unidos).

Neto afirma que os Estados Unidos, embora sejam o segundo maior comprador de exportações brasileiras, atrás da China, é o principal cliente externo de produtos industriais. “O Brasil está bem posicionado para receber investimentos, especialmente nos setores de energia, por ter matriz energética limpa.

Com a transição para baixo carbono, o país pode atrair investimentos em áreas como biocombustíveis, hidrogênio verde e energia eólica”, avalia. No entanto, o país não tem um acordo comercial amplo com os Estados Unidos. Os governos Lula e Biden negociam formas de aumentar o fluxo comercial, mas o Brasil está distante de uma redução de barreiras tão significativa quanto a mexicana. 

Especialistas afirmam que ainda é cedo para cravar a medida exata de quanto a China perderá espaço como fornecedora do Ocidente, mas advertem que as decisões das empresas, como mudar uma fábrica de lugar, costumam ser duradouras.

“Esses tipos de acordo não são revertidos facilmente. Se você estabelece compromissos de longo prazo com outras empresas e países, seria preciso um choque muito significativo para haver uma nova mudança”, afirma Manuel Montoya, professor de relações internacionais na Universidade do Novo México e pesquisador de economias emergentes. “A China está se movendo da produção massiva para a posse de propriedade intelectual e para produtos de maior valor agregado. Com isso, Vietnã e Indonésia vão herdar essas partes da industrialização [de menor valor agregado]. E o México está posicionado para assumir isso na América do Norte.”

Uma projeção do Banco Interamericano de Desenvolvimento, feita em 2022, mostra que o país deve ser o mais beneficiado pelo movimento de nearshoring na América Latina e aumentar suas exportações em até 35 bilhões de dólares por ano. O Brasil pode ter ganho de 7,8 bilhões de dólares.

Em 2024, tanto os Estados Unidos quanto o México terão eleições presidenciais, e os avanços da produção industrial local deverão ser tema importante para os candidatos nos dois lados da fronteira. Por enquanto, o hecho en México se mostrou um sucesso — e um exemplo — para países que, como o Brasil, buscam se reindustrializar.


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