Laboratório da Universidade São Judas: a capacidade de investimento da Anima está em xeque (Divulgação)
Da Redação
Publicado em 27 de abril de 2015 às 16h39.
São Paulo -- O paulista Daniel Castanho, fundador e presidente do grupo de ensino Anima, chegou ao ápice da carreira no dia 19 de dezembro de 2014 — quando pagou 1,15 bilhão de reais pelas universidades Veiga de Almeida, do Rio de Janeiro, e Unijorge, de Salvador. Ambas pertenciam ao grupo americano Whitney.
Foi um feito impressionante para quem, apenas dez anos antes, havia juntado dois amigos para comprar, por 500 000 reais, sua primeira faculdade. De lá para cá, Castanho protagonizou uma história de crescimento daquelas raras de ver. Foi adquirindo escolas pequenas até que, em 2013, a Anima abriu o capital na bolsa de São Paulo.
No fim do ano passado, quando comprou as faculdades da Whitney, a empresa já valia quase 3 bilhões de reais. Aos 39 anos e com 140 000 alunos, Castanho tinha o equivalente a 450 milhões de reais em ações da empresa. Foi ali, em pleno auge, que tudo virou do avesso.
Dez dias depois de ter dado o passo mais ousado da carreira, Castanho recebeu uma notícia capaz de mudar a história das empresas de ensino superior no país. E mudar para pior. O Ministério da Educação anunciou duas grandes mudanças no Fies, programa de financiamento estudantil que nos últimos anos impulsionou não só o crescimento da Anima como também de todas as grandes redes de ensino do país.
O governo passou a exigir uma pontuação mínima para alunos que desejam contratar o Fies. E também mudou a forma como pagaria essas mensalidades às escolas — em vez de mensal, apenas oito vezes por ano.
Foi uma tragédia para todas as empresas privadas, que viram seu universo potencial de alunos cair quase pela metade e tiveram de se adaptar a um novo cronograma de pagamentos que bagunça o fluxo de caixa. Para a Anima de Daniel Castanho, porém, foi um pouco pior.
Ele havia, afinal, acabado de gastar mais de 1 bilhão de reais para comprar uma empresa que, à luz do que aconteceu logo depois, deveria ter custado muito menos. Os investidores levaram um baita susto. O valor de mercado da Anima caiu, desde então, 55%. Hoje, a empresa vale 1,3 bilhão de reais — apenas 150 milhões a mais do que pagou para comprar a operação brasileira da Whitney.
Desde as mudanças no Fies, as quatro companhias abertas do setor — Kroton, Estácio, Anima e Ser Educacional — perderam 15 bilhões de reais em valor de mercado. Mas ninguém tinha um caixa tão apertado quanto a Anima. Kroton e Estácio têm 400 milhões e 435 milhões em caixa, respectivamente.
Já a Anima começou 2014 com 488 milhões de reais em caixa e fechou o ano com 136 milhões — boa parte da diferença foi usada na compra da universidade paulistana São Judas, que custou 320 milhões de reais. Pior: não está incluída na conta a dinheirama que a empresa ainda terá de pagar pela Whitney.
Como se tudo isso não fosse problema suficiente, a empresa anunciou, no dia 27 de fevereiro, seus resultados para o quarto trimestre de 2014, considerados decepcionantes por analistas e investidores. Apesar de, no ano, o faturamento da empresa ter crescido 50%, para 690 milhões de reais, a margem operacional do quarto trimestre, de 14,8%, é 2,8 pontos percentuais menor do que no fim de 2013. Foi a senha para bater o desespero nos acionistas — naquele dia, o valor de mercado da Anima caiu 28%.
Hoje, a Anima tem dois grandes problemas a resolver. O primeiro é pagar pela compra da Whitney. Para isso, contraiu uma dívida de 600 milhões de reais com o banco Itaú, o que elevou seu endividamento para três vezes a geração de caixa — o triplo de Estácio e Kroton, e o limite considerado saudável por analistas e investidores.
A empresa ainda deve emitir debêntures conversíveis em ações de mais 600 milhões de reais. Isso se a conta da Whitney não subir ainda mais. Pelo contrato, a Anima se comprometeu a pagar uma parcela adicional à Whitney caso a empresa atinja metas estabelecidas para 2015.
Outro problema será superar os desafios dos próximos anos com um caixa apertadíssimo. Executivos do setor estimam que o número de alunos que deverão conseguir o Fies neste ano cairá para algo entre 250 000 e 400 000.
Para evitar que as salas de aula fiquem vazias, a única solução das escolas é oferecer outro tipo de financiamento. Kroton e Estácio vão por esse caminho. Sem dinheiro em caixa, a Anima terá menos flexibilidade financeira para fazer o mesmo.
O aperto também poderá atrapalhar a capacidade da Anima de oferecer cursos de qualidade — o que exige constantes investimentos em tecnologia e em treinamento. Esse foi, até hoje, o ponto forte da empresa de Castanho. Ele cresceu dentro de uma escola: seu pai era dono da franquia do grupo Objetivo em Sorocaba, no interior de São Paulo.
Na Anima, colocou em prática um estilo de gestão que conheceu com o pai. Todos os 2 000 funcionários têm ações da empresa e liberdade para definir horários e metas. Em 2014, começou a oferecer aos alunos a possibilidade de montar currículos flexíveis, a exemplo das universidades americanas. Tudo isso, claro, custa dinheiro.
Mas nem tudo são más notícias para a Anima. Para financiar seus alunos sem comprometer o caixa, a empresa anunciou uma ampliação da parceria com o Pra Valer, programa de financiamento privado da gestora de recursos Ideal Invest e do Itaú. Castanho está negociando uma redução ou até o cancelamento do pagamento adicional pela Whitney, o que aliviaria um pouco o já pesado fardo da aquisição.
Por outro lado, paradoxalmente a empresa poderá até ganhar se o governo continuar aumentando a exigência para o Fies, pelo menos no longo prazo. Hoje, a nota de corte é 3, numa escala de 1 a 5. Se subir para 4, ninguém está tão bem posicionado quanto a Anima — que teve 59% de seus cursos avaliados com nota 4 ou 5 em 2013.
A média das instituições listadas em bolsa é de 14%. “No longo prazo, a maior preocupação com qualidade vai nos beneficiar”, diz Castanho. O mais difícil, hoje, é convencer os investidores a pensar no longo prazo — pelo menos enquanto a tempestade causada pelo MEC não passar.