Revista Exame

É hora de fazer chover dinheiro? O Japão pensa que sim

O Japão já fez de tudo para recuperar sua força econômica nas últimas décadas. Agora uma nova ideia ganha força: o helicopter money.

Barraca de comida em Tóquio: apesar de todos os esforços do governo, a economia segue anêmica (Yuya Shino/Reuters)

Barraca de comida em Tóquio: apesar de todos os esforços do governo, a economia segue anêmica (Yuya Shino/Reuters)

DR

Da Redação

Publicado em 10 de setembro de 2016 às 05h56.

São Paulo — A situação da economia japonesa é tão dramática que alimenta debates intensos entre economistas de diferentes nacionalidades. O Japão tem o terceiro PIB do mundo, alto nível de renda, mas o país convive há mais de duas décadas com um desempenho econômico pífio. É uma Ferrari num atoleiro.

O governo do primeiro-ministro Shinzo Abe assumiu há três anos e meio com a promessa de dar um jeito nisso. Promoveu reformas e fez investimentos para tentar destravar a estagnação crônica, com a ajuda do banco central do Japão.

O BC japonês adotou em 2013 a prática batizada de quantitative easing: imprimir dinheiro para comprar títulos que estavam em poder dos bancos para melhorar a saúde do sistema bancário e, assim, criar as circunstâncias para que o volume de empréstimos aumentasse e a economia voltasse a crescer.

O Japão já tinha tentado algo parecido no passado, mas foi com Abe que a aposta foi reforçada — em linha com o que os Estados Unidos e a União Europeia fizeram após o estouro da crise em 2008. Com a economia ainda anêmica, os japoneses decidiram, no começo deste ano, seguir a União Europeia e adotaram taxas de juro negativas.

A mensagem para o consumidor: não deixe seu dinheiro no banco porque não vale a pena; é melhor ir às compras. Mas nem assim o quadro econômico se alterou. O governo japonês se defende dizendo que, sem suas medidas, a situação seria pior, mas os últimos indicadores econômicos mostram uma economia ainda enfraquecida.

O PIB ficou estagnado no segundo trimestre em relação ao anterior e, desde março, há sinais de que a deflação voltou — quando os preços caem e as pessoas adiam o consumo à espera de um valor mais baixo das mercadorias. Diante desse cenário, economistas de várias partes do mundo passaram a debater quais alternativas o Japão teria.

Como todas as armas do arsenal falharam, não seria a hora de experimentar algo novo — e radical? Uma ideia, em especial, tem sido defendida: a do helicopter money (“dinheiro de helicóptero”). É a possibilidade de o BC fazer uma injeção de dinheiro diretamente na economia.

A proposta foi aventada pela primeira vez em 2002 por Ben Bernanke, antes de assumir o Federal Reserve, ou Fed, o banco central americano. Bernanke inventou o termo helicopter money inspirado num artigo publicado na década de 60 pelo economista Milton Friedman, prêmio Nobel de Economia em 1976 e um dos mais influentes economistas do século 20.

Friedman descreveu a imagem de notas e moedas sendo despejadas sobre uma vila para demonstrar como a emissão de dinheiro teria um impacto inflacionário. Ele nunca propôs que algo semelhante fosse adotado.

Mas, para gente como Bernanke, Adair Turner, ex-presidente do Financial Services Authority, órgão regulador do mercado financeiro britânico, e vários outros economistas, essa pode ser uma alternativa para o Japão sair da deflação e do baixo crescimento.

O dinheiro seria injetado na economia de diversas maneiras: por meio de um desconto nos impostos; por uma transferência direta de valores para cada cidadão — com um cartão ou uma transferência bancária; por um programa de investimentos em infraestrutura; ou por meio da eliminação de uma parte da dívida pública. Em todos esses casos, o BC imprimiria o dinheiro.

Para seus defensores, essa é exatamente a principal vantagem da iniciativa. Seria uma tentativa de aumentar o consumo e a atividade econômica sem elevar o endividamento público — no Japão, a dívida equivale a quase 230% do PIB, a mais alta entre os países ricos. Os programas de estímulo tradicionais costumam aumentar os gastos públicos com a emissão de títulos do governo.

“Desde a crise de 2008, a responsabilidade pela recuperação econômica tem recaído sobre a política monetária. O que o ‘dinheiro de helicóptero’ faz é promover uma coordenação entre as políticas monetária e fiscal”, diz Paul Sheard, economista-chefe da agência de risco Standard&Poor’s e um dos defensores da ideia.

Visões distintas

Por ora, as autoridades econômicas do Japão negam qualquer intenção de ir em frente com a ideia. Quanto mais falam, porém, menos o mercado acredita. Uma pesquisa de opinião com gestores de fundos feita recentemente pelo Bank of America Merrill Lynch indica que 39% deles acreditam que a política de dinheiro de helicóptero será adotada em algum momento nos próximos 12 meses.

Para que essa previsão se concretize, os defensores da mudança terão de enfrentar algumas barreiras. A primeira é institucional. A simples emissão de dinheiro para financiar gastos do governo é proibida. Mas há algo mais complicado do que mudar essa regra. No campo das ideias, não dá para dizer que a briga está ganha.

Em artigos recentes, Claudio Borio, diretor de política monetária do Banco de Compensações Internacionais, instituição que reúne 40 bancos centrais do mundo, diz que a medida não terá o efeito desejado.

De acordo com ele, se um banco central colocar em circulação mais notas e moedas do que as pessoas demandam, esse dinheiro vai acabar nos bancos, e deles de volta ao banco central na forma de reservas, que terão de ser remuneradas. Em resumo, para Borio, não existe dinheiro de helicóptero grátis.

Os críticos apontam outros riscos. Há ainda o perigo de o BC passar a sofrer pressão política para emitir mais e mais dinheiro e perder a independência. Deputados do bloco de esquerda do Parlamento Europeu enviaram recentemente uma carta ao Banco Central Europeu pedindo a implementação de um programa de helicopter money.

“Com a entrada dos políticos, a integridade de um banco central pode ser questionada, o que seria um desastre”, diz James McCormack, diretor da agência de risco Fitch e uma das principais vozes contrárias à política.

Na reunião do G20, realizada recentemente na China, muito se falou sobre a necessidade de mais ações dos países ricos para combater o baixo crescimento econômico. Depois do encontro, durante uma reunião em Tóquio, Haruhiko Kuroda, presidente do BC japonês, disse que “novas ideias estão sobre a mesa”.

Acompanhe tudo sobre:ÁsiaEdição 1121G20InfraestruturaJapãoPaíses ricos

Mais de Revista Exame

Aprenda a receber convidados com muito estilo

"Conseguimos equilibrar sustentabilidade e preço", diz CEO da Riachuelo

Direto do forno: as novidades na cena gastronômica

A festa antes da festa: escolha os looks certos para o Réveillon