Revista Exame

Sustentabilidade só dá certo com apoio do alto escalão

Incorporar a sustentabilidade como estratégia de negócio é trabalho para uma companhia inteira — mas está fadado ao fracasso sem o comprometimento do alto escalão

Produção de mel em Capão Bonito (SP): a Fibria incentiva a atividade nas comunidades vizinhas (Germano Lüders / EXAME)

Produção de mel em Capão Bonito (SP): a Fibria incentiva a atividade nas comunidades vizinhas (Germano Lüders / EXAME)

DR

Da Redação

Publicado em 25 de fevereiro de 2015 às 18h00.

São Paulo - EM 2009, a VCP, fabricante de papel e celulose do grupo Votorantim, comprou a também brasileira Aracruz, e o negócio deu origem à Fibria. A partir daquele momento, a nova empresa se transformava na maior de seu setor no mundo. Nascia ao mesmo tempo um desafio proporcional a seu tamanho: lidar com uma herança maldita.

A origem estava na Aracruz, conhecida no Brasil e no exterior pela qualidade de suas florestas de eucalipto e excelência operacional de suas fábricas, mas também pelos inúmeros conflitos de posse de terra travados há décadas com populações indígenas e sem-terra próximas a suas operações no Espírito Santo e na Bahia.

A questão manchava a reputação da companhia e gerava uma série de perdas para o negócio. Suas áreas eram alvo constante de incêndios e invasões. Só em 2010 cerca de 320 000 metros cúbicos de madeira foram roubados — prejuízo de 13 milhões de reais para a Fibria. Hoje, o cenário é outro. A fabricante de celulose nutre um relacionamento um tanto quanto amistoso com seus vizinhos.

Prova disso é que, devido ao imbróglio social na qual estava metida, a Aracruz nunca pleiteou que suas florestas fossem certificadas de acordo com os princípios do Conselho de Manejo Florestal, instituição internacional que criou o padrão de exploração sustentável. Atualmente, todas as áreas de eucalipto da Fibria têm o selo verde, atributo quase indispensável para exportar para países ricos. 

A guinada da Fibria não se deu da noite para o dia. Ao contrário. Ela só aconteceu porque, ao longo dos últimos seis anos, o conselho de administração da companhia, liderado pelo mineiro José Penido, definiu como uma de suas prioridades mudar de maneira radical seu modelo de relacionamento com as comunidades e ajudá-las a prosperar.

Na cidade de Prado, por exemplo, na costa sul da Bahia, uma fazenda da Aracruz ocupada por integrantes do MST foi alvo de inúmeras ações de despejo e reocupação durante os anos 2000. A Fibria conseguiu fazer um acordo com o grupo e cedeu parte da área para que um assentamento fosse erguido e mais de 1 800 famílias pudessem viver da cultura de mandioca e do comércio de farinha, frango e pimenta.

“O conselho da empresa entendeu que sustentabilidade é algo decisivo para o sucesso do negócio, colocou isso na pauta e não tirou mais”, afirma o economista Sergio Besserman Vianna. Um respeitado estudioso do tema das mudanças climáticas, Besserman faz parte, desde 2010, de um comitê criado pelo conselho.

Coordenado por Penido, o grupo é formado por outros sete especialistas independentes que têm a missão de avaliar e criticar a estratégia de sustentabilidade da Fibria. Estão também no time, que se reúne durante dois dias com o conselho quatro vezes por ano, o especialista em biodiversidade Claudio Pádua e o líder indígena Ailton Krenak. Em outubro, a Fibria foi eleita a Empresa Sustentável do Ano pelo Guia EXAME de Sustentabilidade.

Pouco engajamento

Trata-se de um caso emblemático de uma empresa cujo tema da sustentabilidade é considerado relevante pelo conselho de administração — sua mais alta hierarquia —, e isso se mostrou um fator crucial para que ela conseguisse se livrar de um passivo e fosse hoje vista como referência para o setor. Exemplos como o da Fibria, porém, ainda não são a regra no mundo.

Uma pesquisa realizada recentemente pela consultoria Boston Consulting Group, em parceria com o MIT Sloan Management Review, periódico da escola de negócios Sloan, do Instituto de Tecnologia de Massachusetts, e a ONU, com 2 587 executivos em 113 países — incluindo o Brasil — revelou que, para 86% do universo consultado, o engajamento do conselho é fundamental para que o tema da sustentabilidade seja realmente incorporado à estratégia de negócios de uma companhia.

Por outro lado, apenas 42% dos executivos declararam acreditar que os conselhos dão a atenção merecida ao tema. “Infelizmente, a verdade é que falta comprometimento dos conselheiros com o assunto”, diz Martin Reeves, diretor da consultoria BCG em Nova York.

Nesse cenário, há uma boa notícia em relação ao Brasil no que diz respeito a pelo menos um aspecto. Dados do Guia EXAME de Sustentabilidade revelaram que o número de comitês dedicados a municiar os conselhos das empresas com informações sobre sustentabilidade vem crescendo.

No ano passado, das 228 companhias pesquisadas, 33% declararam ter comitês de sustentabilidade se reportando diretamente ao conselho. Em 2009, eram apenas 18%. Nem todos são compostos de especialistas externos. No caso da Masisa, fabricante de painéis de madeira, que faturou cerca de 500 milhões de reais em 2013, o comitê de sustentabilidade é formado por um grupo de 11 pessoas da própria empresa, entre diretores e gerentes de área, que trabalham sob o comando da presidente Marise Barroso.

Um grupo de 12 especialistas consultados por EXAME concorda que nada disso, porém, adianta sem o apoio do presidente e de um executivo dedicado exclusivamente ao tema.

“É a persistência diária e o poder de persuasão da máxima liderança da companhia que, no final das contas, mudam a cultura de uma empresa”, afirma Helio Mattar, presidente do Instituto Akatu, ONG dedicada a promover o consumo sustentável, e um dos precursores do movimento de responsabilidade corporativa no Brasil. “Cabe só a ele inspirar, ao mesmo tempo, o conselho e os funcionários da empresa para o tema.”

Na fabricante de material para construção Duratex, que faturou 3,8 bilhões de reais em 2013, essa missão foi dada ao paranaense Antonio Joaquim de Oliveira, nomeado presidente há dois anos, egresso da diretoria de sua unidade de painéis de madeira.

Quatro anos antes de o executivo assumir esse posto, o conselho de administração da Duratex deu início a um processo de conversão à causa da sustentabilidade semelhante ao da Fibria, mas por um motivo diferente: a empresa, que pertence ao grupo Itaúsa, fundiu suas operações com as da fabricante de painéis de madeira Satipel, que tinha o capital aberto e estava listada no Novo Mercado da Bovespa, segmento que agrega as empresas dispostas a adotar as práticas mais elevadas de governança corporativa.

“Já vínhamos nos preocupando com a questão há alguns anos, mas a partir daquele momento uma cobrança maior por parte dos acionistas nos levou a elaborar uma estratégia de sustentabilidade mais sólida”, diz Oliveira.

Para isso, o conselho também criou um comitê, formado por conselheiros independentes, acionistas e especialistas em sustentabilidade, que o ajudou a analisar a operação da nova Duratex e a elencar todos os processos que deveriam ser revistos na esfera social e ambiental.

Quando assumiu, em 2013, Oliveira ganhou a incumbência de melhorar não só indicadores financeiros como também uma série de números relativos à geração de resíduos, ao consumo de água e de energia e ao relacionamento com comunidades vizinhas às fábricas da empresa. As metas deverão ser batidas até 2016.

Para isso, a partir daquele ano todos os executivos da companhia passaram a ter cerca de 20% de sua remuneração atrelada a essas metas, e uma gerência de sustentabilidade foi criada. À frente da equipe de 46 profissionais está o executivo João Redondo, ex-gerente industrial da Itautec. “Estou comprometido em fazer com que a sustentabilidade seja algo entranhado em nossa cultura. Confesso que ainda não chegamos lá e o caminho é cheio de obstáculos”, afirma Oliveira.

Não há falsa modéstia nas palavras do executivo. Especialistas são categóricos em afirmar que a tarefa não é mesmo fácil. “Até existem alguns presidentes convictos de que o tema deve ser prioridade, mas eles realmente não são muitos”, diz Mário Monzoni, diretor do Centro de Estudos em Sustentabilidade da Fundação Getulio Vargas de São Paulo, responsável pela metodologia do Guia EXAME de Sustentabilidade.

Esses poucos acabam se transformando em ícones e ganham certo status de celebridade. Hoje, a grande estrela nessa seara no mundo é o holandês Paul Polman, à frente da multinacional de bens de consumo Unilever desde 2009.

Ele usa e abusa da visibilidade do cargo para expor seu desconforto com os dilemas sociais e ambientais do mundo e para alardear as metas ambiciosas da Unilever: até 2020, dobrar a empresa de tamanho e reduzir pela metade seu impacto ambiental. Ainda é cedo, porém, para saber se a Unilever chegará lá.

Ninguém duvida, quando Polman fala em público, de que o exe­cutivo tem atualmente o apoio do conselho de administração e dos mais de 170 000 funcionários da Unilever ­espalhados pelo mundo para perseguir a meta. E isso, já está provado, é decisivo para o sucesso.

Acompanhe tudo sobre:Edição 1084EmpresasEmpresas brasileirasMadeiraPapel e CeluloseSustentabilidadeVotorantim

Mais de Revista Exame

Cocriação: a conexão entre o humano e a IA

Passado o boom do ChatGPT, o que esperar agora da IA?

O carro pode se tornar o seu mais novo meio de entretenimento

Assistentes de IA personalizáveis ajudam a melhorar a experiência do cliente

Mais na Exame