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Boa vida | A tendência do cafezinho gourmet

Aumenta a procura por grãos especiais e métodos manuais de preparo. Ao que tudo indica, é o declínio do reinado das cápsulas

Coffee Lab, em São Paulo: escolha entre oito tipos de blend, filtro japonês e prensa francesa (Renato Parada/Exame)

Coffee Lab, em São Paulo: escolha entre oito tipos de blend, filtro japonês e prensa francesa (Renato Parada/Exame)

DR

Da Redação

Publicado em 25 de abril de 2019 às 05h20.

Última atualização em 24 de julho de 2019 às 17h21.

Pouco mais de uma década atrás, as opções oferecidas pelas cafeterias do país não iam muito além do sim ou não. Ou se aceitava o único expresso listado no cardápio, em geral mal tirado, ou se abria mão da cafeína. De alternativa havia um cappuccino com chocolate e olhe lá. A febre dos cafés em cápsulas, que a Nespresso começou a despejar no Brasil em 2006, revolucionou o setor ao permitir o preparo em segundos, sempre com o mesmo padrão, e multiplicou as escolhas do consumidor. Ristretto, Livanto e Arpeggio e outras dezenas de variedades tornaram-se nomes conhecidos dos brasileiros.

Hoje, o vocabulário exigido de quem adentra uma cafeteria badalada é muito mais amplo. Primeiro, escolhe-se o blend, composto de variedades que levam nomes como bourbon amarelo, catuaí vermelho e acauã, para citar alguns dos grãos de maior sucesso plantados no Brasil. No Coffee Lab, por exemplo, aberto na Vila Madalena há dez anos por Isabela Raposeiras, uma das baristas com mais reputação no país, os frequentadores devem se decidir entre oito blends. Depois é preciso bater o martelo no método de extração — os mais populares são os que se valem do filtro japonês Hario V60, da prensa francesa e do aeropress. Antes de receber a xícara, normalmente a clientela é instada a reparar na acidez da bebida e a procurar notas sensoriais de ingredientes como cacau e baunilha. E ai de quem perguntar por açúcar ou adoçante.

Sim, chegamos à era dos cafés especiais, ou gourmet, segundo os irônicos detratores, que ainda correspondem só a 3% do mercado, mas cujas vendas no país cresceram 19% no ano passado, segundo a consultoria Euromonitor. No mesmo período, de acordo com a Associação Brasileira da Indústria do Café (Abic), o setor como um todo cresceu 4,8%. “Estávamos habituados a exportar nossos melhores cafés como commodities e importá-los com valor agregado. Era isso ou aceitar os cafés ruins que ficavam por aqui”, diz Amanda Capucho, presidente da Orfeu, uma das marcas especiais mais premiadas do país. No torneio Cup of Excellence, o mais prestigioso do setor, ela levou 26 títulos.

Roberto Irineu Marinho, acionista do Grupo Globo, e sua mulher, Karen, são os donos da Orfeu. Em 1995, eles arremataram a Fazenda Sertãozinho, no sul de Minas Gerais. Lá havia um antigo cafezal, que  o casal resolveu aprimorar. O que tinha gosto de hobby virou negócio, e outras quatro fazendas foram incorporadas.  Nessa imensidão, do tamanho de 13 lagoas Rodrigo de Freitas, nasceram duas marcas, Orfeu e Eurídice. Como na mitologia grega, a última levou a pior e só a primeira, lançada em 2005, foi mantida no mercado.

Três anos atrás, em razão da febre dos cafés especiais no país, a Orfeu foi relançada. A estratégia incluiu a mudança do logo, a contratação de Amanda, ex-diretora comercial da Nespresso no Brasil, uma campanha na TV estrelada pela atriz Fernanda Montenegro ao custo de 4 milhões de reais e, por determinação de Irineu, a aposta no mercado nacional. Se antes do relançamento 90% dos cafés Orfeu eram exportados, essa proporção se inverteu: só 10% saíram do país no ano passado. “Surfamos a onda da reconexão dos brasileiros com o país.

É o que fez, por exemplo, muita gente começar a achar o queijo da Serra da Canastra o melhor do mundo, e não mais o francês”, diz Amanda. A meta é dobrar a produção atual, de cerca de 25.000 sacas por ano, até 2021. A estratégia da marca inclui o investimento em microlotes, como são chamados os blends não produzidos em linha. Três deles foram elaborados em parceria com chefs renomados: Morena Leite, do Capim Santo, Thomas Troisgros, do Olympe, e Felipe Bronze, do Oro.

Só 30% dos produtos da marca Orfeu são vendidos em cápsulas, sugerindo que elas já não têm a mesma força. “Para um café especial, que convida a um ritual de preparo não tão instantâneo e que favoreça as potencialidades dos grãos, as cápsulas estão longe de ser a melhor opção”, diz Luca Giovanni Allegro, presidente da Latitude 13. Fundada por ele em 2010, a marca de cafés especiais é dona de fazendas na região da Chapada Diamantina, na Bahia, onde crescem variedades como catuaí vermelho e topázio. A produção é de 15.000 sacas por ano, e só 20% das vendas correspondem a cápsulas.

No mercado em geral, a comercialização destas últimas segue em ascensão, embora com nítida desaceleração. Coordenada pela consultoria Nielsen, uma pesquisa do ano passado concluiu que 4,4% dos brasileiros têm uma máquina de café em cápsula. Só que mais da metade não havia sido usada nos 12 meses anteriores. Somando os cafés de todos os segmentos, 81% das vendas no país correspondem ao produto em pó, 18% a grãos torrados e 1% a cápsulas. Rainha absoluta destas últimas até a queda de sua patente em 2013, a Nespresso passou a vendê-las com grãos especiais e versões limitadas. 

Proprietária da Nespresso, a Nestlé deu um passo mais ousado para lidar com o fenômeno crescente dos cafés especiais. Dois anos atrás, adquiriu o controle da rede de cafeterias Blue Bottle, da Califórnia, cujos grãos elogiados vêm de pequenos produtores. A transação teria saído por 425 milhões de dólares. Dona da marca de cafés especiais Santa Clara, a 3 Corações lançou sua segunda linha do gênero no ano passado, batizada de Rituais, e escalou o chef Alex Atala para promovê-la em uma campanha na TV. A competição nesse meio tende a ficar amarga.

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