Revista Exame

A universidade (com jeito de startup) que quer mudar tudo

Como a Minerva, uma faculdade do Vale do Silício que não tem salas de aula, quer revolucionar a educação

Alunos da Minerva School: vaga mais disputada do que no MIT | Divulgação /

Alunos da Minerva School: vaga mais disputada do que no MIT | Divulgação /

DR

Da Redação

Publicado em 2 de novembro de 2017 às 05h51.

Última atualização em 14 de novembro de 2017 às 12h16.

No centro de São Francisco, estão instaladas as sedes de algumas das mais famosas empresas de tecnologia do momento. Na Market Street, o prédio do Twitter, sinônimo de comunicação rápida, é um ponto de referência. A uma quadra de distância, estão o escritório do Uber, que nasceu com o objetivo de revolucionar a mobilidade urbana, e o do Square, que quer fazer a mesma coisa com os meios de pagamento. Como tudo por ali, sobra ambição de mudar o mundo. Não é de espantar que uma universidade que pretende transformar o modelo de educação superior esteja cravada no epicentro da inovação tecnológica mundial.

A Minerva tem todo o jeito de uma startup. Concebida em 2012 e em operação desde 2014, ocupa um andar do número 1 145 da Market Street. Ali não há salas de aula, bibliotecas, laboratórios — nem estudantes, exceto os que fazem um estágio entre os 120 funcionários da Minerva. Boa parte da vida escolar dos 450 alunos da faculdade ocorre no exterior. Apenas o primeiro ano é cursado em São Francisco. No momento, um grupo passa uma temporada em Seul, na Coreia do Sul. Antes disso, essa turma morou um semestre em Berlim e outro em Buenos Aires.

Até a graduação, esses alunos ainda viverão em residenciais estudantis itinerantes em Londres, Taipei (em Taiwan) e Hyderabad (na Índia). O que une esses estudantes não é apenas a intensa experiência global, mas também a vontade de aprender livre das paredes da sala da aula, por meio de uma plataforma digital única.

Lusana Ornellas, aluna brasileira da Minerva: projetos na Argentina, no Brasil e na Coreia do Sul | Germano Lüders

A Minerva é uma experiência educacional observada em tempo real. Não há um único aluno formado pela escola ainda. Os primeiros formandos receberão seu diploma apenas em maio de 2019. O que poderia ser somente mais uma extravagância do Vale do Silício, porém, tem atraído o interesse de educadores e de jovens em busca de uma educação superior, digamos, disruptiva — adjetivo que parece estar associado a qualquer novidade tecnológica.

Neste ano, 20 000 jovens de todo o mundo disputaram uma das 200 vagas da nova turma, iniciada em setembro. A concorrência para entrar ali é maior do que no Instituto Tecnológico de Massachusetts (MIT), considerada a terceira melhor universidade do mundo pelo ranking britânico Times Higher Education. No cardápio da Minerva, há cinco cursos de graduação: ciências sociais, ciências da computação, ciências naturais, artes e humanidades e administração. Cada curso oferece seis áreas de especialização. E há dezenas de disciplinas, como sistemas complexos, análise empírica e astrofísica — tudo isso sempre num ambiente digital.

O modelo Minerva só existe porque a tecnologia permite que uma aula online seja um ambiente em que professores e alunos conseguem interagir. Não se trata do modelo de ensino a distância que cresce a taxas impressionantes no Brasil, no qual a maioria dos cursos recorre a aulas gravadas e apostilas com a matéria resumida, e hoje já tem 1,5 milhão de brasileiros matriculados. Na Minerva, um professor se conecta a uma sala de aula virtual com, no máximo, 19 alunos, numa espécie de teleconferência.

A plataforma permite que todos os participantes se vejam simultaneamente e todas as aulas sejam ministradas em formato de seminário, com debates, análises de problemas e resoluções de exercícios. Na aula virtual, as intervenções dos professores não podem duram mais que 5 minutos, evitando que fiquem enamorados pela própria voz. Eles também não oferecem respostas prontas aos tópicos em debate. Os alunos, por sua vez, têm de se preparar e participar ativamente pelo menos em 75% do tempo da aula. A qualidade de suas intervenções é que será levada em conta para as notas. Não, não há provas na Minerva. E a recomendação da escola é que os alunos dediquem 40 horas semanais aos estudos e projetos.

Toque para ampliar.

A base pedagógica da Minerva é chamada de metodologia ativa de aprendizagem, conhecida também como sala de aula invertida. O modelo se opõe ferozmente ao jeito tradicional de ensinar, em que o professor passa o conteúdo à frente da lousa, método que nasceu com a criação das universidades há 900 anos na Europa Ocidental. “Hoje, as instituições de ensino vivem a ilusão do aprendizado”, diz o reitor Stephen Kosslyn, um dos mais renomados pesquisadores em psicologia cognitiva do mundo. Ele deixou três décadas de vida acadêmica em instituições centenárias, como Harvard e Stanford, para abraçar o projeto. “Ao final de uma aula em que um professor despejou um monte de conteúdo, o aluno tem a sensação de que aprendeu muitas coisas, mas, no fim das contas, ele absorveu muito pouco.”

A discussão de qual é a melhor forma de o aluno aprender existe há décadas, e a metodologia ativa de aprendizagem tem atraído cada vez mais adeptos no mundo acadêmico. Um trabalho recente da Universidade de Washington, em Seattle, avaliou 225 estudos que comparam o desempenho de estudantes de áreas de ciências, tecnologia, engenharia e matemática que cursaram disciplinas com modelos tradicionais de aulas à performance de estudantes que tiveram aulas baseadas na aprendizagem ativa. O resultado é que as notas do segundo grupo eram, em média, 6% superiores.

Por outro lado, a chance de reprovação de quem teve aulas em formato de palestra era 1,5 vez superior. Como toda experiência em curso, a Minerva também busca validação para a metodologia que inventou. No final do ano passado, os alunos que completaram o primeiro ano de estudos na Minerva se submeteram ao Collegiate Learning Assessment, o CLA+, prova americana que avalia o pensamento crítico, a capacidade de solucionar problemas e a escrita. O desempenho dos alunos da Minerva foi superior a 95% dos alunos que fizeram o teste. O mesmo grupo de estudantes repetiu o teste oito meses depois, e a performance deles foi acima de 99% dos alunos, um resultado inédito na história do exame criado em 2000.

Boa parte do conteúdo abordado nas aulas virtuais acaba sendo colocada em prática em projetos nas cidades em que os alunos estão morando. Em geral, são feitas parcerias com governos locais, ONGs e empresas. Quando estava em Berlim, um grupo de estudantes fez, junto com a ONG alemã Kiron, um trabalho com refugiados. Em Buenos Aires, no primeiro semestre de 2017, os alunos da Minerva se envolveram em diferentes projetos. Um deles foi no Ministério da Educação da Argentina para discutir programas e combater a evasão escolar — 50% dos alunos do país abandonam o ensino médio.

Outra experiência envolvia a expansão de acesso à internet em bairros pobres de Buenos Aires. A mineira Lusana Ornellas, uma das dez estudantes brasileiras da faculdade, participou do grupo que trabalhou num projeto no site de comércio eletrônico Mercado Libre, dono do Mercado Livre no Brasil. Antes, Lusana havia estagiado na aceleradora 500 Startups, de São Francisco, uma das mais influentes do mundo. Nas férias do verão americano, de junho a agosto, passou dois meses na gestora de investimentos Empiricus, em São Paulo. Agora, em Seul, na Coreia do Sul, ela dedica 10 horas semanais a um estágio na cervejaria AB InBev, dona da operação Oriental Brewery Company. Para a área de marketing da empresa, ela está desenvolvendo um projeto sobre possíveis campanhas focadas no público feminino — questões de gênero são um de seus temas de interesse. “Não consigo me imaginar trabalhando em algo que não tenha propósito no futuro”, diz Lusana. “Provavelmente, vou ganhar menos dinheiro.”

As inovações que a Minerva coloca em discussão não são o único atrativo para os estudantes. O custo de estudar lá é bem menor do que em instituições tradicionais. A anuidade de 12 500 dólares equivale a um quarto do que as universidades americanas de elite costumam cobrar, e por isso gestores públicos e empresários têm olhado com interesse a experiência. No mundo todo, o setor educacional enfrenta imensos desafios. Os custos crescentes da educação superior nos países ricos estão elevando o índice de evasão universitária e criando dívidas impagáveis. Somente nos Estados Unidos, a dívida com financiamento estudantil chegou a 1,3 trilhão de dólares no final de 2016 e envolve 44 milhões de devedores — é o segundo maior item de endividamento no país, perdendo apenas para hipotecas residenciais.

Se, por um lado, estudar numa instituição tradicional parece cada vez mais inacessível, a proliferação dos cursos em massa a distância dá uma sensação de democratização do acesso à educação. De fato, eles abrem as portas para um universo de conhecimento antes confinado à sala de aula. E crescem numa velocidade acelerada: 7,5% ao ano no mundo. Segundo estimativas da consultoria americana Stratistics MRC, o mercado global de e-learning pode chegar a 275 bilhões de dólares em 2022. A dúvida é se esse modo de ensino está de fato preparando melhor as mentes contemporâneas. Recentemente, Harvard e MIT divulgaram que apenas 5,5% dos que se matriculam em suas plataformas online abertas e gratuitas concluem os cursos.

Aula na Universidade Harvard: o modelo de aula tradicional está em xeque | Brooks Kraft LLC/Corbis /Getty Images

No Brasil, a proliferação do ensino a distância é fruto principalmente de outra questão: o preço. O país é, talvez, o único lugar no mundo em que os cursos de graduação online custam o equivalente a 30% da modalidade presencial na mesma universidade — nos Estados Unidos, os preços são parecidos ou a comodidade da versão digital chega a ser mais onerosa para o bolso do estudante (a Minerva é uma exceção). Os baixos preços praticados aqui são resultado do fato de que muitos cursos apelam para uma fórmula do tipo fast-food. As plataformas tecnológicas permitem que cada curso tenha milhares de estudantes consumindo aulas transmitidas online ou gravadas, mas oferecem pouca assistência individualizada. “Quanto menos camadas de interação há com o estudante, mais baratos são os cursos”, diz Luiz Trivelato, diretor da consultoria educacional Educa Insights, de São Paulo. Isso faz a evasão digital ser alta, em torno em 30%, um pouco superior à do modo presencial.

O modelo de transmissão de conhecimento que prevalecerá no futuro é uma incógnita. Hoje, a Minerva parece ter encontrado uma fórmula que combina qualidade acadêmica com tecnologia e preço amigável. É por isso que a escola se prepara para licenciar sua plataforma tecnológica e cobrar por isso. Apesar de assediada por diferentes grupos educacionais, incluindo universidades do Brasil, não há nenhum contrato firmado. “No longo prazo, creio que muitos estudantes se beneficiarão do projeto educacional da Minerva, à medida que outras instituições adotarem nossa abordagem e nossa tecnologia”, diz Ben Nelson, um dos fundadores da Minerva e ex-executivo de empresas como Disney e HP.

O dinheiro de possíveis parceiros pode acelerar o equilíbrio financeiro do projeto, estimado para ocorrer em três anos. Embora a escola seja sem fins lucrativos, foi criada uma instituição que recebeu os investimentos — entre eles o do fundo -Benchmark, que tem na trajetória o financiamento inicial de startups como Uber, Dropbox, Twitter e Instagram — e detém a propriedade intelectual da Minerva. Já foram investidos quase 100 milhões de dólares no projeto. Se superar a fase startup e se transformar numa instituição de ensino consolidada, a Minerva poderá entrar para a história da educação como a universidade que derrubou as paredes da sala de aula e ampliou a fronteira do conhecimento. 

Acompanhe tudo sobre:EducaçãoEXAME 50 AnosFaculdades e universidadesInovaçãoStartupsvale-do-silicio

Mais de Revista Exame

Linho, leve e solto: confira itens essenciais para preparar a mala para o verão

Trump de volta: o que o mundo e o Brasil podem esperar do 2º mandato dele?

Ano novo, ciclo novo. Mesmo

Uma meta para 2025