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A moda da C&A, Renner e Malwee agora é ser verde

Varejistas de moda reagem a uma nova pressão dos consumidores sobre a lógica do fast fashion, que incentiva o rápido descarte das peças

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Loja da Renner:peças feitas com fios reciclados e fibra biodegradável / Leandro Fonseca (Leandro Fonseca/Exame)

Loja da Renner:peças feitas com fios reciclados e fibra biodegradável / Leandro Fonseca (Leandro Fonseca/Exame)

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Marina Filippe

Publicado em 5 de outubro de 2017, 05h55.

Última atualização em 5 de outubro de 2017, 17h04.

Poucos setores estiveram no centro de tanta polêmica quanto o varejo de moda nos últimos anos. O espectro de controvérsias varia desde acusações de trabalho escravo nas linhas de produção de fornecedores até o uso de substâncias tóxicas na confecção dos tecidos de empresas como a espanhola Zara, maior varejista de moda do mundo.

Mais recentemente, entrou em xeque o que é, em essência, o próprio modelo de negócios de parte desse segmento: a lógica do fast fashion — que estimula a troca contínua de peças e coleções —, e o impacto que o consumo acelerado gera, desde a produção de algodão (o cultivo agrícola que mais demanda o uso de agrotóxicos e um dos que mais consomem água) até o descarte do produto.

O resultado tem sido uma reação em cadeia. Abandonar a fórmula do consumo rápido não é a solução contemplada. A Zara, que celebrizou o modelo, lançou em setembro de 2016 sua primeira coleção sustentável: roupas de lã reciclada, algodão orgânico e fibra biodegradável. Neste ano, a holandesa C&A lançou as primeiras peças totalmente biodegradáveis. Feitas de algodão, desintegram completamente em 12 semanas em contato com a terra, e viram adubo (o mesmo não acontecerá enquanto ela estiver em sua gaveta ou em sua máquina de lavar, segundo a fabricante).

No Brasil, em setembro, a varejista gaúcha Renner começou a identificar com etiquetas diferenciadas as peças confeccionadas com fios reciclados e fibra biodegradável extraída da polpa de madeira. A meta é chegar a cerca de 500 000 unidades neste ano, equivalente a 0,5% do volume produzido pela companhia. Hoje 5% das peças vendidas pela  varejista são feitas com algodão certificado, produzido com menos água e agrotóxicos.

Em 2018, esse percentual deverá saltar para 15%. “Não estamos lançando apenas uma peça, mas, sim, iniciando uma estratégia duradoura”, diz José Galló, presidente da Renner. Além de vestuário, as lojas começam agora a ser equipadas com cortinas e sacolas (utilizadas pelos clientes para transportar roupas ao provador ou ao caixa) produzidas da mesma forma.

É a resposta a uma demanda dos consumidores. De acordo com uma pesquisa realizada pela consultoria Euromonitor neste ano, 17% dos brasileiros preferem comprar roupas produzidas de maneira sustentável. No mundo, o percentual é de 11%. O movimento pelo qual passa a indústria da moda é semelhante ao que outros setores já viveram. É o caso de diversas fabricantes de cosméticos que anunciaram o fim de testes em animais no passado. “Para sobreviver, as empresas têm de ser sensíveis às demandas da sociedade”, afirma Chris Coulter, copresidente da consultoria americana GlobeScan, especializada em sustentabilidade e reputação.

A depender do caminho escolhido, a estratégia pode custar caro para as empresas. Em suas lojas brasileiras, a C&A cobra 20 reais por sua nova camiseta biodegradável — semelhante ao que se paga por uma peça convencional. O custo da matéria-prima pago pela varejista holandesa, porém, é 50% superior em relação ao algodão comum. Um dos motivos é a escassez da versão orgânica, livre de agrotóxicos, no mundo.

O algodão orgânico representa apenas 1% do total produzido globalmente. No Brasil esse percentual é ainda menor: 0,1%. A C&A não tem intenção de cobrar mais pela peça, vendida em 21 países. “Neste momento, o custo é maior, mas temos força para influenciar o mercado e dar escala”, diz Paulo Correa, presidente da C&A no Brasil. Outras opções são menos custosas. Foi o que descobriu a fabricante e varejista catarinense Malwee, que também tem iniciativas nessa seara.

Há seis anos a empresa produz roupas com os fios desfibrados de tecidos descartados e tecelados novamente. Nesse período, a Malwee, com mais de 25 000 pontos de venda entre lojas multimarca e com marca própria, colocou no mercado 400 000 peças desse tipo. No caso dos itens produzidos com o uso de resíduos, o custo para a companhia tem sido o mesmo em relação à malha tradicional. A empresa já tentou outras alternativas sem sucesso.

Além de usar sobras de tecido da própria indústria para produzir as peças, a companhia fez testes com fibra de bananeira. Mas o fornecedor interrompeu a produção. “O tecido não tinha um toque macio e, como as vendas não eram expressivas, o modelo não se viabilizou”, afirma Taise Beduschi, gestora de sustentabilidade do grupo Malwee.

Incentivar a participação do consumidor na reciclagem de peças também começa a ser uma bandeira das varejistas. A Renner planeja colocar postos de coleta de roupas usadas em 15 lojas até dezembro. Na C&A, os postos foram instalados neste ano nas mesmas 29 lojas nas quais a camiseta biodegradável está disponível. As peças serão encaminhadas a fornecedores capacitados. No caso da Renner, foi feita uma parceria com a Universidade de São Paulo e seis fornecedores que estudaram formas de aumentar a qualidade do fio reciclado. Como consequência, 159 toneladas de tecidos desses fabricantes foram reaproveitados de janeiro a julho deste ano, não apenas para a produção de peças para a Renner. A falta de clareza e rigor na legislação que controla a destinação de resíduos têxteis também atrapalha a evolução da confecção de vestuário no país. A Política Nacional de Resíduos Sólidos, que já contempla setores como eletrônicos e embalagens, não controla a destinação correta de sobras na produção de tecidos. Não há estimativas do volume de resíduo produzido por essa indústria, mas o tamanho do setor dá uma dimensão do desafio — 5 bilhões de peças de vestuá-rio foram produzidas no Brasil em 2016.

Em outras frentes, o segmento parece avançar. No Pacto Nacional pela Erradicação do Trabalho Escravo, criado em 2005, nove das 40 empresas associadas são do ramo da moda. Ao participar do programa, a companhia é auditada e recebe relatórios com as práticas que podem ser melhoradas. A Zara, maior acusada de usar substâncias tóxicas na produção, anunciou a meta de se livrar delas até 2020.

Manifestação contra a varejista de moda Zara: pela eliminação de substâncias tóxicas na produção | ATTILA KISBENEDEK/AFP PHOTO

Até que ponto as ações para minimizar o impacto da produção e do consumo de roupas terão uma relevância real ou servirão só para ajudar a polir a imagem de um setor controverso? “Sustentabilidade não faz parte do programa de marketing, e sim de nossa estratégia”, afirma Galló, da Renner. Na C&A, o anúncio da nova camiseta foi feito num evento com a presença de famosos e influenciadores, num vídeo exclusivo e em campanha nas mídias sociais, mesmo que a peça esteja disponível em apenas 29 das 277 lojas espalhadas pelo Brasil. “Temos uma campanha forte porque sustentabilidade é um aspecto importante no posicionamento da marca”, diz Correa, da C&A. A varejista tem a meta de usar 100% de algodão certificado até 2020. Não é o que acontece no caso da Zara, que não tem informações claras de escala e metas para sua nova coleção sustentável. Da mesma forma, a brasileira Hering anunciou em agosto o lançamento de um jeans, sob o nome de “Eco Edition”, sem dar detalhes sobre o que o torna tão sustentável. Procurada pela reportagem de EXAME, a empresa não quis dar informações. “As funções de marketing e sustentabilidade precisam andar juntas para gerar o sucesso no longo prazo”, afirma Coulter, da consultoria GlobeScan. Está claro que a moda pegou. Ninguém sabe, porém, se será efêmera ou duradoura. 

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